terça-feira, 29 de maio de 2018

Capítulo V: Luta, vigilância e discernimento


Introdução
A vida cristã é uma luta permanente. Requer-se força e coragem para resistir às tentações do demônio e anunciar o Evangelho (GE, §158).
Qual é, porém, a arma de que dispomos? A graça de Deus sem dúvida, o Espírito de Jesus, que ilumina a nossa inteligência e revigora a nossa vontade, tornando-nos capazes de discernir nas circunstâncias concretas e imprevisíveis de nossa vida o que é verdadeiramente bom, em continuidade com a Palavra e o Espírito do Senhor.
A santidade, em última análise, é uma questão de discernimento iluminado pela Palavra de Jesus e animado pelo Espírito de Amor.
Francisco Catão

Não se trata apenas de uma luta contra o mundo e a mentalidade mundana, nem contra a própria fragilidade e as próprias inclinações, mas é também contra o demónio, que é o príncipe do mal (§159). Enquanto nos obstinarmos a olhar a vida apenas com critérios empíricos, sem uma perspectiva de fé, não admitiremos a existência do demônio. Nos tempos de Jesus confundia-se a ação do demônio com algumas doenças mentais, reconhecidas hoje como tais, mas não simplifiquemos demasiado a realidade, afirmando que nos Evangelhos tudo era doença psíquica.
A presença do demônio consta das primeiras páginas da Sagrada Escritura e Jesus, que nos deixou a oração do Pai-Nosso, quis que a concluíssemos pedindo ao Pai que nos livrasse do Maligno (§160). Não pensemos que seja puro mito, uma figura ou ideia. O demónio não precisa nos possuir, envenena-nos com o ódio, a tristeza, a inveja e os vícios, «como um leão a rugir, anda a rondar nos, procurando a quem devorar» (§161).
A Palavra de Deus convida-nos, a resistir «contra as maquinações do diabo» e a «apagar todas as setas incendiadas do maligno». Não se trata de palavras poéticas; quem não quiser reconhecê-lo se expõe ao fracasso ou à mediocridade (§162). O progresso no bem, o amadurecimento espiritual e o crescimento do amor são o melhor contrapeso ao mal (§163).
O caminho da santidade é fonte de paz e alegria, mas exige que estejamos com «as lâmpadas acesas» e permaneçamos vigilantes, pois, quem não se dá conta de cometer faltas graves contra a Lei de Deus, pode cair numa espécie de sonolência e não advertir a tibieza que pouco a pouco se vai apoderando da sua vida espiritual. Acaba ficando espiritualmente “corrompido” (§164). A corrupção é pior que a queda: é uma cegueira cômoda e autossuficiente, em que tudo acaba por parecer lícito (§165).

Como saber se algo vem do Espírito Santo ou deriva do espírito maligno do mundo?
A única forma é o discernimento, um dom que se precisa pedir ao mesmo Espírito Santo e cultivar na oração e na reflexão (§166). Hoje em dia, tornou-se particularmente necessário, dadas as enormes possibilidades de ação e distração a que, especialmente os jovens, estão sujeitos, para não cair num zapping constante. Sem discernimento, nos transformaríamos em marionetes à mercê das tendências do momento (§167).
Quando aparece uma novidade na própria vida, é necessário discernir se vem ou não de Deus; pode até acontecer que, pelo contrário, as forças do mal nos induzam a não mudar, sufocando o sopro do Espírito Santo. Somos livres, com a liberdade de Jesus, mas Deus nos chama a examinar o que há dentro de nós e o que acontece fora de nós, para reconhecermos os caminhos da plena liberdade (§168).
O discernimento não é necessário apenas em momentos extraordinários: é um instrumento de luta, para melhor seguir o Senhor. Devemo-nos decidir nas coisas simples e diárias. Trata-se de não colocar limites rumo ao máximo, mas ao mesmo tempo concentrar-se no pequeno, nos compromissos de hoje. O discernimento nos leva a valorizar os meios concretos que o Senhor predispõe, no seu misterioso plano de amor, para não ficarmos apenas nas boas intenções (§169)
O discernimento espiritual não exclui as contribuições de sabedorias humanas. Não lhe bastam também as normas sábias da Igreja. É uma graça, inclui a razão e a prudência, mas as supera, pois se trata de entrever o mistério daquele projeto, único e irrepetível, que Deus tem para cada um de nós. Em suma, leva-nos à fonte da vida que não morre. Não requer capacidades especiais nem está reservado aos mais inteligentes e instruídos, pois o Pai Se manifesta aos humildes (§170).
Embora o Senhor nos fale de muitos e variados modos, não é possível prescindir do silêncio da oração prolongada para perceber melhor nossa vida à luz do Espírito (§171). O discernimento orante exige a predisposição de escutar: o Senhor, os outros e a própria realidade, que não cessa de nos interpelar. Exige estar disponível para acolher um chamado que contrarie nossas seguranças, mas nos leva a uma vida melhor, sem que nem reconheceríamos a voz de Deus, tão distraídos e acomodados que somos (§172).
Não se trata de aplicar receitas ou repetir o passado, somente o Espírito sabe penetrar nas dobras mais recônditas da realidade para iluminá-la com a luz do Evangelho (§173). Seguir o caminho da cruz e educar-se para a paciência de Deus e seus tempos, que nunca são os nossos, é a condição essencial para avançar no discernimento (§174).
Quando perscrutamos na presença de Deus os caminhos da vida, não há espaços que fiquem excluídos. Em todos os aspetos da existência podemos continuar a crescer e dar algo mais a Deus, mesmo naqueles em que experimentamos as dificuldades mais fortes. Mas é necessário pedir ao Espírito Santo que nos liberte e expulse aquele medo que nos leva a negar-Lhe a entrada nalguns recantos da nossa vida (§175).
Contemplemos a figura de Maria. Ela viveu como ninguém as bem-aventuranças de Jesus. A Mãe não necessita de muitas palavras, para lhe explicar o que se passa conosco (§176). Que estas páginas sejam úteis para que toda a Igreja se dedique a promover o desejo da santidade. Peçamo-lo ao Espírito Santo (§177).
Jornal "O São Paulo", edição 3200, 23 a 30 de maio de 2018.

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