segunda-feira, 27 de março de 2017

Liturgia da Igreja e a exuberante natureza.

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
José Ulisses Leva é padre secular, doutor em História Eclesiástica pela Pontifícia Universidade Gregoriana e professor da Faculdade de Teologia da PUC-SP.

A belíssima mistagogia da nossa Igreja é alicerçada sobre as Verdades dos Mistérios da Encarnação e da Ressurreição. Do nascer ao acaso da vida somos presenteados pela narrativa do nascimento do Verbo de Deus e Sua gloriosa Páscoa, que nos remete à eternidade.
A natureza se manifesta exuberante no período. A Campanha da Fraternidade deste ano nos lembra que devemos “Cultivar e guardar a criação” (Gn 2, 15). A criação é obra maravilhosa do Altíssimo e Onipotente Deus. “Deus, nosso Pai e Senhor, nós vos louvamos e bendizemos por vossa infinita bondade. Criastes o universo com sabedoria e o entregastes em nossas frágeis mãos pra que dele cuidemos com carinho e amor” (Oração da C/F 2017). A Quaresma nos lembra o itinerário dos últimos momentos na Terra de Cristo Jesus e marca, profundamente, o caminho da sua Paixão, Morte e Ressurreição. Recorda-nos, também, sobretudo como Igreja no Brasil, que devemos cuidar e amar a belíssima obra do Criador.
As pessoas que habitam no Hemisfério Norte podem meditar profusamente o período quaresmal. Elas vivem o momento litúrgico entre as Estações inverno/primavera. A Páscoa Cristã nos indica a passagem entre o rigoroso inverno, sem vida, para a entrada da estação das flores e o sentido da vida que nasce resplandecente.
Vivendo no Hemisfério Sul, entre as Estações verão/outono, somos agraciados pela natureza, quando as quaresmeiras se apresentam radiantes, combinando com o paramento roxo da Igreja. Somos convidados ao jejum, à oração e à esmola, como nos recorda a Palavra de Deus na celebração da Quarta-feira de Cinzas. Saindo das Paróquias e Capelas somos lembrados pela natureza, que nos ajuda a refletirmos sobre o período litúrgico atual.
Apreciando a natureza, especialmente a Mata Atlântica, que cobre boa parte do Estado de São Paulo, como homens e mulheres, crentes ou não crentes, percebemos Deus nos falando na explosão das cores e cercando-nos de carinho na majestosa criação. Como cristãos, ligamos a ação litúrgica da Igreja com o colorido das árvores, especialmente quaresmeiras e manacás. Quantos que não professam a Fé em Cristo Jesus também podem observar algo diferente nas cores emanadas das árvores, mormente na tonalidade roxa, que enfeita nossas praças, parques e avenidas.
A celebração da Quarta-feira de Cinzas lembrou-nos da nossa efêmera vida, sem a proteção e o carinho de Deus. Por isso recordou-nos: “Completou-se o tempo, e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1, 15).
Lemos, no Livro do Gênesis, que somos feitos do barro e necessitamos do sopro divino para existirmos: “O Senhor Deus formou o homem do pó da terra, soprou-lhe nas narinas o sopro da vida e o homem tornou-se um ser vivente” (Gn 2, 7). O barro é apenas barro. Deus criou-nos do pó da terra com o sopro divino. Somos seres viventes em Deus.
O oleiro trabalha o barro, prepara a sua obra de arte, e a entrega inanimada, enquanto Deus infla o sopro divino nas nossas narinas e nós ganhamos a possibilidade de viver consciente e plenamente. 
Deus estabeleceu a relação de amor entre Ele e nós. Soprou em nossas narinas o alento da vida para que respirássemos e cuidássemos uns dos outros e de toda a Casa comum. Em tempos como o nosso, como cristãos, somos chamados a viver e celebrar o tempo litúrgico da Quaresma, que nos prepara para a belíssima Celebração da Páscoa. Tempo favorável, também, para lembrarmos e cuidarmos de toda a obra da criação. Enquanto cuidamos da Terra, honramos a Deus, respeitamos os outros e passamos a amar a nós mesmos, porque valorizamos e somos valorizados.   
Jornal "O São Paulo", edição 3143, 22 a 28 de março de 2017.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Campanha da Fraternidade 2017 - Subsidiariedade e diálogo na defesa do meio ambiente

A Doutrina Social da Igreja na defesa dos biomas brasileiros

V



Veja no final do texto as leituras sugeridas para aprofundamento

O princípio da subsidiariedade vem doutrina social da Igreja, mas está presente na organização política de muitos países. Estabelece que o Estado deve apoiar e dar condições para o pleno desenvolvimento das pessoas, mas sem querer dirigi-las ou tutelá-las, resguardando seu protagonismo, suas organizações e sua visão de mundo. Defende um Estado social, voltado ao bem-comum, que não é centralizador, autoritário ou assistencialista. Bento XVI, na Caritas in veritate, considera que solidariedade e subsidiariedade devem estar juntas, como pilares para o bem-comum (CV 58).
Esse princípio é fundamental para a conservação dos biomas. As populações locais são, quase sempre, aquelas que melhor conhecem os ecossistemas, podendo encontras as melhores práticas para sua conservação. Contudo, muitas vezes, sob a pressão de necessidades econômicas e grupos de interesse, acabam não se comprometendo com o meio ambiente, prejudicando a médio prazo a si e às gerações futuras. Por isso, é importante uma ação do Estado que não se imponha às populações locais, mas crie condições para que elas possam tomar as decisões mais adequadas para o manejo dos recursos naturais.
Um bom exemplo é a gestão das bacias hidrográficas. Os municípios vão captando e usando a água dos rios, despejando resíduos e esgotos. Assim, cada um têm responsabilidades e interesses com relação à qualidade da água na bacia hidrográfica. Recebem a água poluída pelas cidades e atividades humanas que estão antes no curso do rio e poluem a água para quem está depois. Se cada um for cuidar só da sua água – sem se preocupar com os demais – a situação tenderá a ficar ruim para todos. Cabe aos órgãos estaduais e federais e aos comitês de bacias, que reúnem os municípios e os atores sociais da região, ajudar os municípios a entrarem em acordo, conseguindo recursos para as obras necessárias, respeitando seus interesses e o bem-comum de toda a população.
Na Laudato si’, o princípio da subsidiariedade só vem nomeado duas vezes (LS 157, 196), mas todo o Capítulo V da encíclica (LS 163-201), que fala sobre linhas de ação para os governos e organizações sociais, ilustra esse princípio, mostrando o que é necessário para que ele exista: o diálogo. Mas, para haver diálogo é fundamental uma postura de humildade e verdadeiro interesse pelo bem do outro. Esse é o caminho para a defesa dos biomas e para a construção do bem-comum em nossa sociedade.

Leituras sugeridas do Magistério:
·         BENTO XVI. Carta Encíclica Caritas in veritate sobre o desenvolvimento humano integral na caridade e na verdade. Roma, 29 de junho de 2009. Disponível aqui. Nº 57-67. Apresenta o princípio da subsidiariedade e sua vinculação ao princípio da solidariedade.
·         FRANCISCO. Carta Encíclica Laudato si’ sobre o cuidado da casa comum, Roma, 24 de maio de 2015. Disponível aqui. Nº 164-201. Ilustra o princípio da subsidiariedade nos diferentes diálogos que devem existir para a defesa do meio ambiente e do bem-comum.
·         PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ. Compêndio de Doutrina Social da Igreja. Roma, 2 de abril de 2004. Disponível aqui. Nº 171-184. Explica o princípio da subsidiariedade.

Outras leituras sugeridas:
·         HERMANY, R. & LIPPSTEIN, D. O princípio da subsidiariedade e a (re)dimensão da competência municipal: cuidando do meio ambiente no espaço local. Iuris Dicere - Revista de Direito das Faculdades João Paulo II, 1 (1), 2016. Disponível aqui. Como o título mesmo diz, retoma o tema da subsidiariedade na gestão do meio ambiente numa perspectiva acadêmica.
Francisco Borba Ribeiro Neto
Jornal “O São Paulo”, edição 3143, 22 a 28 de março de 2017

segunda-feira, 20 de março de 2017

Agradecimento ao pai pelo dia em que não bebeu

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Alexandre Ribeiro é doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e editor de Aleteia.org

Meu pai, Afonso, mudou-se para São José dos Campos em meados de 1970. O quarto onde ele se hospedou nas primeiras semanas, de onde saía todas as manhãs para ir a pé de fábrica em fábrica procurar trabalho, era nos fundos de uma casa velha e pobre. Naquele mesmo lugar, alguns anos antes, havia morado seu irmão mais velho, Geraldo, também vindo do sul de Minas.
Geraldo tinha aspirações literárias, escrevia poemas metrificados. E bebia. Aos 25 anos, era um espírito solitário e alcoólatra. Fora seminarista na infância e juventude, mas abdicou da profissão religiosa para tomar as armas. Do Seminário ao Exército, os cadernos e a letra memorável sempre o acompanharam. Foram seu prazer e sua fuga. Quando vi seus poemas pela primeira vez, sua caligrafia impecável, fiquei abalado e fui conversar com minha avó materna sobre aquele velho tio. Minha avó, quando questionada, pensou alto, deixando escapar: "Ah, aquele irmão do seu pai que se matou..."
Busquei informações, confrontei fontes, mas aquele assunto estava enterrado, e ninguém nunca mais tocaria nele. Geraldo fora encontrado morto, em circunstâncias misteriosas, naquele mesmo quarto que meu pai viria a habitar tempos depois.
O dormitório era a imagem da pobreza e do horror que o seguiam na cidade grande, assombrado pelo vulto do irmão bêbado. Naquele momento da vida do meu pai, em que encontrar um trabalho possibilitaria a realização do sonho de se casar com minha mãe e começar sua própria família num lugar novo, ele teve a atitude que definiria sua vida: não bebeu.
O destino traçado por Geraldo, seguido por Isaac, o outro irmão mais velho, também estilhaçado pelo alcoolismo, não se confirmaria. Afonso conviveria com a depressão a vida toda, sem trégua, com os olhos petrificados, o olhar cabisbaixo, o jeito doce, porém sem confiança ao qual eu me aconchegava na infância, enquanto chamava de papai.
Lembro-me, quando criança, do cheiro do café a inundar nossa casa todas as tardes. Eu, voltando da rua, sento-me à mesa ao lado do pai, que reclina para acariciar meus cabelos suados. Minha mãe estende-me a caneca. Papai pega um pão, rasga-o com a faca de cabo azul, passa manteiga e me entrega sobre um pires branco. Mamãe senta-se ao nosso lado. Mergulho o pão no café com leite e começo a comer calmamente, apesar das pernas agitadas debaixo da cadeira.
Papai se levanta, vai até a mesa da sala e pega seu caderno. Em letra de forma, anota os gastos diários numa planilha azul. Ele não sabia escrever em letra cursiva. Não me recordo tê-lo visto redigindo frases completas, apenas anotações soltas, em que cada linha formava um tópico. Sua letra em nada exibia a sofisticação da escrita de Geraldo. Seu carisma era quase um pedido de desculpas, e ainda assim ele era cercado de amigos fiéis, algo que para mim era incompreensível, pois imaginava que as amizades se avolumavam ao redor de espíritos expansivos e alegres, e papai, em sua melancolia cabisbaixa, não se encaixava nesse perfil.
Afonso destaca do caderno a folha tracejada e me entrega. O desenho simplório de um boizinho, que tanto me alegrava, era-me dedicado como um beijo de boa noite, antes que ele fechasse o caderno e fosse ver o noticiário na TV.
Hoje, na gaveta à minha esquerda, eu guardo os poemas de Geraldo. Eles estão logo abaixo de alguns desenhos de boizinhos que ainda me acompanham, entre os quais se encontram fotografias da infância.
Ali, em meados dos anos 1970, sozinho na cidade grande, no mesmo quarto onde o irmão desistira de tudo, meu pai tomou a atitude que definiria sua vida e a de todos nós: ele não bebeu. E assim encontrou trabalho, se casou, teve dois filhos e levou uma vida honrada até o fim. Toda ternura e paz da minha infância, de certa forma, eu devo àquela firme e nobre decisão.
Jornal "O São Paulo", edição 3142, 15 a 21 de março de 2017

sexta-feira, 17 de março de 2017

Nossos filhos têm direitos antes de nascer


Editorial do jornal O São Paulo, ed. 3142, 15 a 21 de março de 2017.

Existe atualmente no Brasil a tendência de se tentar no Supremo Tribunal Federal (STF) aquilo que não se consegue junto ao Poder Legislativo, casa de um povo amplamente contrário ao aborto. Com os escândalos de corrupção e legislação em causa própria, a tendência é compreensível. Mas a repartição de poderes e a organização institucional das democracias têm sua razão de ser e, quando desrespeitadas, corre-se o risco de criar novos males ao tentar remediar os males existentes.
É o que acontece com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442 apresentada ao STF, pedindo que seja descriminalizado o aborto praticado até a 12ª semana de gravidez. O pedido baseia-se em precedentes anteriores, quase sempre justificados por questões de saúde pública e grande sofrimento da mulher.
Nesses casos, segundo os proponentes da ADPF 442, o STF já teria indicado que o feto não é “pessoa constitucional”, isso é, não tem direitos reconhecidos por lei, mesmo sendo um indivíduo humano - quanto a isso, não pode haver dúvida: biologicamente, o feto é humano, pois toda sua genética é humana, e é um indivíduo novo, pois seu código genético é uma combinação daqueles da mãe e do pai, diferente destes.
Independentemente das discussões jurídicas sobre a validade dessa interpretação da Constituição e das demais leis brasileiras, qualquer família que se constitui já pensa seus filhos como parte de sua vida atual ou futura, se organiza em função deles, espera que o Estado lhes dê a necessária proteção e amparo legal. Para os pais que desejam uma criança, é óbvio que seu filho é uma pessoa com direitos desde a concepção.
A solução “politicamente correta” geraria uma incongruência: as crianças desejadas por seus pais teriam seu status de “pessoa constitucional” assegurado perante a lei (com todos os direitos decorrentes), as indesejadas não teriam esse status e poderiam ser abortadas. Teríamos novamente seres humanos iguais com direitos diferentes, contradizendo todas as lutas por igualdade e justiça da história da humanidade!
O aborto clandestino é realmente um problema de saúde pública e um sofrimento para muitíssimas mães. Mas descriminalizar o aborto, em si mesmo, não soluciona o problema. Um verdadeiro direito - o de realização da mulher -  não se afirma com a negação de outro - o da vida do nascituro.
A verdadeira solução é construir uma sociedade mais solidária, mais hospitaleira e acolhedora, com relações familiares mais fortes e políticas sociais mais efetivas. Não uma sociedade onde as mulheres que sofrem possam abortar, mas sim uma sociedade onde nenhuma mulher precise abortar por conta de seus sofrimentos.  

quinta-feira, 16 de março de 2017

Campanha da Fraternidade 2017 - Opção pelos pobres e questão socioambiental

A Doutrina Social da Igreja na defesa dos biomas brasileiros

IV



Veja no final do texto as leituras sugeridas para aprofundamento

A opção preferencial pelos pobres “está implícita na fé cristológica naquele Deus que Se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com sua pobreza” (Bento XVI, Discurso inaugural da Conferência de Aparecida). Um cristianismo que não esteja comprometido de alguma forma com os mais pobres trai a si próprio.
O enfrentamento da pobreza enquanto injustiça social, contudo, depende da conjuntura histórica e de concepções políticas. Por isso, na mesma Igreja de Cristo podem conviver formas diferentes de solidariedade com os pobres. Essa diversidade, que deveria ser para todos uma riqueza e um convite à conversão, frequentemente se torna escândalo e motivo de divisão. Por isso o tema exige sempre um bom aprofundamento teológico e discernimento nas questões ideológicas.
Já Bento XVI, antes de Francisco, havia observado a estreita relação entre os pobres e o meio ambiente: “O tema do desenvolvimento aparece, hoje, estreitamente associado também com os deveres que nascem do relacionamento do homem com o ambiente natural [...] constituindo o seu uso uma responsabilidade que temos para com os pobres, as gerações futuras e a humanidade inteira” (Caritas in veritate, CV 48).
Existe uma “comunhão de destinos” entre o ser humano e os ecossistemas que habita. O destino das populações indígenas depende da floresta onde vivem, a escassez dos cardumes deixará os pescadores na miséria, o empobrecimento dos solos afetará o modo de vida dos agricultores...
Nós também, nas cidades, compartilhamos o destino de nossos ecossistemas. A injusta desigualdade que gera a pobreza está refletida no contraste entre nossos bairros ricos e nossas favelas. Nossas casas muradas e nossos condomínios fechados retratam a solidão e o individualismo de nosso coração.
A doutrina social da Igreja, na Laudato si’ (LS 63, 143-146), dá um grande passo na questão ambiental quando valoriza, na defesa do meio ambiente, o patrimônio cultural das populações pobres e tradicionais (pescadores, sertanejos, índios, etc.). A comunidade científica reconhece que o saber popular é uma grande fonte de conhecimento para a compreensão e conservação dos ecossistemas. Existe até um ramo da ciência, a etnoecologia, voltado a esse estudo.
Nas florestas, nos campos ou na cidade, o melhor caminho para conservar os biomas passa por escutar e solidarizar-se com os mais pobres, considerando sua experiência de vida e sua sabedoria.


Leituras sugeridas do Magistério:
·         BENTO XVI. Carta Encíclica Caritas in veritate sobre o desenvolvimento humano integral na caridade e na verdade. Roma, 29 de junho de 2009. Disponível aqui. Nº 48.
·         CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução Libertatis Conscientia sobre a Liberdade Cristã e a Libertação. Roma, 22 de março de 1986. Disponível aqui. Trabalha a questão da opção pelos pobres e da Teologia da Libertarão recuperando sua ligação com o Magistério da Igreja.
·         FRANCISCO, Papa. Carta Encíclica Laudato si’ sobre o cuidado da casa comum, Roma, 24 de maio de 2015. Disponível aqui. O tema da opção pelos pobres é transversal na encíclica, mas pode ser visto com clareza nos parágrafos 10, 13, 20, 43-52, 66, 93-95, 139, 158, 189-197, 241, 243.
·         JOÃO PAULO II. Carta apostólica Novo millennio ineunte no termo do Grande Jubileu do Ano 2000. Roma, 6 de janeiro de 2001, nº 50-51. Disponível aqui. Traz, em sequência, os temas da pobreza e do meio ambiente como desafios à caridade cristã no início desse novo milênio.

Outras leituras sugeridas:
·         ABREU, I. Ambiente e Pobreza. Naturlink. Disponível aqui. Uma discussão geral sobre as interações entre pobreza e questão ambiental.
·         CUNHA, M.C. & ALMEIDA, M.W.B. Quem são as populações tradicionais? Unidades de Conservação no Brasil – ISA. Disponível aqui. Explica o papel das populações tradicionais na conservação dois recursos naturais.
·         DIEGUES, A.C.S. Conhecimento e Manejo Tradicionais; Ciência e Biodiversidade. NUPAUB. Disponível aqui. Uma visão geral sobre a relação entre os saberes tradicionais e a conservação da biodiversidade.
·         HARARI, I. & CRISTI, A. Pobres são os mais atingidos pela poluição urbana, diz médico da USP. Revista Carta Maior, 02/ago/2012. Disponível aqui. Mostra a relação entre poluição e pobreza para a saúde da população das grandes cidades.
Francisco Borba Ribeiro Neto
Jornal “O São Paulo”, edição 3142, 15 a 21 de março de 2017

segunda-feira, 13 de março de 2017

Doutrina Social da Igreja e teoria econômica: já na Idade Média

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Antonio Carlos Alves dos Santos é professor titular de Economia na Faculdade da PUC-SP e conselheiro do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

Os estudos sobre o período medieval avançaram bastante no século passado e aos poucos emerge um cenário intelectual bem diferente daquele cantado em verso e prosa desde o Renascimento, de Idade das Trevas e de obscurantismo. Esta visão equivocada, infelizmente ainda é forte no imaginário popular (até mesmo entre as chamadas pessoas informadas) e por isso sempre se causa surpresa quando se fala das contribuições, no século XIII, dos frades franciscanos aos rudimentos da teoria econômica.
O ponto de partida era, naturalmente, a questão da usura, que ganhou grande importância com a retomada da atividade comercial e com o crescimento da vida urbana, principalmente na região da Toscana, na Itália. Não se tratava de mera questão teórica, mas de demanda colocada pelo homem de negócios que procurava compatibilizar as suas atividades econômicas com a teologia moral católica: juros, câmbio, preço justo, crédito, lucro eram os tópicos mais importantes.
A grande figura do período foi o frade franciscano Pedro João Olivi (1248-1298), que respondeu às demandas dos homens de negócios da época a partir da centralidade do conceito de bem-comum, o bem que expressa as relações entre as pessoas; e da ênfase no objetivo do agir do agente econômico como critério a ser usado para avaliar a moralidade do ato por ele praticado.
Ancorado nestes conceitos, ele apresenta uma leitura genial do conceito de capital, separando o ente dinheiro (cuja função é simplesmente o seu acúmulo a partir da obtenção de renda e que, portanto, era capital usurário) do capital semente (que tem em si a semente do lucro, e que seria o capital produtivo moderno). O capital semente é moralmente justificado por propiciar uma oferta maior de bens à comunidade, o que aumenta o seu bem-estar. O elemento central é, como já mencionado, o objetivo do agir do agente: o lucro, assim como o crédito, não é um fim em si mesmo, mas um meio, para se alcançar o bem comum.
Outra contribuição importante do Olivi foi a sua explicação de como se determina valor de um bem: a complacitas, é o componente subjetivo, do lado da demanda, enquanto os componentes objetivos, lado da oferta, são a raritas, escassez, e a difficultas, o custo de produção. Em outras palavras, a velha e conhecida oferta e demanda que ganhará seu formato atual com a revolução marginalista/neoclássica de 1870. Não deixa de ser irônico, já que esta linha de pensamento econômico é fortemente criticada por ser, segundo seus críticos, a chamada economia burguesa.
Esta linha de pensamento terá prosseguimento com os trabalhos do franciscano São Bernardino de Siena (1380-1444) e do dominicano Santo Antonino de Florença (1389-1459) e atingirá seu apogeu com a chamada Escola de Salamanca, que apresenta importantes contribuições no campo da teoria monetária e será objeto de um outro artigo.
Os trabalhos desses autores sugerem que a tese, de raiz weberiana, que o catolicismo seria inimigo da economia de mercado é exagerada, sendo mais adequado argumentar que a visão católica é mais rica e variada do que se imagina e comporta uma visão de mercado que se aproxima do modelo moderno de economia social de mercado com alguns elementos da socialdemocracia, como podemos inferir do pensamento do Papa Emérito Bento XVI e do Papa Francisco.
Jornal "O São Paulo", edição 3141, 8 a 14 de março de 2017

sexta-feira, 10 de março de 2017

Campanha da Fraternidade 2017 - Solidariedade, responsabilidade e problemas socioambientais

A Doutrina Social da Igreja na defesa dos biomas brasileiros

III



Veja no final do texto as leituras sugeridas para aprofundamento

Para uma justa compreensão da mensagem da Igreja com relação aos problemas socioambientais, vale a pena nos determos um pouco na encíclica de Bento XVI, Caritas in veritate (CV).
“A caridade na verdade [...] é a força propulsora principal para o verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade inteira” (CV 1). E adiante: “A solidariedade consiste primariamente em que todos se sintam responsáveis por todos” (CV 38).
A “caridade na verdade” (isso é, o amor compreendido em toda a sua plenitude e não reduzido a um sentimento romântico) gera solidariedade, que implica na corresponsabilidade entre nós e com a criação (CV 43-52). Bento XVI ainda denuncia a falta de solidariedade e de responsabilidade como causas das crises econômicas e da dificuldade em superá-las:
“O grande desafio que temos diante de nós [...] é mostrar [...] que os princípios tradicionais da ética social, como a transparência, a honestidade e a responsabilidade, não podem ser transcurados ou atenuados, mas também que [...] o princípio de gratuidade e a lógica do dom como expressão da fraternidade podem e devem encontrar lugar dentro da atividade econômica normal. Isto é uma exigência [...] da própria razão econômica” (CV 36).
“Quando se procurarem soluções para a crise econômica atual, a ajuda ao desenvolvimento dos países pobres deve ser considerada como verdadeiro instrumento de criação de riqueza para todos” (CV 60).
Diante das ameaças que pesam sobre os biomas brasileiros e suas populações, particularmente dos mais pobres, a mensagem de Bento XVI é clara: não haverá um verdadeiro desenvolvimento econômico e social se os princípios da solidariedade e da responsabilidade não forem respeitados.
Não é apenas um juízo moral. Os especialistas consideram que nossos ecossistemas tropicais são “frágeis”, facilmente degradados pela atividade humana, perdendo a fertilidade e a riqueza que motivaram sua exploração econômica, empobrecendo ainda mais suas populações tradicionais.
O agronegócio, por exemplo, é responsável por parte da prosperidade e do desenvolvimento econômico do interior do Brasil. Esse papel deve ser reconhecido, mas – para o bem da população e da própria economia – tanto o agronegócio como as demais atividades agrícolas deve estar a serviço de um desenvolvimento responsável e solidário.


Leituras sugeridas do Magistério:
·         BENTO XVI. Carta Encíclica Caritas in veritate sobre o desenvolvimento humano integral na caridade e na verdade. Roma, 29 de junho de 2009. Disponível aqui.
o  No. 34-42. Apresenta as bases conceituais da encíclica: sem a fraternidade, não é possível um verdadeiro desenvolvimento dos povos.
o  43-52. O capítulo sobre meio ambiente da encíclica já traz, de forma sucinta, os grandes temas da Laudato si’.
·         FRANCISCO. Carta Encíclica Laudato si’ sobre o cuidado da casa comum, Roma, 24 de maio de 2015. Disponível aqui.
o  No. 101-136. Mostra como o uso irresponsável do poder econômico e tecnocientífico está na origem dos problemas socioambientais.
o  Nº 138-142. Relaciona ecologia e econômica, numa perspectiva integral.
o  Nº 156-162. Trabalha os conceitos de bem-comum e justiça intergeneracional.
·         PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ. Compêndio de Doutrina Social da Igreja. Roma, 2 de abril de 2004. Disponível aqui.
o  No. 171-184. Fala da destinação universal dos bens e da responsabilidade social que pesa sobre a propriedade privada. Particularmente importante num momento que se discute as responsabilidades ambientais do agronegócio e das indústrias.

Outras leituras sugeridas:
·         RIBEIRO NETO, F.B. Defesa da vida, meio ambiente e economia na perspectiva do pensamento de Bento XVI. [in] SANTOS, A.C.A. Economia e vida na perspectiva da Encíclica Caritas in Veritate. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2010. Disponível aqui. O livro faz uma abordagem compreensiva da encíclica de Bento XVI, incluindo a questão econômica.
A relação entre manejo dos ecossistemas e perdas econômicas é comentada em vários sites na Internet, com graus de aprofundamento adequados para diferentes públicos, quando comentam temas como desmatamento, erosão e aridização, sobrepesca, etc. O texto-base da CF 2017 também oferece exemplos nesse sentido. A seguir apresentamos alguns textos, na maioria técnicos, mas de compreensão relativamente fácil, que desenvolvem essa questão:
·     ALTIERI, M.A. Agroecologia: princípios e estratégias para a agricultura sustentável na América Latina do século XXI. [in] MOURA, E.G. & AGUIAR, A. C. F. O desenvolvimento rural como forma de aplicação dos direitos no campo: Princípios e tecnologias. São Luís: UEMA, 2006. pág. 83 – 99. Tradução adaptada disponível aqui. Apresenta os desafios da agricultura nos trópicos e as vantagens da agroecologia para a população e a própria economia regional.
·       ECODEBATE. Pantanal vale US$ 112 bilhões. Valor anual da mata em pé é 270 vezes maior do que o lucro da pecuária que a derruba. Disponível aqui. Ilustra como os ecossistemas naturais, pedem conservados e manejados, podem trazer lucros ambientais muito maiores que a atividade econômica predatória.
·         LOPES, P.R. e colabs. Uma análise as consequências da cafeicultura convencional e as opções de modelos sustentáveis de produção – agricultura orgânica e agroflorestal.  REDD – Revista Espaço de Diálogo e Desconexão, 8 (2). Jan./jun. 2014. Disponível aqui. Mostra o impacto da cafeicultura sobre o Bioma da Mata Atlântica e suas consequências.
·         LOUREIRO, V.R. Amazônia: uma história de perdas e danos, um futuro a (re)construir. Estudos avançados, São Paulo, 16 (45): 107-121. Agosto 2002. Disponível aqui.  Apesar de já ter mais de 10 anos de publicação, o artigo ainda é válido para explicar os erros da ocupação da Amazônia.
·         RORIZ, P.A.C. & FEARNSIDE, P.M. A construção do Código Florestal Brasileiro e as diferentes perspectivas para a proteção das florestas. Novos Cadernos NAEA 18 (2): p. 51-68. Jun-set. 2015. Disponível aqui. Discute o Código Florestal brasileiro de 2012, que foi no sentido contrário ao manejo ecologicamente adequado da agricultura brasileira, considerando fundamentalmente interesses econômicos imediatistas.
Francisco Borba Ribeiro Neto
Jornal “O São Paulo”, edição 3141, 8 a 14 de março de 2017

segunda-feira, 6 de março de 2017

Família Cristã: aquela que o Estado precisa

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte

Claudio José Langroiva é professor do Curso de Direito da PUC-SP, conselheiro do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP, membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo e membro do Movimento Equipes de Nossa Senhora.

No Direito, a família converteu-se na maior preocupação do Estado pós-moderno, mesmo considerando características e conceitos desvirtuados nas atuais relações familiares, sob influência do individualismo que cunha a sociedade ocidental atual.
Durante o século XX, houve uma busca da valorização dos direitos e garantias individuais, entre eles os das mulheres, com a valorização individual dos entes familiares, sustentados agora na base constitucional da igualdade e isonomia. A participação isonômica de cada integrante da família, com funções e tarefas diferentes, mas com espaço para o respeito mútuo e a igualdade, tornou-se razão de identificação de afeto e respeito nas relações familiares, sob um novo modelo de Estado Democrático de Direito.
A isso, seguiu-se uma desconsideração da estrutura familiar tradicional, de cunho patriarcal, hierarquizada, em favor de uma instituição democrática.
Assim, a família, base da sociedade, passa a ter a necessidade de ser novamente compreendida, levando-se em conta um novo tecido normativo, que inclui valores éticos que devem se harmonizar com a realidade familiar.
Valores fundamentais restaram obscurecidos pelos conceitos de uma pós-modernidade individualista e dualista, concentrada na preservação dos direitos individuais, esquecendo-se da solidariedade e do humanismo familiar autêntico.
A felicidade a qualquer custo, difundida pelo modelo globalizado de sociedade, dizima famílias frente a uma pregação onde o pacto moral cede espaço para a recusa das regras morais, orientadoras do exercício humano e cristão da sexualidade no matrimônio. Mas essa dualidade que prega o direito individual e o amor de si mesmo confunde nossos pensamentos sobre o amor e não deixa ver a vocação originária e fundamental do ser humano.
Nesse contexto, a identidade da família cristã, superando individualidades estruturais próprias e a dinâmica emocional de cada membro, assume padrões de comportamento, convenções sociais, valores morais, filosóficos e religiosos, que são transmitidos de geração em geração, segundo a base em que ela se sustenta.
“No matrimônio e na família constitui-se um complexo de relações interpessoais – vida conjugal, paternidade-maternidade, filiação, fraternidade – mediante as quais cada pessoa humana é introduzida na ‘família humana‘ e na ‘família de Deus‘, que é a Igreja” (Exortação Apostólica Familiaris Consortio, 15).
Esta realidade de amor é verdadeira fonte de sustento, porque o mundo é assolado pela dispersão dos valores sociais e conjugais, em favor do humanismo individualista, onde os direitos e garantias individuais afastam-se da solidariedade familiar e conjugal.
Contrariamente a tudo isto, o bem-estar social verdadeiro deve passar pela valorização comum dos direitos de cada um, em um conjunto, em uma estrutura familiar, onde a educação amorosa e fecunda, na moral e na ética, são os instrumentos vivos de uma sociedade rica de valores fundamentais para o Estado Democrático de Direito.
A família que o Estado precisa é a família como verdadeira Eclesia, em um conceito de "igreja doméstica", em um resgate das primeiras igrejas que se reuniam em casas de famílias, com pais e filhos recebendo uns dos outros a prática dos preceitos de amor fraterno, de solidariedade e de fraternidade, fundamentos da fé cristã.
Jornal "O São Paulo", edição 3140, 2 a 7 de março de 2017.

quinta-feira, 2 de março de 2017

Campanha da Fraternidade 2017 - Contra o consumismo, preencher os corações vazios

A Doutrina Social da Igreja na defesa dos biomas brasileiros

II



Veja no final do texto as leituras sugeridas para aprofundamento

Entre as maiores ameaças aos biomas brasileiros estão a poluição e a irresponsabilidade no uso dos recursos naturais, denunciadas em vários documentos da doutrina social da Igreja (ver Compêndio da Doutrina Social da Igreja, CDSI 465-471; Laudato si’, LS 20ss).
Podemos entender esse problema a partir da lógica de um sistema econômico estruturado a partir do crescimento contínuo da produção e do consumo, que muitas vezes em detrimento das pessoas (cf. CDSI 319, 332). Mas também devemos considerar que vivemos numa cultura consumista e do descarte (LS 22, 34, 43, 50, 203, 210, 219). Por isso, é importante que cada um faça sua parte para reduzir o consumo dos recursos naturais. Com isso, passamos a tirar menos da natureza e, ao mesmo tempo, a poluir menos.
Existe uma correlação entre a riqueza material e produção de lixo – que é a medida mais evidente do consumo. Mas não é só isso! Comparemos, por exemplo, a produção de resíduos sólidos urbanos (lixo) dos Estados Unidos e da Suécia. Ambos se equivalem quanto ao PIB per capita e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), mas os Estados Unidos produzem diariamente 2,58 kg de lixo por habitante e a Suécia apenas 1,61 kg. Os suecos são menos consumistas que os norte-americanos, sem perder qualidade de vida.
A melhor regra para reduzirmos nosso consumo é a dos “3 R”: REDUZIR o consumo, REUTILIZAR o que pode ser reutilizado, RECICLAR o que não pode ser reduzido ou reutilizado.
Quem trabalha com jovens sabe que eles se envolvem facilmente em atividades de reciclagem e reutilização. O coração humano deseja cuidar das coisas, se sentir comprometido com o bem comum, ver a beleza. Mas a redução do consumo é mais difícil.
As sociedades indígenas são aquelas da “primitiva abundância”. Têm pouco, mas não precisam de mais. Nossa sociedade é a da “eterna carência”. Nunca temos o suficiente, vivemos uma insaciedade que nos impede de saborear a vida e as coisas que já temos, que não nos deixa amar e nos solidarizar com o próximo.
Por isso o Papa Francisco denuncia “os corações vazios”, que procuram ser preenchidos por um consumo desmedido, sem saber que só o Amor pode satisfazê-los definitivamente (LS 204). Dessa forma, nos remete à mais profunda resposta ao consumismo, que é o encontro com Cristo, que sacia o coração e nos desperta para a solidariedade e o compromisso com os mais pobres e a toda a criação.


Leituras sugeridas do Magistério:
·       FRANCISCO. Carta Encíclica Laudato si’ sobre o cuidado da casa comum, Roma, 24 de maio de 2015. Disponível aqui.
o  No. 18-52. Critica a cultura do descarte e denuncia a poluição e o mal-uso dos recursos naturais.
o  No. 203-227. Propõe uma educação ambiental em diálogo com a espiritualidade ecológica, capaz de “preencher os corações vazios”. O tema continua, no restante do capítulo, comentando outros aspectos que serão vistos em outros artigos dessa série.
·         PONTIFÍCIA CONSELHO JUSTIÇA E PAZ. Compêndio de Doutrina Social da Igreja. Roma, 2 de abril de 2004. Disponível aqui.
o  No. 310-335. Relaciona moral e economia nas condições de trabalho e produção do mundo de hoje (a res novae).
o  No. 465-471. Fala sobre a responsabilidade humana perante a criação.

Outras leituras sugeridas:
·        ECO-UNIFESP. Princípio dos 3 R’s. Disponível aqui. Uma apresentação simples com listas de iniciativas para reduzir, reutilizar e reciclar.
·         HOORNWEG, D; PERINAZ, B. What a Waste. A Global Review of Solid Waste Management. World Bank, Urban Development Series. Washington, DC: Urban Development & Local Government Unit, 2012. Disponível aqui. Documento técnico sobre o problema dos resíduos sólidos no mundo. Para quem quiser se aprofundar nos aspectos técnicos do tema (em inglês).
·         KAIROS, Instituto. Portal do Consumo Responsável. Disponível aqui. Um Portal com leituras, notícias e propostas para a prática de um consumo responsável, que ajuda o meio ambiente e se contrapõem ao consumismo.
·        ROCHA, R. Educação ambiental e política dos 3 R’s. Futuro professor. Espaço de discussão sobre a educação e o magistério. Disponível aqui. Traz uma abordagem crítica sobre o método dos 3 R’s, discutindo a relação entre redução e reciclagem.
Francisco Borba Ribeiro Neto
Jornal “O São Paulo”, edição 3140, 3 a 7 de março de 2017

“Lançai vossas redes para a pesca” (Lc 5,4).

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
José Ulisses Leva é padre secular e professor de História da Igreja da PUC-SP.

Por ocasião dos 300 anos (1717-2017) do Encontro de Nossa Senhora da Conceição Aparecida com o povo brasileiro, em especial nós, cristãos católicos, nos sentimos profundamente felizes. A celebração nos remete há três séculos, ocorrida no Porto de Itaguaçu, nas proximidades de Guaratinguetá, interior paulista.  Este momento de profunda Fé nos leva a uma reflexão teológico pastoral, sob os aspectos Trinitário, Eclesial e Mariano.
Quando remetemos à Trindade Santa lemos nos relatos que foram três os pescadores, João Alves, Domingos Garcia e Felipe Barroso, que encontraram a imagem de Nossa Senhora. Desde sempre a Santíssima Trindade se fez presente na Criação do mundo, sobretudo no momento em que “Deus disse: ‘Façamos o ser humano à nossa imagem e semelhança’ [...] Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou. Homem e mulher Ele os criou” (Gn 1, 26-27). Em Aparecida não foi diferente à ação misericordiosa do Altíssimo Deus em relação aos pescadores. A presença de Deus Uno e Trino e o acolhimento dos pescadores, foram fundamentais para que ação divina tornasse a pesca frutuosa.
No milagre de Aparecida, os pescadores estavam numa barca nas águas do rio Paraíba do Sul, no Vale do Paraíba, São Paulo, quando encontraram a imagem. Simbolicamente, a imagem de barro de Nossa Senhora encontrada no rio nos faz lembrar que somos feitos do barro e precisamos do sopro divino para que haja vida; a barca representa a Igreja de Cristo Jesus; a água é o mundo onde a Igreja está inserida, como também, nos recorda os Sacramentos, tanto do Batismo quanto da Eucaristia. A barca se movimenta nas águas, às vezes, turvas e profundas.  
Os pescadores estavam mergulhados no trabalho de encontrar peixes para o Conde de Assumar, que passava pela Vila de Guaratinguetá. Estavam exaustos e sem perspectivas. Num determinado momento da pescaria encontram o corpo, sem a cabeça, de uma imagem, mas ainda sem sucesso quanto à pesca. Os peixes, de fato, começam a surgir quando encontram a cabeça, isto é, a totalidade da imagem, assim chamada na invocação de Nossa Senhora da Conceição, Padroeira de Portugal e das Colônias, e, finalmente, Aparecida.
Mesmo navegando em águas profundas e turvas, dentro da barca, estamos firmes e seguros: “O barco, entretanto, já longe da terra, era atormentado pelas ondas, pois o vento era contrário [...] Mas Jesus logo lhes falou: ‘Coragem! Sou eu. Não tenhais medo’” (Mt 14, 24.27). No Corpo Eclesial, cuja cabeça é Cristo Jesus, somos queridos. No Sacramento do Batismo, somos amados pela Trindade Santa; e, no Sacramento da Eucaristia, somos alimentados pelo Salvador e Redentor, Nosso Senhor Jesus Cristo. Sentados à Mesa da Palavra, nós ouvimos Deus Revelado e, rodeados à Mesa da Eucaristia nós nos servimos do Banquete do Reino de Deus, anunciado pelo Divino Mestre, cuja meta é o Céu, para todos os que o ama, serve e o anuncia na alegria.
De fato, em 1717, Deus realizou o milagre: a abundância dos peixes se deu sob a intercessão de Maria Santíssima. Os personagens e as épocas são diferentes, mas a ação Misericordiosa de Deus permanece a mesma. “Avança mais para o fundo, e ali lançai vossas redes para a pesca” (Lc 5,4).
Seja a celebração do III século do Encontro de Nossa Senhora com os brasileiros, sob o Patrocínio da Conceição Aparecida, um momento fortíssimo de reafirmarmos nossa Fé à Santíssima Trindade, sob o olhar carinhoso e maternal da Mãe de Deus e nossa, na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica de Jesus Cristo, Salvador e Redentor de todo gênero humano.  
Jornal "O São Paulo", edição 3139, 22 de fevereiro a 2 de março de 2017.