terça-feira, 29 de maio de 2018

A Psicologia e os Cuidados Paliativos

Stela Reginato Orozco Lopez. Psicóloga.

“O sofrimento somente é intolerável quando ninguém cuida”.
(Cicely Saunders)."

Ao longo da história, o conceito da morte foi se alterando. Há séculos ela ocorria no âmbito público, familiar e religioso e a expectativa de vida era baixa[1]. Os avanços tecnológicos e científicos tornaram a vida mais longeva, e os profissionais de saúde passaram a manipular recursos sofisticados para evitar padecimentos. A morte, por sua vez, tornou-se hospitalar. E não é raro senti-la como um fracasso, seja da equipe de profissionais envolvidos, seja pela ausência de investimentos suficientes. Há casos em que esse sentimento é exato, mas muitas vezes isso se deve à nossa resistência em aceitar a realidade da morte. Talvez essa resistência seja reforçada pela crença generalizada de que essa passagem é sempre acompanhada de dores e sofrimentos insuportáveis. Entretanto, a literatura e pesquisas apontam que o mais doloroso ao paciente é a experiência da solidão, tantas vezes inerentes ao ambiente hospitalar de terapias intensivas.
E aí entram em jogo os cada vez mais valorizados “cuidados paliativos”, nos quais o psicólogo assume um relevante papel. Se nem sempre é possível curar, sempre é possível cuidar dos pacientes em sua fase terminal.
Desde 2002 a Organização Mundial de Saúde (OMS)[2] define Cuidados Paliativos como uma possibilidade de cuidado integral e amplo das diferentes dimensões humanas[3], fornecido ao paciente e à sua família. Atuam com prevenção e alívio do sofrimento por meios de identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e de outros problemas de ordem física, psicossocial e espiritual. A falta de prognóstico ou de possibilidade de cura para pacientes não inibe que estes não recebam terapêuticas adequadas para seu bem-estar e qualidade de vida até o seu último instante. Esse procedimento é visto como um direito do paciente/família e um dever dos profissionais de saúde, podendo ser oferecidos desde a revelação diagnóstica, em diferenciados públicos.
A possibilidade dessa atuação requer um ambiente apropriado para dar suporte contínuo. E, embora envolva poucos recursos tecnológicos, requer relativamente mais recursos humanos, com equipes de saúde qualificadas. Essas equipes são multiprofissionais, compostas por médico, enfermeiro, assistente social, nutricionista, fisioterapeuta, psicólogo, terapeuta ocupacional, conselheiro espiritual ou capelão[4]. E todos interagem entre si, valorizando-se os diversos conhecimentos e enfoques, que se apoiam mutuamente, reconhecendo-se as competências e as incompetências correlatas, as possibilidades e os limites da própria disciplina e de seus agentes.
Em 2007, a OMS atribuiu ao psicólogo o trabalho de minimizar o sofrimento em relação ao paciente, à família e à equipe de saúde, todos considerados cuidadores. A mesma organização entende e recomenda reafirmar a vida e considerar a morte como um processo normal, sem apressar ou adiar a morte, oferecer alívio à dor e a outros sintomas que causem sofrimento, integrar aspectos psicológicos e espirituais dos cuidados aos pacientes, oferecer apoio para que se viva tão ativamente quanto possível até a morte, oferecer apoio à família no enfrentamento da doença e do luto. Deixando claro que os cuidados paliativos não significam “nada mais será feito” já que sempre há uma terapêutica a ser preconizada para um doente[5] com ações paliativas:

Qualquer medida terapêutica, sem intenção curativa, que visa a diminuir, em ambiente hospitalar ou domiciliar, as repercussões negativas da doença sobre o bem-estar do paciente. É parte integrante da prática do profissional de saúde, independente da doença ou de seu estágio de evolução. (MACIEL, 2008, p.23)[6]
São procedimentos que diminuem os sintomas de desconforto, capazes de evitar o sofrimento e a dor que podem envolver essa situação até o final da vida, indispensáveis ao paciente. É esperado que o psicólogo neste contexto tenha habilidades relacionadas às questões do final da vida, a fim de responder aos desafios encontrados nesse contexto laboral instável, de alto risco de mortalidade, presença de diferentes saberes e intensas demandas familiares. Este profissional atua com o paciente e com os cuidadores, seja a família ou a equipe de saúde, com escuta ativa; boa comunicação; conhecimento técnico dos quadros clínicos e criatividade para aprimorar estratégias de enfrentamentos, condizentes com essa realidade de adaptação, de perdas e de lidar com o luto. Cabe a ele lidar com as diferenças de crenças, valores e conhecimentos que o permeiam tanto pela família, quanto os membros da equipe; atuando assim como ponte entre os diferentes membros envolvidos.
Tão difícil se faz, em tempos modernos, cuidar da sobrevivência da esperança ou lidar com a frustração da impotência frente a morte, que passou do meio público e familiar para o ambiente hospitalar. Diante desse quadro surge a necessidade de retomar a função do cuidar. Em meados do século XX, volta-se a questionar o cuidar, para os profissionais de saúde, para além do curar. É nesse contexto que a função do psicólogo se tornou fundamental para o acolhimento, a humanização, troca de saberes e oferecendo suporte necessário para este momento.



[1]  Braga (2013), Kovács (2006) e Kovásc (2008).
[2] Braga (2013).
[3]  Franco (2008).
[4] Melo e outros (2013).
[5] Braga ( 2013).
[6]  Maciel (p.23, 2008).

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