segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Compartilharmos nossas esperanças mais do que a nossa indignação




Marcos Gregório Borges é filósofo e um dos fundadores do grupo Coração Novo para um Mundo Novo dedicado ao trabalho integrado entre movimentos e novas comunidades na perspectiva de uma maior presença cristã na vida pública. Participa como colaborador nas atividades do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

O Brasil vive uma gravíssima crise política, com um dos maiores escândalos de corrupção de nossa história. O país atravessa uma recessão econômica, tendo que suportar um duro ajuste fiscal. Entretanto, talvez nos cause maior perplexidade vermos o governo e o congresso nacional, diante deste difícil cenário, travarem uma terrível queda de braço por poder, onde interesses pessoais se sobrepõem ao bem comum.
Diante desta situação, nos sentimos indignados, queremos fazer alguma coisa, desejamos que algo aconteça, que justiça seja feita. Assaltam-nos perguntas do tipo: O que temos que fazer? O impeachment é a solução? E a reforma política? Precisamos de novas lideranças, mas onde elas estão? Afinal de contas, qual é o meu papel em tudo isso? Eu posso fazer alguma coisa? E o que eu fizer, vai resolver alguma coisa?
As manifestações contra o governo, no domingo, 16 de agosto, mesmo que não tenham sido tão grandes como as de 15 de março, foram um sinal claro de insatisfação popular. Mas esta insatisfação já se tornou evidente nas pesquisas de opinião pública, nas conversas informais ou nas análises políticas.
 Podemos dizer que as pessoas vivem um momento em que compartilham sua indignação, que se manifesta das formas mais diversas. Mas a indignação por si mesma não é capaz de construir nada. Quando levada ao extremo, ela pode gerar a desesperança à medida que ela nos faz acreditar que não há uma luz no fim do túnel.
O Papa Bento XVI, na Spe salvi, nota que a esperança não é um olhar ilusório sobre o futuro, mas o reconhecimento de algo já presente e que tende a crescer. Ela nasce de experiências humanas concretas que são construtoras de humanidade, que renovam em nós a alegria de sermos humanos. Uma mãe, que em meio a uma situação social desfavorável é capaz de educar e criar o seu filho com todo carinho e amor, dando a ele a esperança de um futuro melhor, um profissional, que realiza o seu trabalho da melhor maneira possível porque sabe que existe outra pessoa que necessita do fruto do seu trabalho, um militante que se esforça para servir ao bem comum.
Quando vivemos e compartilhamos estas experiências, por mais simples que sejam, percebemos que a vida vale a pena e encontramos o sentido da caminhada. Estas pequenas experiências precisam, sem dúvida, de encontrar formas políticas de se expressarem, mas são fundamentais para que não nos percamos em jogos de poder e discursos ideológicos que não constroem a novidade que prometem.
Neste tempo somos convidados a compartilhar a nossa esperança, permitindo que ela nos vincule uns aos outros à medida que reconhecermos a humanidade na experiência do outro, construindo uma unidade em torno de uma mesma esperança compartilhada. Desta experiência surge naturalmente um anseio comum por participação na construção de algo novo, e é neste momento que as verdadeiras mudanças podem acontecer.  Não se trata de, ingenuamente, negar as dificuldades da realidade, mas de perceber na vida compartilhada os sinais que nos indicam por onde sair da crise. A força do povo não pode nascer de discursos ideológicos, que mais cedo ou mais tarde se mostram ilusórios, mas da partilha dos gestos concretos de construção de uma nova realidade. Por isso, compartilhemos as nossas esperanças mais do que a nossa indignação.
Jornal "O São Paulo", edição 3066, de 27 de agosto a 02 de setembro de 2015.


segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Educação, Inovação e realização pessoal

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Marcelo Barroso é doutor em Engenharia Hidráulica e Saneamento pela USP, coordenador do curso de Engenharia de Inovação do ISITEC/SP e  membro da comunidade Totus Mariae.

Anualmente realiza-se o Campus Party Brasil, intitulado o melhor acontecimento de tecnologia, inovação, empreendedorismo, cultura e entretenimento digital do Brasil e América Latina. Milhares de jovens literalmente acampam ali por dias. Mas em busca do quê? Em última instância, de suas realizações, de felicidade e beleza. Um espaço de encontro de experiências envolvendo jovens, educação, cultura e inovação. Durante a realização da última edição desse evento, foi interessante perceber a atração e encantamento que causavam alguns “gurus”, jovens expoentes empreendedores e inovadores desse circuito. Suas palestras causavam frisson, principalmente quando se reportavam ao sentido e utilidade do que fazem, com a aprendizagem e a aplicação das tecnologias desenvolvidas por eles mesmos. Suas falas – como “seu esforço, seu arroz e feijão vira um código ou programa...”, “tudo o que você sabe é útil para outra pessoa, para alguém” – levava ao delírio o público jovem. A própria relação com o conhecimento – “não sou eu que tenho que aprender uma linguagem de programação, mas eu preciso ensinar o meu computador a fazer alguma coisa que vai servir para alguém” – causava um brilho nos olhos da grande maioria dos jovens. Tais ideias ainda que postas como formulas e estratégias para inovar, criar produtos que tenham demanda ou clientes em potencial e possibilidade de realização material, deixavam transparecer o anseio de realização daqueles jovens, motivados de tal maneira a se superarem continuamente, em longas madrugadas, regadas a sanduíches e Coca-Cola.
Nessa experiência evidencia-se o anseio pelo sentido das “coisas”, da vida, de dar sentido ao que fazemos, ainda mais quando isto vai ao atendimento do outro. Por outro lado, mostra uma inquietação, uma esperança num mundo melhor que parece mover uma boa parte dessa juventude inovadora e transformadora da realidade. Nesse sentido podemos avistar a educação como um caminho favorável para a realização da pessoa.
Nesse momento, em que é cada vez mais presente e exigido o desenvolvimento de uma educação voltada para a inovação, os esforços para o desenvolvimento de modelos pedagógicos ou métodos inovadores, na sua grande maioria, se baseiam na melhor compreensão da realidade, observando-a para depois procurar a solução dos problemas. Segundo o pensador e educador católico Luigi Giussani, “quando eu consigo ter uma postura original, uma resposta original diante de uma realidade que se apresenta, consigo ter uma resposta nova, original“. Por isso, descobrir o sentido do “que estou vivendo” pode torna mais natural a inovação, como uma postura diante da vida. Em salas de aula, esta percepção da educação, não só colabora para a realização pessoal do estudante, mas também favorece a produtividade e a eficiência de aprendizagem, uma vez que proporciona a calma necessária para observar, contemplar a realidade e buscar a melhor solução para os problemas.
As palavras do Papa Francisco num recente encontro com educadores do mundo inteiro: “não frustrem as aspirações profundas dos jovens: a necessidade de vida, abertura, alegria, liberdade, futuro; o desejo de colaborar na construção de um mundo mais justo e fraterno, no desenvolvimento para todos os povos, na tutela da natureza e dos ambientes de vida”. Também vem reforçar e indicar como estabelecer um adequado diálogo entre a juventude, seus anseios e a relação com a educação e inovação, tão necessárias e exigidas em nosso tempo.
Jornal "O São Paulo", edição 3065, de 19 a 25 de agosto de 2015.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Evangelizar é preciso

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Padre Reginaldo Manzotti é coordenador da Associação Evangelizar é Preciso e pároco reitor do Santuário Nossa Senhora de Guadalupe, em Curitiba (PR). Apresenta diariamente programas de rádio e TV.

Evangelizar é preciso porque este foi o mandato de Nosso Senhor Jesus Cristo, que disse: “Ide por todo mundo pregai o Evangelho a toda a criatura” (Mc 16, 15). São João Paulo II fez ecoar essas palavras de Jesus, quando disse que muitos são batizados, mas pouquíssimos são evangelizados. Evangelizar é preciso em sintonia com a Igreja do Brasil e seu Projeto: “Queremos ver Jesus, caminho, verdade e vida”.
Nunca o nome de Jesus foi tão falado e propagado, mas, infelizmente, como um “fast food espiritual” que resolve o problema de todos principalmente daqueles que arrecadam no uso de Seu nome. A única forma de lutar contra todas essas leviandades de uma fé banalizada é levar as pessoas a uma experiência profunda com Jesus, resgatando-as para Ele.
A própria Igreja no Brasil, nos lança os desafios quando pede uma evangelização que atinja a pessoa, a comunidade e a sociedade. Desafio que se torna maior ainda quando nos questionamos se evangelizar, segundo as palavras de Jesus, “Eu vos farei pescadores de homens”, significa pescar num aquário ou reduzir nossa evangelização a sermões dados e bem preparados àqueles que frequentam a Igreja.  A Igreja nos desafia a evangelizar e a trazer de volta o católico “de ocasião”, aquele que só vem para batizados, missa de sétimo dia ou quando o desgosto da vida faz com que a pessoa busque a Igreja como um “supermercado de graças”.
O desafio da evangelização se faz maior quando somos chamados a “lançar redes em águas mais profundas”, para resgatar os jovens que, cada vez mais, estão distantes da Igreja e dos quais exigimos, quando nela estão, que se comportem como adultos e pessoas da terceira idade.
Faz-se necessário lembrar que os protagonistas da evangelização deste milênio não são, necessariamente, os sacerdotes, mas os leigos chamados a evangelizar pelo testemunho da vida, pelas obras e pela fé.
Deus não é um “supermercado de graças” e não precisamos querer arrancar algo D’Ele.
Se evangelizar é uma urgência e se somos evangelizadores, então como evangelizar? Para nós que somos evangelizadores, evangelizar é acolher cada pessoa que chega e que se sente deslocada. Evangelizar é acolher aqueles que tropeçam no decorrer de sua vida e se desviaram da graça. Evangelizar é estender o braço para aquele que está caído. Evangelizar é oferecer uma nova chance para aquele que quer se redimir. Evangelizar é acolher e trazer de volta a ovelha machucada e desgarrada que já sofreu muito no mundo e levou pancada demais, de outros e falsos pastores. Evangelizar é falar o que Jesus disse, fazer o que Jesus fez. Evangelizar é encurtar distâncias, é ser ponte onde há inimizades, é saber criar situações onde o bem comum fale mais alto e a justiça de Deus aconteça.
A humanidade está faminta de Deus e não é justo que deixemos que eles vivam de migalhas. Não podemos nos esquecer dos ensinamentos da multiplicação dos pães. A humanidade está sedenta de água viva e se envenena com a água contaminada do medo, da violência e da insegurança. Não é justo guardarmos as talhas para nós e deixarmos que a água pura e cristalina jorre somente entre os átrios de nossas Igrejas.
Creio numa evangelização feita com arte, como uma grande sinfonia, onde no todo há harmonia e cada instrumento é importante e singular.
Evangelizar é preciso porque é na Palavra de Cristo que encontraremos as ferramentas necessárias para despertar consciências adormecidas e relaxadas, que semeiam valores contrários à família, à fidelidade ao respeito e ao amor.
Jornal "O São Paulo", edição 3064, de 12 a 18 de agosto de 2015.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

A desconhecida e valiosíssima importância da Igreja Católica

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Gilberto Haddad Jabur é professor em Direito Civil na PUC-SP, membro da União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP) e presidente da Cátedra da Família, associada à Faculdade de Direito da PUC-SP.

A importância da Igreja Católica na história da humanidade é inexcedível. É pena que muitos não se interessem por ela, senão por garimpar desvios humanos daqueles que a serviram e servem, confundindo sua incorruptível origem e santidade com a natural falibilidade humana. A notícia de um sacerdote acusado de pedofilia, cuja evidente gravidade não se discute, é divulgada com destaque e, com frequência, habilmente acompanhada de outras tantas acusações à Igreja. Mas não há interesse dos mesmos comunicadores sociais, tampouco no ambiente universitário, de se veicular a comprovada informação histórica de que a Igreja resgatou a dignidade das crianças (ao banir o costumeiro infanticídio instituído entre gregos e romanos), dos idosos (ao impedir que os mais frágeis e não mais produtivos fossem descartados em abismos e montanhas) e — para citar apenas três exemplos da antiguidade — das mulheres (tomadas como instrumento de prazer).
A Igreja fez muito mais em favor da civilização ocidental do que trazer luzes à arte, à música e à arquitetura. Sua contribuição para o reconhecimento da dignidade da pessoa humana foi fundamental e aconteceu desde suas origens.
Com a instituição do catolicismo como religião oficial do império romano do ocidente, no final do séc. IV, aboliu-se o cada um por si e Deus por todos. A justiça social, o repúdio às injustiças e a responsabilidade coletiva se instalaram como amor ao próximo, documentado pelas práticas de caridade espalhadas pelo império romano após sua cristianização. Abriram-se escolas, asilos, orfanatos, hospitais, manicômios e leprosários.  Resgatou-se a dignidade da mulher, considerada na antiguidade como reprodutora ou objeto de prazer.  A moral sexual, antes perversa e sadista, foi restaurada. A traição do marido também caracterizava adultério para Igreja, ao contrário do que o mundo antigo estabelecida, apenas em prejuízo da mulher. A proibição ao divórcio passou a conferir grande proteção às mulheres.
A vida humana valia pouco antes do cristianismo chegar à Roma. O banimento de jogos brutais e mortais, a que Sêneca chamava de “neurose coletiva”, em teatros e arenas, onde se propagavam o gosto pelo sangue e pela ociosidade, também foi obra da Igreja. São Telêmaco, monge, chegou a invadir um anfiteatro romano para separar dois gladiadores e foi morto pela multidão. Teria sido a última luta entre gladiadores em uma arena romana. Tudo isso não ocorreu da noite para o dia, mas ao longo de quase dois séculos. Com o fim do paganismo, no final do séc. IV, muitos bispos chegaram a substituir os funcionários imperiais, dadas sua capacidade e virtudes reconhecidas pela população.
Nas palavras do historiador Thomas E. Woods Jr.: “A Igreja Católica configurou a civilização em que vivemos e o nosso perfil humano de muitas maneiras além das que costumamos ter presentes. Por isso, insistimos em que ela foi a construtora indispensável da civilização ocidental. Não só trabalhou para reverter aspectos moralmente repugnantes do mundo antigo – como o infanticídio e os combates de gladiadores -, mas restaurou e promoveu a civilização depois da queda de Roma.”
Que a verdadeira história da humanidade possa ser levada aos estudantes livre de juízos apriorísticos e ideias preconcebidas, mirando o autêntico conhecimento do qual tanto carece nossa valiosa e promissora juventude.
Jornal "O São Paulo", edição 3063, de 05 a 11 de agosto de 2015.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Laudato Si' - Primeiras impressões


Francisco Catão (teólogo, foi professor no Instituto Pio XI e na Faculdade de São Bento, autor de vários livros, tais como "O que é Teologia da Libertação", "Em busca do sentido da vida", "Catecismo e catequese"), Francisco Borba Ribeiro Neto (biólogo e sociólogo, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP, foi professor de Ecologia da PUC-Campinas, pesquisando as relações entre sociedade e meio ambiente) e Rubens Ricupero (diplomata e diretor da FAAP, foi Ministro do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, Secretário-Geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio de Desenvolvimento (UNCTAD) e Subsecretário Geral da ONU) se reúnem para apresentar as primeiras impressões sobre a Encíclica Ecológica do Papa Francisco "Laudato Si". Evento realizado dia 19 de junho de 2015, em São Paulo, no auditório da Livraria Paulinas.

Assista aos vídeos:


Francisco Catão


Francisco Borba

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Cristãos no Oriente Médio, a esperança em nossas mãos

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte

Padre Evaristo Debiasi é Assistente Eclesiástico da Ajuda à Igreja que Sofre no Brasil.

O que aconteceu no dia 6 de agosto de 2014? Talvez o leitor tenha dificuldade de se lembrar. Neste dia, cerca de cem mil cristãos fugiram do norte do Iraque, da planície de Nínive. De pertences apenas podiam levar as roupas do corpo. O motivo da fuga? Muito simples: eram cristãos e o grupo terrorista autodenominado Estado Islâmico os queriam mortos.
Fisicamente os brasileiros estão longe deles, longe demais para oferecer abrigo, comida ou conforto, mas não tão longe para fazer aquilo que é próprio do cristianismo, rezar.
A Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre promove no dia 6 de agosto o Dia Internacional de Oração pelos Cristãos no Oriente Médio. Aqui no Brasil, as mais de 10 mil paróquias foram convidadas a participarem deste dia e, na Catedral da Sé, o Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer celebrará a Missa, com uma introdução a este tema tão delicado, que iniciará às 16h30.
A Ajuda à Igreja que Sofre, embora seja uma obra que auxilia projetos pastorais com ajuda material, tem a oração como um de seus pilares principais e, após meses ajudando constantemente o Oriente Médio com a construção de escolas, casas temporárias para mais de mil refugiados e até mesmo brinquedos para as crianças no Natal passado, entende que a oração ainda é o instrumento mais poderoso.
Os terroristas têm usado imagens para gerar pânico no mundo todo, espalhando vídeos difíceis de serem aceitos pelo teor da barbárie e, no meio de tanta violência gratuita nesses vídeos, vemos também os heróis da fé que rezam serenamente enquanto são assassinados, nos lembrando o testemunho dos primeiros mártires.
Essas imagens que causam horror também lembram que Cristo ao ser crucificado tomou a cruz, o maior símbolo de vergonha de sua época, e a transformou em um símbolo de vitória. Depois dele, após entender os planos de Deus, os discípulos não tinham mais medo de serem crucificados, pelo contrário, se sentiam honrados, mas só depois de verem o Cristo Ressuscitado. Dom Yousif Mirkis, arcebispo de Kirkuk, acredita que “os nossos cristãos iraquianos são melhores do que os apóstolos. Porque quando Jesus foi crucificado os apóstolos fugiram. E o seu chefe, São Pedro, negou Jesus”.
Muito provavelmente mais uma vez na história os perseguidores dos cristãos estão ajudando a registrar a história dos próximos santos. Tertuliano Langa, um sacerdote da Igreja Greco-Católica da Romênia, que ficou preso por 15 anos sofrendo torturas indizíveis apenas por ser amigo dos bispos, ao falar de seu período na prisão comentou que “o diabo estava lá, mas foi derrotado, mordendo os dedos à medida que percebia a forma como se aprofundava cada vez mais o nosso amor por Jesus. Por isso, se o diabo pretendia fazer-nos sofrer, na verdade, acabou por prestar um grande serviço tanto a nós como ao plano de santificação traçado por Deus”.
Esse é o poder do cristianismo, onde seus perseguidores veem trevas, os cristãos enxergam a luz. Por isso, o dia de oração é tão importante, para que os irmãos do Oriente Médio saibam que eles já são vitoriosos.
No próximo dia 6 de agosto então, como diz uma das frases lema da campanha, “a esperança está em suas mãos”, não tanto no bem material que suas mãos podem fazer, mas sobretudo quando uma mão se une a outra e pede ao Pai que está nos céus, a paz para estes irmãos na fé acontecerá. Nenhuma força é mais transformadora do que a oração.
Jornal "O São Paulo", edição 3062, de 29 de julho a 04 de agosto de 2015.

Francisco, a Igreja e a mídia

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Rodrigo Araújo Ferreira é economista e professor universitário. Participa do grupo Coração Novo para um Mundo Novo, dedicado ao trabalho integrado entre movimentos e novas comunidades na perspectiva de uma maior presença cristã na vida pública.

 Quem lê na imprensa os comentários à atuação do Papa Francisco, como por ocasião da publicação da Laudato si’ ou de sua recente viagem pela América do Sul, encontra em muitos casos uma posição curiosa: “Falemos bem do Papa e mal da Igreja”. Críticos tradicionais da Igreja elogiam o Papa como se ele fosse um ponto totalmente fora da curva, como se dissessem: ESTE papa é bom, mas o resto da Igreja continua sem merecer consideração.
É difícil falar do catolicismo, porque é falar de nossa infância, de nossos pais, de nossa história. Mesmo na sociedade brasileira, já bastante secularizada, diversos temas – como as demandas da comunidade LGBTI, a educação dos jovens ou os problemas de segurança pública – remetem, ainda que por oposição, ao Catolicismo. E a força com que parcelas da sociedade tentam se afastar do catolicismo reafirma paradoxalmente o quão fundamental ele é na formação e na visão de mundo dos brasileiros, o quanto nos influenciou e o quanto está impregnado em nós.
Se cada um deseja ou não seguir esta fé é uma outra questão, mas interessa a toda a sociedade civil que o debate seja feito com honestidade. Pois, sejamos católicos ou não, o catolicismo é um dos fundamentos, talvez o principal, da formação do povo brasileiro. Compreender o Catolicismo de forma clara, sem reducionismos ou preconceitos, é compreender grande parte da própria gênese do nosso povo, de nossa cultura, é parte importante do conhecimento sobre nós mesmos.
A mídia pouco fala nisso, mas um grande número de pessoas se converteu ao Catolicismo nas últimas décadas. Podem ser não católicos que se batizaram ou, mais frequentemente, batizados que descobriram sua fé. Aos poucos vão descobrindo a beleza e a riqueza humana e cultural da mensagem cristã. Descobrem que se houve conflitos com Galileu, o Padre Lamaître no início do século XX foi o precursor da Teoria do Big Bang, que Mendel, pai da genética era um monge, que a geologia teve importantes contribuições do Padre Nicolau Steno. Vão descobrindo catedrais e obras de arte feitas há séculos que as grandes multinacionais de hoje, mesmo com mais recursos e tecnologia, não conseguem imitar. Descobrem que no período colonial os missionários, tão acusados hoje em dia por sua atuação junto aos índios, foram seus grandes defensores, enquanto governos e pensadores “laicos” permitiam e justificavam sua escravização e a expropriação de suas terras. Descobrem que a Igreja vai muito além da tríade do mau, inquisição-cruzadas-venda de indulgências, repetida ad nauseam no ensino médio e, não raro, de forma rasa e descontextualizada.
Não conhecendo a doutrina e a história do povo cristão em sua riqueza e sua humanidade, o mundo de hoje confunde os erros de alguns cristãos com os valores que iluminaram e humanizaram nossa sociedade. Como se a culpa do mensalão fosse dos valores democráticos e todos os que militam pela democracia fossem culpados pela corrupção. Papa Francisco não é uma estrela solitária em um céu escuro e sem brilho. É o fruto providencial de uma história tanto de mártires heroicos quanto de santos do cotidiano. Ele é um cristão que “segue a Igreja”, como ele mesmo disse aos jornalistas no voo de retorno da América do Sul.
Papa Francisco é o líder mundial mais respeitado da atualidade. Mas não há Papa Francisco sem toda a Igreja Católica, com toda a sua santidade e todos os pecado de seus filhos.
Jornal "O São Paulo", edição 3061, de 22 a 28 de julho de 2015.

No caos grego, é preciso justiça e solidariedade

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Antonio Carlos Alves dos Santos é professor titular de Economia na Faculdade da PUC-SP e conselheiro do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

O plebiscito de 5 de julho, foi mais um capítulo na longa e emocionante novela em que se transformou a relação entre a Grécia e a chamada troica: Banco Central Europeu (ECB), Fundo Monetário Internacional e Comissão Europeia. A vitória esmagadora do não à última proposta de socorro apresentada pela troica foi uma surpresa para a maioria dos políticos europeus e os coloca em mares nunca navegados.
A situação delicada em que se encontra a economia grega é o resultado da irresponsabilidade da sua elite política que sempre gastou mais do que arrecadava e chegou ao desplante de forjar os dados sobre a sua real situação fiscal. O mercado sabia que as estatísticas oficiais gregas não eram um primor, mas nem por isto os bancos europeus, principalmente alemães e franceses, deixaram de emprestar à Grécia. Quando o governo grego, expos a real situação das finanças públicas do país, esses bancos ficaram em situação de fragilidade e, caso a Grécia der o calote, os contribuintes alemães e franceses é que pagarão a conta.
A elite política grega foi, sem dúvida alguma, irresponsável e a ela cabe a maior parcela da culpa pelo desastre grego, mas os seus credores, particularmente estes bancos, também tem culpa no cartório. Ambos, no entanto, saíram ilesos e repassaram a conta para a população de baixa renda grega, em uma manobra que entra para a longa lista da conhecida prática de lucros privados e prejuízos socializados.
O primeiro socorro à Grécia foi, na verdade, um socorro aos bancos franceses e alemães. O governo grego recebeu recursos financeiros para honrar as dívidas que tinha com esses bancos e permitir que eles ganhassem tempo para reduzir a sua exposição no mercado financeiro grego. Os ricos países do norte europeu, aproveitaram a oportunidade para obrigar o governo grego a implementar reformas estruturais importantes como privatizações, mudanças na aposentadoria, redução do número de funcionários. Em outras palavras, em troca dos recursos necessários para salvar os bancos, a população grega foi obrigada a aceitar uma dose cavalar de medidas de austeridade que resultaram em queda brutal do produto interno bruto (PIB), aumento do desemprego e da pobreza.
O segundo socorro insistiu em medidas de austeridade, sem oferecer nenhuma contrapartida que beneficiaria a maioria da população. Criou o ambiente propicio ao fortalecimento político de partidos com posições extremas à direita e à esquerda. A vitória eleitoral do Syriza ocorreu justamente, em um momento em que, pela primeira vez, em anos, a Grécia estava arrecadando mais do que gastava. Isto, apesar do governo não ter implementado várias medidas de reformas estruturais demandadas pela troica. É preciso reconhecer que tais medidas eram e são necessárias para tornar a economia grega mais eficiente e competitiva.
O Governo liderado pelo Syriza, infelizmente, optou pelo caminho mais fácil de reversão de políticas que haviam permitido o aumento na arrecadação fiscal e que, com as devidas correções, poderiam colocar a Grécia no caminho do crescimento sustentável com justiça social. Ele acertou, no entanto, em demandar a redução na dívida grega com os credores, assim como na sua reestruturação.
A forte oposição liderada pela Alemanha à redução e reestruturação da dívida grega é um comportamento triste, exemplo de memória seletiva: esquece que mais da metade da sua dívida foi perdoada em 1953. Essa medida e os recursos do Plano Marshall criaram as condições necessárias para o famoso milagre econômico alemão.
Jornal "O São Paulo", edição 3060, de 15 a 21 de julho de 2015.

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O problema não é a televisão

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Dalcides Biscalquin é mestre em Comunicação, licenciado em Filosofia e bacharel em Teologia, foi gerente de marketing da TV Cultura e diretor-presidente da Editora Salesiana. Apresenta diariamente o programa "Tribuna Independente" na Rede Vida de Televisão.

 Os apocalípticos anunciam o entardecer da televisão. Segundo eles, estaríamos prestes a mergulhar num universo tecnológico fundado em novas mídias. Por outro lado, há os que sustentam que o universo televisivo ainda está em expansão e terá vida longa.
De qualquer forma, a certeza que parece indiscutível é que o imaginário humano continuará buscando caminhos e modalidades para reencantar sua visão de mundo. E aqui encontra-se o fascínio da era da imagem. Num mundo marcado pela opressão, pela violência, pela insegurança econômica, pela solidão urbana, pelo abandono de valores, o espetáculo da imagem parece ter o seu papel muito bem definido.
A ele compete assumir o lado das massas, inclusive para garantir os bons índices de audiência. Embora esteja a serviço de interesses díspares, a televisão brasileira encontra seu ponto unificador ao resgatar a possibilidade do sonho, ao se fazer presente onde a carência humana grita silenciosamente. Ela invade os espaços deixados por uma escola que não conscientiza, por uma família que não dialoga, por uma política que não inspira credibilidade.
Não são poucos os que depositam a confiança de justiça nesse nosso país às investigações paralelas protagonizadas por determinados veículos de comunicação. Não são desprezíveis os números que mostram que a população brasileira tem acesso à informação quase que exclusivamente pelos noticiários televisivos. O problema é que, nesse universo, quase tudo é transformado em show. Basta ver que algumas emissoras se especializam na exploração da violência.
Por que o interesse do público nesse tipo de programação? Talvez por levar o telespectador, mesmo que por um tempo curto, a deixar a escala pessoal do sofrimento e a ter um pseudoconforto no encontro da dor coletiva ou da dor alheia. Tudo tende a se transformar em espetáculo. As críticas à situação econômica, aos órgãos governamentais, as denúncias de corrupção, tudo vem imerso numa pluralidade de assuntos amenos e entremeados por comerciais encantadores. Basta ver o sucesso das telenovelas.
Um povo que não tem acesso aos livros encontra de alguma forma quem lhe conte histórias. Tudo muito previsível e comum. Nada que exija muito esforço intelectual. E a busca do final feliz parece ser sempre uma exigência categórica. Parece uma compensação imaginária diante do descompasso do mundo real.
No entanto, não consigo ver a televisão ou a sua pobre programação como a grande vilã social. Culpar a televisão pela destruição das instâncias pedagógicas e educativas, pela demolição dos valores morais, pelo aumento da violência, no meu ponto de vista, é errar o alvo. É atacar o problema na sua exterioridade e desconhecer as causas mais profundas. Mais do que brigar com a indústria do imaginário é preciso brigar com a realidade.
O problema não é a ficção, mas o cotidiano, a estrutura social, a falta de perspectivas. A televisão não é o problema, é apenas a ponta do iceberg. Portanto, banir a televisão ou seus programas considerados nocivos e deixar as estruturas geradoras de atrocidades intactas é, no mínimo, ingenuidade.
Jornal "O São Paulo", edição 3059, de 08 a 14 de julho de 2015.

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