sexta-feira, 18 de maio de 2018

Gaudete et Exultate - Capítulo 3, À luz do Mestre II: A grande regra de comportamento


Introdução
No capítulo 25 do Evangelho de Mateus Jesus volta a se deter numa das bem-aventuranças: a que declara felizes os misericordiosos. Se andamos à procura da santidade que agrada a Deus, encontramos neste texto a regra de comportamento sob  a qual seremos julgados: cuidando do próximo em suas necessidades, cuidamos de Jesus: «Tive fome e Me destes de comer, tive sede e Me destes de beber, era peregrino e Me recolhestes, estava nu e Me destes que vestir, adoeci e Me visitastes, estive na prisão e fostes ter comigo» (GE, § 95).
O Espírito que anima a experiência cristã se concretiza no gesto de amor e de bondade para com todas as pessoas com que nos relacionamos no dia a dia, porque é nelas e por elas, que Jesus vem ao nosso encontro.
Francisco Catão

O caráter místico desse encontro funda-se antes de tudo na Palavra de Jesus. Mais do que mero convite à caridade, as palavras de Jesus são aqui uma página de doutrina, que projetam um feixe de luz sobre o mistério de Cristo (§ 96). É meu dever pedir aos cristãos que as aceitem e recebam com sincera abertura, sine glossa, isto é, sem comentários, especulações e desculpas que lhes tirem a força. O Senhor deixou-nos bem claro que a santidade não se pode compreender nem viver prescindindo destas suas exigências, porque a misericórdia é o «coração pulsante do Evangelho (§ 97).
Quando encontro uma pessoa a dormir na rua posso sentir ou que se trate de um problema que não me compete resolver, ou reagir a partir da fé e da caridade e reconhecer nele um ser humano com a mesma dignidade que eu, um irmão redimido por Jesus Cristo. Isto é ser cristão! Poder-se-ia porventura entender a santidade prescindindo deste reconhecimento vivo da dignidade de todo o ser humano? (§ 98)
Para os cristãos, isto supõe uma saudável e permanente insatisfação. Embora dar alívio a uma única pessoa já justificasse todos os nossos esforços, isto, para nós, não é suficiente. Não basta praticar apenas algumas boas ações, é preciso se empenhar em procurar uma mudança social: o restabelecimento de sistemas sociais e econômicos justos, para acabar com a exclusão (§ 99).
 Primeiro, separam as exigências do Evangelho de nosso relacionamento pessoal com o Senhor, da união interior com Ele, transformando o cristianismo numa espécie de ONG, privada da espiritualidade irradiante que viveram os santos (§ 100).
 Depois levam as pessoas a viver suspeitando do compromisso social dos outros grupos, como se não houvesse nada mais importante do que a ética ou o arrazoado que abraçam. A defesa do inocente nascituro, por exemplo, deve ser clara, firme e apaixonada, porque neste caso está em jogo a dignidade da vida humana, sempre sagrada, e o exige o amor por toda a pessoa, independentemente do seu desenvolvimento.
Igualmente sagrada é a vida dos pobres que já nasceram e se debatem na miséria, no abandono, na exclusão, no tráfico de pessoas, na eutanásia encoberta de doentes e idosos privados de cuidados, nas novas formas de escravatura, e em todas as formas de descarte (§ 101).
 Não nos podemos propor um ideal de santidade que ignore a injustiça deste mundo, em que alguns festejam, gastam folgadamente e reduzem sua vida às novidades do consumo, enquanto outros se limitam a olhar de fora, numa vida que se passa e termina miseravelmente (§ 101)
Muitas vezes, em face do relativismo e dos limites do mundo atual, ouve-se dizer que a situação dos excluídos é um tema marginal. Longe disso, basta pensar, por exemplo, na situação dos migrantes. Não se pode desconhecer que acolher o migrante é precisamente o que hoje nos exige Jesus, quando diz que a Ele mesmo recebemos em cada forasteiro (§ 102).
Damos glória a Deus não só com o culto, a oração, ou a simples observância de algumas normas éticas. O primado, é verdade, pertence à relação com Deus, mas não nos esqueçamos de que, antes de mais nada, o critério de avaliação da nossa vida é o que fazemos pelos outros. A oração é preciosa, alimenta a doação diária de amor; o culto agrada a Deus, quando inclui o propósito de viver com generosidade e quando o dom recebido se manifesta na dedicação aos irmãos (§ 104).
O melhor modo de discernir se nosso caminho de oração é autêntico é de ver em que medida nossa vida se vai transformando à luz da misericórdia, arquitrave que suporta a vida da Igreja, manifesta mais luminosa a verdade de Deus e é a chave do Céu» (§105)
Tomás de Aquino ensina que nossas ações maiores não são as obras exteriores. Não praticamos o culto para proveito de Deus, mas para benefício nosso e do próximo, por isso a misericórdia é o sacrifício que mais Lhe agrada» (§ 106). Quem deseja dar glória a Deus com a sua vida, é chamado a se gastar e se cansar praticando a misericórdia. Deus depende de nós para amar o mundo e lhe demonstrar o muito que o ama (§ 107).
O consumismo hedonista nos pode enganar, porque, na obsessão de nos divertirmos, acabamos por estar excessivamente concentrados em nós mesmos. O próprio consumo de informação superficial e as formas de comunicação rápida e virtual podem ser um fator de estonteamento que ocupa todo o nosso tempo e nos afasta da carne sofredora dos irmãos. No meio deste turbilhão atual, volta a ressoar o Evangelho para nos oferecer uma vida diferente, mais saudável e mais feliz (§ 108)
A força do testemunho dos santos consiste em viver as bem-aventuranças e observar a regra de comportamento do juízo final. Recomendo vivamente que se leia, com frequência, estes grandes textos bíblicos, se reze com eles e se procure encarná-los. Far-nos-ão bem e nos tornarão genuinamente felizes (§ 109).
Jornal "O São Paulo", edição 3198, 9 a 15 de maio de 2018.

Nenhum comentário:

Postar um comentário