quarta-feira, 9 de maio de 2018

Os inimigos da santidade


Francisco Catão

Na recente Exortação Apostólica, sobre o chamado à santidade o papa Francisco, depois de discorrer, no primeiro capítulo, sobre a experiência cristã na nossa vida ordinária cidadãos, indica, no segundo, dois inimigos sutis que ameaçam destorcer a qualidade espiritual de nossa vida.
Para designá-los, recorre a velhas heresias dos primeiros séculos do cristianismo, o gnosticismo e o pelagianismo. Os gnósticos concebiam o cristianismo como um ideal reservado a um pequeno grupo de eleitos, que vivia numa ilha de sabedoria, em meio ao mundo pagão, entregue à ignorância e ao pecado. Os pelagianos, por sua vez, pensavam que a salvação cristã era fruto de nossos próprios esforços.
Ao mencionar os traços sutis de gnosticismo e de pelagianismo, no cristianismo de hoje, Francisco aponta para alguns desvios latentes na pastoral da Igreja:  por um lado, pensar que a salvação está em aprofundar verdades abstratas, espiritualidades, métodos ou carismas idealizados, e por outro, confiar principalmente na eficácia evangelizadora dos planos pastorais, nas celebrações litúrgicas, nos meios de comunicação e nos eventos de massa.
Num texto de impressionante lucidez e coragem, depois de lembrar que a Igreja sempre ensinou que não somos justificados pelas nossas ideias, pelas nossas obras, nem pelos nossos esforços (cf. GE, 52), Francisco denuncia que as duas tendências, desde a antiguidade, consideradas heréticas, hoje parecem predominar.
Essas tendências  se manifestam na “auto complacência egocêntrica e elitista, desprovida do verdadeiro amor, presente em muitas atitudes aparentemente diferentes entre si: a obsessão pela lei, o fascínio de exibir conquistas sociais e políticas, a ostentação da doutrina e do prestígio da Igreja, a vanglória ligada à gestão de assuntos práticos, a atração pelas dinâmicas de autoajuda e, finalmente, a realização auto referencial” (GE, 57).
“Nisto alguns cristãos, inclusive ministros da Igreja, gastam suas energias e seu tempo, em vez de se deixarem guiar pelo Espírito, no caminho do amor, apaixonarem-se por comunicar a beleza e a alegria do Evangelho e procurar os afastados, nas imensas multidões sedentas de Cristo” (ib).
 “Sem nos darmos conta, pelo fato de pensar que tudo depende do esforço humano, canalizado através de normas e estruturas eclesiais, complicamos o Evangelho e nos tornamos escravos de um esquema que deixa poucas aberturas para que a graça atue” (GE, 59).
“Que o Senhor liberte a Igreja das novas formas de gnosticismo e pelagianismo que a complicam e a detêm no seu caminho para a santidade!” (GE, 62).
A Exortação prossegue apontando as fontes do Espírito, as bem-aventuranças, e em especial, a suprema regra da misericórdia (Cap. 3), para terminar descrevendo as cinco marcas do cristão em nossos dias (Cap. 4) e o papel soberano do discernimento na determinação de como devemos agir nas circunstâncias concretas de nossa vida, para respondermos ao chamado à santidade (Cap. 5).
Jornal "O São Paulo", edição 3196, 25 de abril a 2 de maio de 2018.

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