quarta-feira, 9 de maio de 2018

A violência e o perdão


Ana Lydia Sawaya, professora titular de Fisiologia da UNIFESP - campus São Paulo e é conselheira do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

O Brasil está na lista dos países mais violentos do mundo. No ano passado foram assassinados 60 mil brasileiros. Por que? Atribui-se à instabilidade econômica, ao desemprego, e à desigualdade de oportunidades. Um grande estudioso sobre violência relata que esta não explode por causa da pobreza, mas devido à percepção de injustiça. Ou seja, a violência explode onde as pessoas percebem, com clareza, que estão sendo excluídas daquilo que a sociedade considera um valor e um bem para si. Por isso, é a percepção de exclusão e injustiça que faz explodir a violência.
O Brasil não é particularmente pobre - é uma economia emergente. Sua riqueza, porém, é extremamente mal distribuída. Sabe-se também que um dos fatores que mais influência a má distribuição de riqueza é a qualidade da educação. E é exatamente neste quesito que o Brasil mostra péssimas estatísticas. Não tem havido melhora na qualidade da educação no país e, em proporção a outros países, tem havido piora.
Outro dado impressionante e que também está associado a este quadro geral é a grande mudança que vem ocorrendo do ponto de vista religioso. Há algumas décadas atrás os brasileiros diziam-se católicos em 90% dos casos. Este número caiu para 50% segundo as últimas estatísticas, enquanto a proporção dos que se tornaram evangélicos aumentou 61% nos últimos 10 anos. É evidente, portanto, a grande instabilidade e insatisfação que está ocorrendo na experiência religiosa dos brasileiros. Mas há um dado novo ainda mais exemplificativo desta sociedade em profunda mudança e crise. O número de evangélicos tem decrescido nas regiões onde primeiro se expandiram como a região Sudeste e o número de evangélicos que hoje se declaram não praticantes chegou a 4 milhões de pessoas nas últimas estatísticas.
É inegável, portanto, as dificuldades que tantos brasileiros tem encontrado para achar uma casa que os acolha na profundidade de sua vida e de seu ser, e na resposta aos anseios mais profundos do seu coração. A experiência religiosa parece uma zona movediça e insegura que faz milhões de pessoas buscarem e correrem para lá e para cá, indo de igreja em igreja, do pastor A para o B ou C, de uma paróquia para outra, em busca de algo profundamente sólido, seguro, e que os ajude a viver. Algo, sobretudo que lhes dê o sentido para viver.
Ainda podemos descrever um nível mais íntimo da vida das pessoas e que também está profundamente em crise e pertence a essa areia movediça que engole a tantos: a perda da segurança familiar, e consequentemente social e econômica. Quantos jovens não vão para o tráfico porque seu “novo grupo” substitui sua família, gerando laços fortes e promessas reais de inclusão na sociedade de consumo pelo dinheiro fácil, que não precisa de uma boa escola, nem entrar no mercado de trabalho.
O que fazer diante deste quadro cada vez mais claro e estabelecido que faz alguns estudiosos relatarem que o Brasil pode estar sofrendo um processo descivilizatório (ou seja, está indo para trás em termos de civilização)?
O que podemos fazer nós que somos católicos? Repercorrer o caminho dos primeiros cristãos. Reconstruir comunidades de leigos onde o amor e o perdão sejam experiências reais, possíveis de serem encontradas e experimentadas. Comunidades onde se compartilhe a vida real, as alegrias, as tristezas, as dificuldades econômicas, se ajude os casais a viver seu casamento e a educar seus filhos. E onde a mensagem de Cristo e seu anúncio de perdão e amor possam ser vividos comunitariamente no dia a dia.
Jornal "O São Paulo", edição 3191, 21 a 27 de março de 2018.

Nenhum comentário:

Postar um comentário