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Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Ricardo Gaiotti Silva é advogado, juiz eclesiástico no Tribunal Interdiocesano de Aparecida, mestrando em Filosofia do Direito pela PUC-SP e mestrando em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade de Salamanca - Espanha.
O homem, naturalmente, se inclina para o que é bom, justo e
verdadeiro. Não por acaso, ao deparamo-nos com uma situação de injustiça, somos
atingidos por um sentimento de indignação. Queremos justiça. Nossa reação,
porém, depende da gravidade da situação e de como estes atos injustos nos
afetam.
Fazer a coisa certa, viver uma vida “moralmente” justa, não
é apenas cumprir estritamente as regras. A sociedade não pode simplesmente
distinguir os cidadãos pela forma com que agem diante das leis, pois a
fidelidade à lei pode levar à injustiça.
Na Alemanha nazista, o militar Otto Adolf Eichmann ficou
mundialmente conhecido justamente porque seguiu estritamente as regras. Uma de
suas tarefas era coordenar a deportação dos judeus para os campos de
concentração. Esta atividade muito o orgulhava, pois se considerava um fiel
cumpridor das ordens recebidas, como notou Hannah Arendt (Eichmann em Jerusalém, um relato sobre a banalidade do mal. São
Paulo: Companhia das Letras, 1999). Cumprindo a “lei”, ele agiu em contramão
com a justiça.
Como evitar esse erro? Como conciliar direito, justiça e
misericórdia?
Devemos reconhecer que temos limites, fraquezas, defeitos
que podem nos levar a cometer injustiças, por sermos pecadores. O corrupto se
distingue dos demais pecadores apenas porque se compraz com seu pecado, ou
seja, é aquele que com sua vida dupla provoca escândalo, cria hábitos que
limitam a capacidades de amar e levam à autossuficiência, passa a vida buscando
os atalhos do oportunismo, ao preço de sua própria dignidade e da dignidade dos
outros. Sim, somos pecadores, porém, não podemos ser corruptos, lembra-nos o
Papa Francisco (O nome de Deus é
misericórdia. São Paulo: Planeta, 2016). Devemos ter misericórdia, porque
somos todos capazes de cometer injustiças.
Nosso olhar deve se focar na pessoa humana. As atitudes de
Jesus nos ensinam como agir diante da lei, Ele que foi duramente questionado
quando atuou “contrário à lei”, curando em um dia proibido (Mc 3, 1-6), sentando à mesa com os
pecadores (Mt 9,11), defendendo seus discípulos quando
colheram espigas de milho para matar a fome (Mt 12, 1-13). Jesus, acima de tudo, tinha o olhar no homem, em sua
dignidade e necessidades.
Sobre o comportamento de Jesus o Papa Francisco afirma, na
Bula de Proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, Misericordiae Vultus, que diante da
visão de uma justiça como mera observância da lei, que divide as pessoas em
justos e pecadores, Jesus procurou mostrar o grande dom da misericórdia que oferece
o perdão e a salvação.
Jesus foi rejeitado pelos fariseus e pelos doutores da lei
justamente porque agiu em prol do “homem”, com misericórdia, e contra a “lei”.
O apelo à observância da lei não pode obstaculizar a atenção às necessidades
que afetam a dignidade das pessoas, conclui o Papa.
Ainda em sua Bula, Francisco observa que o direito, a
justiça e a misericórdia podem caminhar juntos, mas é necessário que os homens
respeitem os direitos fundamentais da pessoa humana. Por justiça entende-se,
também, que a cada um deve ser dado o que lhe é devido, o que vai além de uma
simples observância da lei. O legalismo pode obscurecer o valor profundo que a
justiça possui. Não basta cumprir as regras, é preciso ser justo!
Jornal "O São Paulo", edição 3099, 27 de março a 3
de abril de 2016.6.
Bela reflexão. Ajuda a compreender o delicado momento político que vive nosso país!
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