sábado, 29 de abril de 2017

Festa da Divina Misericórdia - Meu coração se alegra com esta Festa

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Isabelle Warzinczak é jornalista responsável da Revista Divina Misericórdia, publicação mensal do Santuário da Divina Misericórdia e Congregação dos Padres Marianos da Imaculada Conceição, Curitiba-PR. 

A Festa da Divina Misericórdia, comemorada no último domingo, é uma grande celebração dentro do calendário da Igreja Católica. Nas revelações de Jesus à grande mística polonesa Santa Faustina Kowalska (1905-1938) escritas em seu Diário (A Misericórdia de Deus em minha Alma. Curitiba: Editora Apostolado da Divina Misericórdia), Ele manifesta a Sua vontade: “Eu desejo que haja a Festa da Misericórdia. Quero que essa Imagem, que pintarás com o pincel, seja abençoada solenemente no primeiro domingo depois da Páscoa e esse domingo deve ser a Festa da Misericórdia”. E, em outro trecho dos mesmos Diário: “A tua tarefa e obrigação é pedir aqui na terra a misericórdia para o mundo inteiro. Nenhuma alma terá justificação enquanto não se dirigir com confiança à Minha misericórdia. E é por isso que o primeiro domingo depois da Páscoa deve ser a Festa da Misericórdia. Nesse dia, os sacerdotes devem falar às almas desta Minha grande e insondável misericórdia. Faço-te dispensadora da Minha misericórdia. Diz ao teu confessor que aquela Imagem deve ser exposta na igreja, e não dentro da clausura desse convento. Por meio dessa Imagem concederei muitas graças às almas; que toda alma tenha, por isso, acesso a ela”.
Em 1999 a Missa votiva da Misericórdia de Deus foi integrada ao Missal Romano, e no dia 30 de abril do ano 2000 o Papa São João Paulo II, instituiu solenemente o segundo domingo da Páscoa como o Domingo da Divina Misericórdia, devendo ser celebrado com vigor perpétuo por toda a Igreja. Neste mesmo dia, o pontífice elevou a bem-aventurada Irmã Faustina aos altares, proclamando-a Santa. São João Paulo II também se fez apóstolo da Misericórdia Divina, reconduzindo a humanidade à contemplação do verdadeiro rosto de Deus, em Cristo, Misericórdia Encarnada. Fez da Devoção à Divina Misericórdia uma das tarefas primordiais do seu pontificado, e curiosamente deixou a vida aos 84 anos, no ano 2005, nas Vésperas do Domingo da Misericórdia, ou seja, no próprio dia Litúrgico do Domingo da Misericórdia.
A Festa da Divina Misericórdia é o elemento mais importante da Devoção à Divina Misericórdia, que inclui também a veneração da imagem de Jesus Misericordioso, a Novena à Divina Misericórdia, a Liturgia das Horas e o Terço, indicadas nas revelações de Nosso Senhor à Santa Faustina. A Festa da Misericórdia é um refúgio e abrigo para todas as almas, especialmente para os pecadores. Nela, os fiéis também podem alcançar a indulgência plenária, ao cumprir as seguintes condições: confissão sacramental com sincero arrependimento dos pecados e propósito de emenda; devota participação na Festa da Misericórdia, recebendo neste dia, com todo amor a Comunhão Eucarística; e rezar a oração do Pai-Nosso e Ave Maria com uma prece na intenção do Santo Padre.
O devoto da Divina Misericórdia, deve ainda, buscar realizar, no cotidiano da vida as seguintes ações: venerar a imagem de Jesus Misericordioso; implorar a Misericórdia Divina para o mundo; divulgar com ardor a mensagem de Jesus Misericordioso e praticar obras de misericórdia em favor do próximo.
Jesus manifestou nas revelações de Santa Faustina o Seu desejo de que todo o mundo conheça a Sua misericórdia. A Festa da Misericórdia é um presente de Deus, ajude a divulgar essa Festa, na sua comunidade, na sua família, para que a Misericórdia Divina alcance o maior número de almas.
Jornal "O São Paulo", edição 3148, 26 de abril a 3 de maio de 2017.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Da ciência econômica e da justiça na reforma da previdência

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Maria Cristina Sanches Amorim é economista, professora titular de Economia e coordenadora do grupo de pesquisa Gestão, Economia e Política da PUC-SP.

A proposta do Poder Executivo para a reforma da previdência é de grande relevância: alterar o regime de seguridade social construído a duras penas ao longo da história do Brasil, reduzindo o direito ao mínimo bem-estar que o Estado até então garantiu. A polêmica sobre o tema está compreensivelmente acirrada. A ciência econômica pode ajudar a compreender o debate.
A ciência econômica não é um amontoado de números que produz leis inexoráveis. Ao contrário, é um conhecimento cuja serventia é ensinar como aumentar o bem-estar e respeito à liberdade das pessoas. Ciência alguma é sinônimo de verdade inquestionável, os cientistas, em quaisquer áreas do conhecimento, têm poucas certezas e muitas, muitas dúvidas. Não é diferente no campo da ciência econômica. Expressões como racionalidade, equilíbrio, eficácia e leis econômicas só têm sentido na perspectiva da justiça social.
A proposta do Poder Executivo para a reforma da previdência pode ser resumida em dificultar o acesso e reduzir o valor do benefício do contribuinte. O governo do Presidente Temer alega que o “remédio amargo” é inevitável, única forma de reduzir o déficit atual e garantir às futuras gerações o recebimento da aposentadoria. Muitas outras vozes já contestaram e continuam contestando a afirmação governamental. Vozes favoráveis e contrárias usam argumentos quantitativos. Compreensível, os números têm curiosa aderência no imaginário popular, quaisquer que sejam, saiam de onde sair as pessoas tendem a acreditar na tolice que “os números não mentem jamais”.
Para além dos números (déficit ou não déficit, menos trabalhadores para mais inativos, etc.) há que se pensar nas consequências da proposta do Executivo para uma parcela vulnerável da população, a maioria dos aposentados, e entre esses, ainda mais vulneráveis, os trabalhadores rurais, as mulheres com dupla ou tripla jornada de trabalho, os brasileiros das regiões mais pobres nas quais a expectativa média de vida é menor.
Que tipo de solução a proposta do Governo Temer encaminha? Qual seu critério de justiça? Se a proposta for aprovada pelo Legislativo, a dificuldade no acesso e a redução do benefício deve provocar maior procura pelos planos de previdência privadas – apenas pelos trabalhadores de maior renda, é claro. Os bancos e suas seguradoras seriam beneficiados pelo aumento de demanda. E os trabalhadores, particularmente os mais pobres e as mulheres, que terão pago o custo do ajuste, o que receberiam em troca do sacrifício? Se não é aos mais vulneráveis, a quem serve, afinal, a “nova” previdência?
Que não se atribua à ciência econômica (a supostos critérios “técnicos” inquestionáveis) a justificativa para a proposta do Executivo de reforma previdenciária – o conhecimento em economia, ao contrário, recomenda a promoção do bem-estar e da justiça sociais. Recursos para reduzir déficit (de magnitude controversa) podem vir de muitas fontes e da redução de outras despesas, como os gastos com os juros que remuneram a dívida pública. Que o Executivo e o Legislativo não se eximam da responsabilidade de escolhas que desconsiderem o princípio de justiça.
Jornal "O São Paulo", edição 3147, 19 a 25 de abril de 2017.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Os males do Brasil vêm de longa data

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte

Marina Massismi é professora titular de História da Psicologia da USP - campus RIbeirão Preto e Ana Lydia Sawaya é professora titular de Fisiologia da UNIFESP - campus São Paulo e é conselheira do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

“Perde-se o Brasil, Senhor, porque alguns ministros de Sua Majestade não vêm cá buscar nosso bem, vêm buscar nossos bens”
As palavras de Pe. Antonio Vieira, ditas ao Vice-Rei Marques de Montalvão, possuem uma impressionante atualidade. Na continuidade, Vieira define a origem do mal que assombra o Brasil: a atitude de “tomar o alheio”. O alheio é o bem comum que não pode ser instrumentalizado em benefício de um único indivíduo. E usa a analogia da medicina do corpo para definir este mal como uma doença que acomete o coração da república e cria aquela desordem do corpo social e político que por um lado leva à impunidade (faltando a justiça punitiva) e por outro à injustiça (faltando a justiça distributiva).
“El-rei manda-os tomar Pernambuco e eles contentam-se com o tomar. Este tomar o alheio é a origem da doença. Toma nesta terra o ministro da justiça? Sim, toma. Toma o ministro da república? Sim, toma. Toma o ministro da fazenda? Sim toma. Toma o ministro do Estado? Sim, toma. E como tantos sintomas lhe sobrevém ao pobre enfermo, e todos acometem à cabeça e ao coração, que são as partes mais vitais, e todos os atrativos e contrativos do dinheiro, que é o nervo dos exércitos e das repúblicas, fica tomado todo o corpo, e tolhido de pés e mãos, sem haver mão esquerda que castigue, nem mão direita que premeie; e faltando a justiça punitiva para expelir os humores nocivos, e a distributiva para alentar e alimentar o sujeito, sangrando-o por outra parte os tributos em todas as veias, milagre é que não tenha expirado. (Bahia, 1641)
Aqui está um diagnóstico de como os males atuais do Brasil remetem a uma raiz longínqua em que as relações de poder e os vínculos sociais e econômicos entre os homens se configuraram numa forma “doentia”. Vieira retrata o estabelecer-se de uma relação predatória entre os homens, e entre os homens e as coisas, relação que se limita a “tomar o alheio” fora de qualquer vivência de interação, conhecimento, afeição. Em síntese: sem labor, sem ação verdadeiramente humana. Diante desta alteridade (significada pelo “alheio”), “eles contentam-se com o tomar”. E, com efeito, num sistema econômico baseado na mão de obra escrava, não poderia surgir uma cultura de amor ao trabalho.
Como bem explica Vieira, a doença não está curada e continua agindo e se espalhando no corpo.... E então, por que maravilhar-se de todo o sistema de corrupção endêmico que a Lava Jato está evidenciando? Pela falta de uma cultura do trabalho, consolidada ao longo de séculos, o Brasil carrega ainda hoje uma ferida profunda que continua sangrando: os fenômenos atuais de corrupção e a pilhagem política (em todos os níveis do funcionalismo), são o sinal grave de sua permanência.
O trabalho é inerente ao ser humano e não uma opção. Quem dispensa o trabalho, perde em humanidade; quem usa o trabalho do outro, omite-se do próprio empenho com o real, da possibilidade de deixar seus traços na história e de criar. O trabalho não é tomar o alheio, mas é cuidar do alheio, ou seja, de uma parte da realidade ao nosso alcance, como quem trabalha em casa cuida para que todos possam ali viver com dignidade.
Por isso, o amor ao próprio trabalho e a posse do significado e do valor daquilo que se realiza com o próprio trabalho, está na base da mudança que o Brasil necessita.
Jornal "O São Paulo", edição 3146, 12 a 18 de abril de 2017.

segunda-feira, 10 de abril de 2017

A relação entre homem e mulher, entre o poder e o dom

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Klaus Brüschke, é membro do movimento dos Focolares, ex-publisher da Editora Cidade Nova, articulista da revista Cidade Nova.

Em pleno século XXI, persistem em nossa sociedade alguns fatos inaceitáveis com relação à situação da mulher: das desigualdades de renda (elas têm remuneração menor que seus colegas homens) e na condução do lar (elas dedicam-se às tarefas domésticas em média 7,5 horas mais do que seus maridos, apesar de terem uma carga de trabalho comparável nos empregos) até a escandalosa violência sobre a mulher, passando pelo acesso desproporcionalmente reduzido aos espaços de decisão no âmbito corporativo e político.
É a partir desses fatos e de sua pertinácia que nasceram as controversas “teorias de gênero”. Cabe esclarecer que há muitas correntes, que vão dos estudos científicos sérios e fundamentados ao mero panfleto ideológico, discutindo a questão do sexo (diferença biológica entre homem e mulher), da sexualidade (vivência do sexo) e do gênero (expressão e adequação entre sexo e sexualidade pela sociedade), Umas sublinham que o gênero é um elemento constitutivo das relações sociais, a partir do qual busca pensar a história e entender as hierarquias sociais e relações de poder. Outras sustentam que a diferença sexual é efeito das relações de poder e dos discursos sobre gênero e sexualidade. Apesar das diferenças, a maioria compartilha uma mesma posição antropológica.
As “teorias de gênero” partem de uma concepção do ser humano visto em sua individualidade. As relações que ele estabelece seriam fundamentalmente relações de poder (de opressor e oprimido). Para se emancipar dessa dominação, seria preciso libertar-se de tais laços, “ser dono do próprio nariz” (e do próprio corpo), e não se submeter ao que dita a sociedade. Esse mesmo indivíduo é visto “fatiado” em suas dimensões biológica, psicológica, social e espiritual, sem que elas se integrem harmonicamente. Outra característica de tais posicionamentos – aliás, de muitos saberes contemporâneos – é cada ciência (filosofia, sociologia, antropologia, psicologia, neurociências, biologia…) seguir isoladamente em suas investigações, sem uma considerar as contribuições das outras.
A discussão sobre esse tema complexo, que acontece na academia e tem reflexos na política e na educação, representa para os cristãos uma oportunidade de contribuírem proficuamente. Penso que possam dar importantes aportes justamente nos pressupostos das citadas correntes. A antropologia iluminada pelo cristianismo vê o ser humano de modo totalmente diverso dessa visão reduzida a relações de poder. O cristianismo vê a pessoa como sujeito livre em sua integridade biopsicossocial e espiritual, e suas relações (consigo mesmo, com Deus, com os outros, com a natureza e com as coisas) como relações de dádiva. Sua identidade é percebida e afirmada justamente enquanto ele se doa. Portanto, a identidade feminina (e masculina), com a consequente assunção de papeis sociais, se dá nessa troca recíproca de dádiva. Além disso, os cristãos podem contribuir num diálogo transdisciplinar, capaz de lançar novas luzes em cada ciência.
O pensamento católico tem páginas sublimes sobre a relação homem-mulher no interior do matrimônio, amiúde desconhecidas dos próprios cristãos. Mas ainda são poucas as reflexões sobre a relação homem-mulher em outras esferas da vida humana (na Igreja, no mundo do trabalho, na política…). É pouco difundido o pensamento de João Paulo II, Chiara Lubich, Edith Stein e outros a respeito…
Em tempos em que a Igreja é chamada a sair ao encontro da sociedade contemporânea, inclusive como um “hospital de campanha”, está aí um desafiador horizonte a se descortinar.
Jornal "O São Paulo", edição 3145, 5 a 11 de abril de 2017.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Campanha da Fraternidade 2017 - Lições mútuas

A Doutrina Social da Igreja na defesa dos biomas brasileiros

VII



Esse é o terceiro ano consecutivo em que a Igreja é chamada, no Brasil, a pensar a questão ambiental. Em 2015, refletimos sobre a encíclica Laudato si’, em 2016 a Campanha da Fraternidade nos convidou a refletir sobre a “Casa comum, nossa responsabilidade” e agora em 2017 sobre “Fraternidade: biomas brasileiros e defesa da vida”. Que lições nos ficaram de todas essas reflexões? Que contribuições podemos levar a nossos irmãos não católicos que também lutam pela defesa do meio ambiente e da vida?
A doutrina social da Igreja ganhou muito com suas reflexões sobre a questão ecológica.
Não há dúvida de que a percepção da justiça intergeneracional e de nossa responsabilidade diante das gerações futuras, ainda que presente na doutrina social, foi muito melhor compreendida a partir das contribuições do pensamento ecológico.
Refletir sobre o necessário cuidado com a criação nos tem ajudado a recuperar dimensões da espiritualidade cristã que muitas vezes haviam se perdido no tempo. Perceber o mundo como um dom e um sinal do amor de Deus para conosco, recuperar o cuidado para com toda a criação são elementos da espiritualidade cristã desde os primeiros séculos, passando por grandes santos, como São Francisco de Assis. Mas são coisas que havíamos perdido, imersos em nossas preocupações e inquietações.
Essa espiritualidade é justamente a grande contribuição que o cristianismo traz aos movimentos ecológicos. Quem convive com esses movimentos sabe que existe neles uma grande busca por espiritualidade e uma compreensão “religiosa” do mundo. Não nos esqueçamos que religião vem do latim religare, que indica a necessidade de religar a pessoa ao Todo, à Divindade – assim como a ecologia trata da ligação que existe entre todos os seres. Num mundo cada vez mais banalizado e superficial, a recuperação da espiritualidade é uma força que reúne ambientalistas e cristãos.
A doutrina social da Igreja também reforça a consciência da profunda ligação que existe entre o meio ambiente e os mais pobres e excluídos na sociedade. Justiça social e conservação dos recursos naturais são indissociáveis na prática.
Num mundo cada vez polarizado e intransigente para com o outro, o Papa Francisco – mas não só ele – salientou a necessidade absoluta do diálogo no enfrentamento dos problemas socioambientais. Diálogo entre sociedade e governo, entre os diferentes grupos sociais, da ciência com a religião e a arte.
A defesa da “casa comum” e dos biomas brasileiros necessita de todos esses elementos, da colaboração solidária entre cristãos e ambientalistas. Nosso encontro com Cristo nos leva a aprofundar nossa experiência de fé e compromisso com o próximo também nesse sentido.
Francisco Borba Ribeiro Neto
Jornal “O São Paulo”, edição 3145, 5 a  11 de abril de 2017

Campanha da Fraternidade 2017 - Para um desenvolvimento humano e sustentado

A Doutrina Social da Igreja na defesa dos biomas brasileiros

VI



Na segunda metade do século XX, tanto a doutrina social da Igreja quanto os movimentos ambientalistas e alguns economistas se procuraram repensar o desenvolvimento, superando o economicismo. Daí nasceu a ideia do desenvolvimento humano integral, na Populorum progressio (PP) de Paulo VI, do desenvolvimento sustentado, entre os movimentos ecológicos, e do desenvolvimento como liberdade, proposto pelo Prêmio Nobel Amartya Sen.
Todas essas propostas se baseiam na percepção de que o desenvolvimento é indispensável à vida humana, mas que deve se orientar para o bem-comum e não para interesses privados: “promover todos os homens e o homem todo” (PP 14). A integralidade é o fio condutor dessa visão de progresso e o Papa Francisco evidencia essa ligação entre desenvolvimento e meio ambiente ao propor, na Laudato si’, uma ecologia integral (LS 137ss).
Ambientalismo e doutrina católica partem da busca de uma sabedoria que torne a vida mais humana, lutando contra as falsas promessas do poder econômico e tecnocientífico (LS 101-114), as pretensões do individualismo e do consumismo (LS 50, 203-210). Essa sabedoria já se manifesta na percepção de que não podemos ser felizes sozinhos, sem olhar para nossos irmãos e para a própria natureza. A solidariedade – e sua expressão máxima, que é a fraternidade – estão presentes nas propostas tanto do desenvolvimento humano integral quanto do desenvolvimento sustentado. Hoje, o Magistério católico compreende que essa solidariedade é intergeneracional (Caritas in veritate, CV 48, LS 159ss) e se estende também a um cuidado com toda a criação, conforme propõe o movimento ecológico (CV 48-52, LS 14). Mas também o movimento ecológico se tornou cada vez mais consciente que a defesa do meio ambiente implica também num compromisso com os mais pobres, que sempre foi prioritário para os cristãos.
E mais: a valorização das comunidades e organizações locais (CV 58, LS 176-181), dos saberes tradicionais (LS 63, 143-146), do Estado a serviço do bem-comum, da colaboração e da ajuda mútua entre todas as nações (CV 53ss, LS 164-175) são pontos em comum entre a doutrina social católica e a maioria das propostas de desenvolvimento sustentado.
São muitos pontos em comum, todos apontando para um trabalho compartilhado e uma busca conjunta por aquilo que realmente dá sentido á vida e preenche o nosso coração.
Francisco Borba Ribeiro Neto
Jornal “O São Paulo”, edição 3144, 29 de março a 4 de abril de 2017

segunda-feira, 3 de abril de 2017

La Civiltà Cattolica

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Francisco Catão, teólogo com doutorado pela Universidade de Estrasburgo (França), foi professor no Instituto Pio XI e na Faculdade São Bento, autor de vários livros, tais como "O que é a Teologia da Libertação", "Em busca do sentido da vida" e "Espiritualidade cristã".

Papa “vindo do fim do mundo”, como ele mesmo o disse, ao ser eleito há quatro anos, Francisco imprime um dinamismo sem precedentes a seu pontificado, sobretudo pelo espírito que comunica aos órgãos mais tradicionais da Igreja. É o que se observa no seu discurso do dia 9 de fevereiro, por ocasião da comemoração do nº 4.000 da revista jesuíta La Civiltà Cattolica.
Fundada há 167 anos, quer ser expressão do pensamento católico em face das grandes questões de seu tempo. Neste sentido, para atualizá-la, o papa Francisco sublinha duas importantes inovações: a publicação da revista, não só em italiano, mas também em inglês, espanhol, francês e coreano, para que seja realmente católica, universal, e a prioridade a ser dada ao Espírito, que deve presidir sua redação.
A pluralidade linguística é fruto do reconhecimento efetivo da diversidade do mundo globalizado. Assim como os católicos deixaram de rezar somente em latim, a comunicação oficiosa do pensamento católico se deve fazer na pluralidade dos universos culturais.
A prioridade dada ao Espírito corresponde à visão renovada da Igreja estabelecida pelo Concílio Vaticano II. A vida católica deve tender a ser, antes de tudo, vida no Espírito que anima o povo cristão.
Na Igreja, o povo cristão é servido pelo ministério e pelo testemunho daqueles que, pelos dons hierárquicos e carismáticos recebidos de Deus, são chamados a sustentá-la em si mesma e no mundo.
Inseridos no mundo, todos os batizados, todo o povo cristão participa das alegrias e das angústias dos homens e mulheres de seu tempo. Nossa presença no mundo, pelo testemunho da vida de fé, de esperança e de amor, em primeiro lugar, com todos os recursos deque dispomos, antecipa o reinado de Deus que motivou a vinda do Filho de Deus e toda a vida de Jesus.
Sob esse ângulo, La Civiltà Cattolica, quer ser expressão da presença católica no mundo. Seus redatores, como autênticos comunicadores da Boa Nova da salvação, devem estar imbuídos do espírito missionário, que comporta, diz o papa, três características fundamentais: inquietação, incompletude e imaginação.
Inquietação enquanto somos chamados a participar das grandes interrogações que, homens de hoje, nos colocamos sobre nós mesmos, os destinos da humanidade e até mesmo do planeta.
Incompletude enquanto demonstramos saber que tudo está nas mãos de Deus e o que fazemos, por mais significativo que seja, é apenas uma pequena parte do todo, que somente o desígnio de Deus completa.
Imaginação, enfim, para discernir com criatividade os caminhos a seguir de fidelidade ao Espírito de Jesus. Orientados pela Palavra, mas sem ficar presos aos ditames do legalismo das interpretações casuístas da lei.
Que a inspiração do papa Francisco nos leve a renovar, no Espírito nossa vida, a vida de nossas comunidades e finalmente, nossa tarefa missionária de comunicadores do Evangelho!
Jornal "O São Paulo", edição 3144, 29 de março a 4 de abril de 2017