segunda-feira, 27 de junho de 2016

Como usar a internet de forma positiva e ainda lutar por uma sociedade melhor

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte

Alexandre Ribeiro é jornalista, foi editor no Brasil do site católico de notícias Zenit e é atualmente editor do site Aleteia. É membro do Conselho do Núcleo de Fé e Cultura da PUC-SP

O meu pai vem de uma cidade pequena do sul de Minas. Ele me contava que a honestidade era algo muito valorizado por lá. Todos tinham palavra, e se podia confiar uns nos outros. Até porque, sendo um povoado pequeno, se alguém faltasse com a honestidade, todos ficariam sabendo.
Hoje, de certa forma, vivemos numa cidadezinha. Pelo menos no sentido de que os malfeitos estão mais difíceis de esconder. Uma hora ou outra, alguém bate à porta da nossa timeline para contar em detalhes os mais recentes escândalos. Mas não só de notícias ruins vive o mundo virtual.
A internet nos permite aprofundar um aspecto fundamental da vida em sociedade: a cooperação. A base de uma sociedade é a cooperação. Duas pessoas cooperam entre si quando o comportamento social de cada uma delas é valioso para a outra ou para um terceiro.
Os primeiros evolucionistas, entre eles o prêmio Nobel de Medicina Konrad Lorenz (1903-1989), afirmavam que ao lado da cooperação vinha sempre a competição. A luta pela existência seria uma dinâmica entre cooperar e concorrer. Mas competir não significa necessariamente prejudicar ou causar danos ao próximo. Significa reconhecer que a sua expressão esbarra com a de outros.
Apesar das tensões que existem entre as pessoas e os grupos, a cooperação é um valor maior do que a competição. Como a própria natureza ensina, a cooperação é indispensável para a sobrevivência. As espécies que mantêm relações simbióticas – ou seja, relações de cooperação, nas quais indivíduos e grupos se beneficiam uns dos outros – acabam apresentando melhores condições de vida e descendência. Cooperar e compartilhar os seus valores individuais, como por exemplo a sua honestidade e a sua disponibilidade em ajudar, contribui realmente para o desenvolvimento da sociedade.
Aqueles que se comportam na contramão da cooperação, pautados pelo egoísmo e a busca de vantagens ilícitas, estão fadados a um destino desfavorável. O seu voo, de aparente sucesso, é curto.
Os políticos corruptos e seus súditos, por exemplo, hábeis em se infiltrar em todos os partidos, ideologias e setores da sociedade, não entendem que não podem comprar um destino favorável. Assim, eles costumam viver em bandos, buscando cúmplices, pois sempre têm algo a esconder. Sua marca é a miséria humana, pois se sentem ameaçados pela vida, pelo próximo e por todos que sabem amar e cooperar.            
A ação direta ou indireta dos cidadãos contra a corrupção é imprescindível. E nisso as redes sociais na internet podem ser de grande utilidade. A internet é uma ferramenta de grande potencial no combate aos corruptos e na busca de mais cooperação entre os indivíduos. Quando os usuários das redes sociais têm como norte o comportamento simbiótico, ou seja, aquele que busca a cooperação e o compartilhamento de valor, eles estão automaticamente combatendo os grupos antibióticos e parasitários, que são aqueles que causam prejuízo à sociedade e querem ganhar em cima da perda de outros.
Quando você navegar nas redes sociais, procure observar se está estimulando a cooperação e a difusão de comportamentos valiosos. Por outro lado, pressione os corruptos e parasitas. E assim, mesmo que de forma aparentemente imperceptível, você estará dando à megalópole digital aquele ar de cidadezinha do interior. Um lugar onde a palavra e a conduta têm valor, e onde os corruptos não têm vez.
Jornal "O São Paulo", edição 3107, 22 a 28 de junho de 2016.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

A cidade, as eleições municipais e a “cultura do encontro”

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Klaus Brüschke, é membro do movimento dos Focolares, ex-publisher da Editora Cidade Nova, articulista da revista Cidade Nova.

Neste ano teremos eleições municipais. Os partidos políticos já afiam facas na disputa da cadeira de prefeito e abrem suas portas a candidatos a candidatos a vereador…
O legislador foi sábio ao destacar essas eleições daquelas federais e estaduais. A importância política da cidade é única. É nela que moramos, trabalhamos, nos locomovemos, estudamos, nos divertimos… É a cidade o espaço onde nos encontramos e desencontramos, crescemos em meio a possibilidades e obstáculos, exercitamos nossa identidade e diversidade. É o lugar privilegiado em que acontece a “cultura do encontro”, preconizada por papa Francisco.
Pio XII dizia que a política é a forma mais alta da caridade. E Chiara Lubich, a fundadora do Movimento dos Focolares, explicava: “A tarefa do amor político é criar e proteger as condições que permitem a todos os outros amores florescer: o amor dos jovens que desejam se casar e precisam de casa e trabalho, o amor de quem quer estudar e precisa de escolas e livros, o amor de quem se dedica à própria empresa e precisa de estradas, ferrovias, regras certas. A política é, portanto, o amor dos amores, que recolhe, na unidade de um desígnio comum, a riqueza das pessoas e dos grupos, consentindo a cada um realizar livremente a própria vocação… A política pode ser comparada ao pedúnculo de uma flor, que apoia e nutre o renovado desabrochar das pétalas da comunidade”.
As questões da nossa cidade – como os espaços de convivência, de cultura e de lazer, a mobilidade e a segurança, o desenvolvimento urbano, a gentrificação e a sustentabilidade, os recursos naturais e aqueles financeiros, as imbricações com o entorno em nível estadual, nacional e mesmo internacional etc. – podem ser tratadas tendo as relações fraternas como critério norteador e de avaliação. Relações capazes de fazer dos habitantes um “corpo político” que ultrapassa a esfera da utilidade material e alcança a dimensão do bem comum, como já ensinava Aristóteles. Relações que, para os cristãos, se inspiram no fato de nos reconhecermos todos filhos de um único Pai e irmãos uns dos outros, reconhecimento que não se limita à esfera religiosa, mas se traduz em participação, iniciativas, projetos, leis, instituições, enfim, em “cultura política”.
Por isso também, três cuidados precisam ser tomados nestas eleições municipais: 1) que elas não se contaminem pela crise política federal e pelas narrativas dos diversos grupos políticos; 2) que não se caia num sebastianismo: como no século XVI os portugueses esperavam a volta do rei d. Sebastião, morto em batalha, para conduzir o país à glória, pode-se esperar por um candidato brilhante, que livre a cidade de todos os seus males; 3) que não se descuide da escolha dos vereadores, a partir do cardápio oferecido nos programas eleitorais gratuitos, em que candidatos prometem segurança, saúde, educação, emprego…
O período pré-eleitoral é, pois, um ensejo oportuno para debatermos, articuladamente, o projeto de cidade que almejamos, e o confrontarmos com os programas dos partidos e dos candidatos.
Dessa forma, votar não será o mero uso de nossa soberania popular para transferir o poder a alguém que, em nosso nome, encontre soluções para nossos problemas. Será uma das formas – ao lado de tantas outras – de expressarmos a cidadania, a corresponsabilidade por nosso destino comum.
Jornal "O São Paulo", edição 3106, 15 a 21 de junho de 2016.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

O desemprego e a crise

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Wagner Balera é professor titular de Direitos Humanos na Faculdade de Direito da PUC-SP e conselheiro do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

O tema número um de qualquer debate social recente é o do incremento do desemprego.
Para que se tenha uma ideia do tamanho do problema, comparemos os dados já consolidados dos anos de 2004 e 2014.  No primeiro ano foram pagos 4,8 milhões de benefícios enquanto que, em 2014, foram pagos 8,5 milhões.
Ocorre que, com a crise, não há incremento de arrecadação apto a acompanhar, digamos assim, o dispêndio com o benefício do seguro-desemprego.
Em um acórdão do TCU registra-se que no período de 2009 a 2013 as despesas atingiram 65,5 bilhões enquanto que as receitas somaram 55,1 bilhões.
Percebe-se, claramente, que a situação já era crítica há dois ou três anos. O problema é que o quadro só se agravou dali para cá.
Mesmo assim, as receitas destinadas à cobertura do benefício prosseguiram sendo solapadas com a DRU – desvinculação das receitas da União, que arranca vinte por cento do montante arrecadado. Como esse torpe mecanismo deixou de existir em dezembro de 2015, essa sangria poderia deixar de existir. No entanto, está no Congresso Nacional uma nova proposta de prorrogação da DRU que, ao invés de vinte por cento quer tomar trinta por cento das receitas das contribuições sociais.
No ano passado foram tornadas mais rígidas as regras para concessão do benefício, o que pode ser dado positivo, mormente com o agravamento da crise. Mas o dado só é positivo para o sistema, não para aqueles que terão negado o direito ao benefício.
Também foram solapadas as receitas por meio de desonerações das contribuições para certos setores. As desonerações impediram o ingresso de cerca de dez bilhões de reais nos cofres do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT – que é a conta de onde sai o dinheiro para o pagamento do benefício.
Já se chamou o desemprego do mais social de todos os riscos.
Com efeito, o trabalho é um bem do homem e está colado à sua dignidade e à vocação que cada qual tem para a vida pessoal e comunitária.
O Brasil já ocupa o pouco honroso posto de quarto pais a ostentar elevada taxa de desemprego. Dos duzentos milhões de desempregados no mundo (dados da OIT), o nosso país já responde com mais de cinco por cento!
Em um mundo onde o econômico quer prevalecer, a todo o custo, sobre o social, os problemas não se resolvem e tendem a se agravar.
Aventemos algumas propostas de solução para o problema, que exigiriam modificação nas leis que regem a matéria.
Nem todos os segurados teriam que receber todas as parcelas. Nem tampouco o benefício deveria ser concedido na mesma quantidade de parcelas a todos os segurados.
Cada qual, deveria ter avaliada a respectiva necessidade e, então, obter o benefício por tempo determinado.
A carência - período mínimo de trabalho necessário para a aquisição do direito ao benefício – atualmente em seis meses, deve ser ampliada em pelo menos mais seis meses, equiparando-se às carências aplicáveis ao risco da doença e da invalidez. E deveria ser ainda maior para aqueles que pleiteiam seguidamente o benefício. Quem tivesse recebido o benefício nos últimos trinta e seis meses e, novamente, pleiteasse a prestação, deveria comprovar o cumprimento de uma carência de dezoito meses.
Outro aspecto a considerar é o da idade do segurado. Todos sabemos que quanto maior a idade, maior a dificuldade para a obtenção de novo posto de trabalho. Para os segurados com idade superior a cinquenta anos, por exemplo, o benefício deveria ser ampliado quanto ao período de fruição.
Enfim, eis um debate que apenas está a começar.
Jornal "O São Paulo", edição 3105, 8 a 14 de junho 2016.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

A misericórdia, a justiça e a jovem estuprada

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Francisco Borba Ribeiro Neto, 
coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

Na semana de Corpus Christi, outro corpo ocupou, de forma dramática, as atenções da mídia e da opinião pública: o de uma jovem do Rio de Janeiro, estuprada ao que se sabe por cerca de 30 homens. Uma barbárie que “clama aos céus” e às nossas consciências, ainda que um estupro sempre seja uma selvageria inaceitável, não importa quantos o pratiquem.
A justiça tem que ser feita num caso como este, e de forma exemplar. Deve ser feita como exemplo que demonstre a todos o quanto esta conduta é inaceitável – em quaisquer condições.
Mas diante de um mal assim, nossa justiça humana, ainda que necessária, ainda que cumprida, tem o sabor amargo da impotência. Ela pode ser punitiva, condenando os culpados, pode até ser parcialmente restaurativa, recuperando os criminosos para a vida social. Contudo, para a vítima, nenhuma justiça humana pode reparar plenamente o mal sofrido. Num filme dos anos ’80 (Um Hotel Muito Louco, de Tony Richardson), o irmão pergunta a uma jovem vítima de estupro: “o que você quer?”. E ela responde mais ou menos o seguinte: “que o dia de ontem nunca tivesse existido”. Mas nenhum poder humano pode realmente mudar o tempo, fazer com que ontem deixe de existir. O esquecimento, mesmo que consolador, não deixa de ser um simulacro da realidade. A vingança parece saciar a indignação, mas não preenche o vazio.
Existirá no mundo alguma força capaz de fazer o bem nascer do mal mais ignominioso, como uma maravilhosa flor que nasça sobre cadáveres em decomposição? Só o amor que se manifesta como misericórdia. Ela não é só perdão, mas também é esse amor impensável, que nos mostra um horizonte de sentido e de acolhida onde mesmo o pior mal não dá a última palavra, porque se torna ocasião de encontro de um bem maior ainda.
Não há evidência tão maravilhosa da existência de um Deus de amor quanto o bem que nasce no próprio mal. Nenhuma fé é tão inquebrantável como a de quem viu, em sua própria vida, a beleza do amor florescer – insuspeita e inesperada – em meio à desolação do mal. E não há razão mais forte para a descrença e para a desumanização da pessoa do que um grande mal que permanece sem redenção.
O Estado, que deve garantir a segurança do cidadão e aplicar a justiça humana, deve fazer a sua parte. Mas também é impotente, assim como cada um de nós em nossa limitada humanidade, para redimir os grandes males sofridos. Aqui, nossa condição humana clama pela misericórdia, capaz de vir como chuva que lava toda impureza e fertiliza a terra. Aqui, o “corpo místico de Cristo” que ao mesmo tempo habita e transcende nossa comunidade humana se torna indispensável.
O que podemos fazer, nós que aparentemente estamos longe do sofrimento dessa jovem? A mentalidade progressista exige, com razão, que o Estado tome as providências necessárias. A mentalidade conservadora, com igual razão, aponta os limites de uma sociedade que perde a consciência do valor da pessoa. Apoiando as duas posições, cada cristão é chamado a verificar e testemunhar a força dessa misericórdia em sua vida, propondo-a como pequeno milagre passível de ser vivido por todo ser humano.
Podemos não conhecer a jovem que foi vítima dessa barbárie, mas – em nossa sociedade interconectada – conhecemos alguém que conhece alguém, que conhece alguém que a conhece. A misericórdia se comunica por essa rede de pessoas que comunicam uns aos outros não só a obrigatoriedade da justiça humana ou os valores necessários à vida social, mas a força que se esconde na aparente fragilidade de um amor capaz de gerar o bem em meio ao pior mal.
Jornal "O São Paulo", edição 3103, 1 a 7 de junho de 2016.

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Francisco Borba Ribeiro Neto

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