segunda-feira, 25 de maio de 2015

Educação: entre a vocação e o descaso

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo, 
coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

Venho de uma daquelas famílias que respiram o magistério.  Sempre fui professor, minha mãe e meus tios eram professores. Durante anos ensinei na licenciatura, formando futuros professores. Greves e manifestações de professores não podem deixar de mexer comigo.
Minha mãe dizia que nunca faria greve, porque seus alunos tinham direito de aprender e não podiam ser penalizadas pelos erros dos adultos. Para ela, o magistério era um sacerdócio, uma vocação de doação às novas gerações.
Na universidade, um de meus professores, um dos marxistas mais bem preparados do curso e sempre coerente, escandalizou-nos ao dizer que era contra greves na educação. Greve, dizia ele, é para quem dá prejuízo ao patrão deixando de produzir. Se professores e alunos não produzem, os prejudicados são eles mesmos e a sociedade. Portanto, o que devem fazer é trabalhar e estudar ainda mais, para que o estudo seja realmente um instrumento de transformação da sociedade.
Diante do descalabro da educação no País, das más condições de trabalho e remuneração dos professores, tanto minha mãe como meu professor se posicionariam favoráveis aos protestos de seus colegas atuais e se mostrariam indignados com a repressão violenta que suas manifestações recebem em alguns casos.
Os professores não podem ficar calados diante da situação que está aí. Porém, anos de repetidas greves e manifestações pouco tem feito pela situação docente.
Ao mesmo tempo, as promessas e os planos dos governos têm tido sucesso na expansão do acesso à escola, mas pouco influem na qualidade da educação. Estudos internacionais, como o ranking mundial de educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), recém-divulgado, colocam o Brasil em 60º lugar entre 76 países. O PIB de uma das nações mais ricas do mundo e a qualidade de educação das mais pobres!
Um sistema injusto penaliza os trabalhadores não apenas explorando-os com salários baixos e cargas de trabalho desumanas. Ele também os penaliza destruindo o sentido do trabalho, fazendo com que deixe de ser ocasião de construção da humanidade do trabalhador para se tornar apenas “coisa” a ser trocada no mercado.
Para minha mãe, educar era um ato sagrado, que enchia sua vida de sentido e sabor e a aproximava de Deus. Para meu professor, era parte de sua luta para transformar o mundo, e como tal também era ocasião de realização pessoal. Hoje, sei que muitos de meus ex-alunos gostariam de viver a docência assim, mas até esta possibilidade lhes foi tirada – tanto pelas más condições de trabalho quanto por uma mentalidade que esvaziou o sentido da educação.
Outras pesquisas têm mostrado que a educação é uma das maiores preocupações da população brasileira. Mas qual é o apoio que as pessoas e os movimentos sociais dão aos professores, quando estes reivindicam melhores condições de trabalho, ou às escolas, que estão em condições materiais e humanas críticas? Escolas que contam com mais interação e apoio da comunidade (presença pais e familiares, participação dos estudantes em atividades comunitárias, etc.) obtém resultados melhores do que outras que estão em situação semelhante, mas não tem este apoio.
Poucas profissões têm, como a educação, este caráter de “vocação”, de chamado para uma missão de dedicação às pessoas e transformação do mundo. Esta é uma riqueza que os professores não podem perder, que o Estado deve sustentar com políticas educacionais adequadas e toda a população deve apoiar com reconhecimento e colaboração.

Jornal “O São Paulo”, edição 3052, de 20 a 26 de maio de 2015.

Leia também:
A presença dos cristãos em tempos difíceis

segunda-feira, 18 de maio de 2015

A assembleia da CNBB e a crise brasileira

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Rubens Ricupero foi ministro da Fazenda (governo Itamar Franco) e Secretário Geral da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) em Genebra. Hoje é Diretor da Faculdade de Economia da FAAP, São Paulo. É conselheiro do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP. 

Qual a melhor mensagem que a assembleia dos bispos deveria transmitir ao povo brasileiro neste momento de crise e desalento? Convidado por D. Raymundo Damasceno para apresentar análise da conjuntura na abertura da assembleia da CNBB em Aparecida, encontrei a inspiração que buscava ao ler a recente bula O Rosto da Misericórdia sobre o jubileu anunciado pelo papa Francisco. A bula cita o discurso de encerramento do Concílio Vaticano II no qual Paulo VIº dizia que “em vez de diagnósticos desalentadores, se dessem ao mundo remédios cheios de esperança”.
Com essa intenção, sugeri que precisamos de um “mínimo denominador comum”, um programa realista e exequível neste momento perigoso da vida nacional. Independentemente da preferência política de cada um, o importante seria adotar metas que todos possam aceitar. Elas se resumiriam em evitar retrocessos que coloquem em risco as conquistas políticas, econômicas e sociais que o Brasil acumulou em 30 anos de regime constitucional, desde que os militares deixaram o poder. 
Em alguns setores, o retrocesso já bate às portas. Perdemos o crescimento, a inflação ameaça escapar ao controle, a corrupção alcançou níveis destrutivos na Petrobrás. Os dois aspectos que melhor resistiam, o emprego e a renda, começam a se deteriorar. Se isso não for rapidamente revertido, se a economia não voltar a crescer a taxas entre 3% e 4,5% ao ano, será impossível continuar a avançar na luta contra a pobreza e a desigualdade.
Na pior hipótese, de estagnação e inflação alta prolongadas, mesmo as conquistas até aqui se mostrarão insustentáveis. Se isso acontecer, o fracasso no econômico e no social acabará por contagiar a democracia política.
Devido à premência e gravidade da crise, o enfoque tem de ser no curto prazo, no aqui e agora. Reformas, entre elas a política e a eleitoral, são importantes no médio e longo prazo. Não vão aliviar neste instante a perda do crescimento, a inflação, o desemprego, os impactos da operação Lava Jato.
Não somente os bispos, mas os cristãos em geral não podem perder de vista dois critérios evangélicos para julgar as situações concretas da vida política. A primeira é que a Igreja, assim como a sociedade e cada um de nós, será julgada pela maneira como tiver tratado seus membros mais frágeis e vulneráveis. Não preciso apontar as incontáveis vezes em que Jesus afirma esse ponto no Evangelho.
O segundo critério é que, ainda divergindo entre nós sobre a posição a adotar em relação ao governo ou a certos partidos e ideologias, somos obrigados, conforme nos lembrou o papa Francisco no discurso no Teatro Municipal a manter a atitude de “diálogo, diálogo, diálogo”, nunca de recurso ao confronto e à violência. Francisco insistiu na disponibilidade à cultura do encontro, com atitude de humildade social, de disposição de escutar e aprender com os outros. E concluiu: “Ou aceitamos o diálogo e cultura do encontro, ou perdemos todos”.
Esse não é um receituário para voltar a crescer e a melhorar a vida de todos, mas apenas o caminho para refazer um mínimo de unidade a fim de chegar a saídas efetivas para as várias crises brasileiras.
Nada nesse caminho é incompatível e tudo nele se harmoniza com o que esperamos da Igreja, dos bispos, de todo cristão: que saibamos encontrar como o papa Francisco a linguagem que abra o coração das pessoas à conversão de vida e à mensagem do Evangelho.
Jornal “O São Paulo”, edição 3051, de 13 a 19 de maio de 2015.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

O desejo de família semeado pelo Criador

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Pe. Denilson Geraldo, SAC, é professor da Faculdade de Teologia da PUC-SP e membro da Cátedra André Franco Montoro de Direito da Família da PUC-SP. 

A transformação no conceito de família está levando à dificuldade de compreensão e aceitação da unidade e indissolubilidade como propriedades essenciais do matrimônio entre batizados. No entanto, a questão é mais grave no que se refere a tais conceitos relacionados aos matrimônios naturais, isto é, entre os não-batizados.
O Sínodo dos bispos, para este ano, colocou alguns questionamentos para o recebimento e o aprofundamento da Relatio Synodi (n. 6): Quais são as linhas de ação predispostas para suscitar e valorizar o “desejo de família” semeado pelo Criador no coração de cada pessoa, e presente especialmente nos jovens, até mesmo de quantos vivem em situações familiares não correspondentes à visão cristã? Entre os não-batizados, quão forte é a presença de matrimônios naturais, inclusive em relação ao desejo de família dos jovens?
A relativização do matrimônio é uma característica da nossa cultura e o reconhecimento da união civil como família de pessoas do mesmo sexo é uma de suas consequências. Neste contexto, é urgente recordar o conceito de natureza humana ou, como Bento XVI oportunamente utilizou em seu discurso ao Parlamento alemão em 2011, a noção de ecologia humana. As propriedades do matrimônio, unidade e indissolubilidade, referem-se ao caráter antropológico deste ato, sendo exigidas pela profundidade e extensão do vínculo matrimonial em proporção ao compromisso para com a pessoa envolvida e com a sociedade. Além do mais, torna-se garantia para o futuro na educação dos filhos, que sempre esperam a unidade da própria família.
Em muitos ambientes o matrimônio tornou-se um assunto exclusivamente religioso, deixando de ser considerado natural ao ser humano. Pelo contrário, ao considerar o matrimônio como inerente ao ser humano, a indissolubilidade e a unidade são conceitos que também dizem respeito ao social e não somente religioso. Deste modo, o tema família diz respeito ao bem público, considerando que as dificuldades experimentadas pelas famílias têm influência na participação da criança na escola, no trabalho dos pais, no conceito de lazer e divertimento necessários à família, no mundo da economia e no desenvolvimento psicológico, emocional, religioso e social da pessoa. De fato, a pastoral familiar tem muito a trabalhar para ser capaz de influenciar as políticas públicas em favor das famílias e para que sejam eleitas como prioridades. Tais políticas exigem que a família tenha casa própria, trabalho digno, educação de qualidade às crianças e assistência médica condizente. Ora, o bem-estar da pessoa passa pela família e, sem esta natural instituição humana, nenhuma sociedade se sustenta porque a família é a primeira, fundamental e natural experiência de sociabilidade, considerando quão determinante seja para pessoa. Assim, as propriedades essenciais do matrimônio, unidade e indissolubilidade tornam-se elementos-chaves para a vida em sociedade.
Jesus Cristo, quando perguntado sobre o assunto, relembrou o projeto do Criador, a ecologia humana e inscrito na natureza humana: “Não lestes que desde o princípio o Criador os fez homem e mulher? E que disse: Por isso, o homem deixará pai e mãe, se unirá à sua mulher e os dois serão uma só carne?”. Entre os batizados esta união humana foi elevada à dignidade de sacramento, isto é, pelo consentimento matrimonial dos noivos transmite-se uma graça invisível. Consequentemente, o matrimônio natural possui as propriedades essenciais, unidade e indissolubilidade, presentes desde o início do vínculo. Afinal, o desejo de família foi semeado pelo Criador no coração humano.
que é a Igreja: comunhão de pessoas que tornou-se possível pelo dom de Cristo. E a Eucaristia, por sua vez, é o Sacramento da única e irrepetível doação de Cristo, que permite a união do corpo da Igreja e da família entendida como Igreja doméstica e missionária.
Jornal “O São Paulo”, edição 3048, de 29 de abril  a 5 de maio de 2015.

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Evangelho da vida: por uma teologia do corpo e da família

segunda-feira, 4 de maio de 2015

A pessoa humana permanece sempre preciosa

Ilustração: Sergui Ricciuto Conte
Dalton Luiz de Paula Ramos é professor titular de Bioética da USP, membro da Pontifícia Academia para a Vida do Vaticano e conselheiro do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

Em 1993 o Santo Papa João Paulo II retomou o projeto, interrompido com o atentado à sua vida de 1981, de criar a Pontifícia Academia para a Vida - dedicada a estudar, informar e formar acerca dos principais problemas de biomedicina e de direito, relativos à promoção e à defesa da vida, sobretudo na sua relação direta com a moral cristã e as diretrizes do Magistério da Igreja. 
Para cuidar da tarefa de estruturar esta Academia, o Papa  polonês contatou um amigo, o médico francês Jérôme Lejeune,  geneticista que descobriu o gene responsável pela Síndrome de Down. Numa conversa telefônica o Papa pede a ele a tarefa de organizar esta Academia. Lejeune lhe informa que está com câncer, em seu leito de morte e que por isso seria melhor pedir a outro, ao que o Santo Papa lembra-lhe que a vida, até o seu último momento, tem um significado e uma missão a cumprir. Jérôme Lejeune aceita a tarefa, organiza a Academia, que é instituída em fevereiro de 1994, sendo nomeado seu primeiro Presidente. Dois meses depois Lejeune falece, sem ter tempo de participar da primeira das reuniões da Academia.
Anualmente esta Academia promove reuniões onde cientistas reconhecidos mundialmente, dedicados ao estudo das ciências médicas e da vida, debatem temas bioéticos atuais, num exemplo de diálogo entre fé e ciência. No início de 2015, na 21ª Reunião Anual, o tema foi “Assistência ao idoso e cuidados paliativos”.
Cuidados paliativos representam a atenção a pacientes para os quais não se encontram mais tratamentos, com prognóstico de morte a curto ou médio prazo. Estes cuidados servem para tornar o sofrimento mais suportável e assegurar ao paciente um adequado acompanhamento humano.  No Discurso que proferiu aos participantes desta Reunião, em 5 de março de 2015, o Papa Francisco proclama que “Os cuidados paliativos são expressão da propensão humana para cuidar uns dos outros, sobretudo dos que sofrem. Eles testemunham que a pessoa humana permanece sempre preciosa, mesmo quando está marcada pela velhice e pela doença. Com efeito, a pessoa, em qualquer circunstância, é um bem para si mesma e para os outros e é amada por Deus. Por isso, quando a sua vida se torna frágil e se aproxima a conclusão da existência terrena, sentimos a responsabilidade de a assistir e acompanhar da melhor maneira.”
Os cuidados paliativos em idosos doentes apresentam particulares dificuldades. Uma delas é proporcionar à sua família um apoio adequado, enquanto coparticipante das dores e necessidades do idoso.
No plano das políticas públicas, e na linha da Doutrina Social da Igreja, cabe aos governantes e à legislação viabilizar recursos, quer seja na forma de liberação de subsídios - financeiros e de acesso a pessoal especializado de apoio - quer seja na forma de leis que protejam e liberem o familiar para atuar como cuidador.
No plano pastoral, as necessidades espirituais se referem à busca de significado e à necessidade, da pessoa idosa enferma e de seus familiares, de serem apoiados na esperança. Entre os diversos elementos que incidem nessa atitude de esperança está a proximidade de pessoas que evitam o abandono e o isolamento, e que ajudam a resgatar o significado da vida. Nesse sentido, a responsabilidade é de todos nós da Comunidade Cristã, para que testemunhemos uma amizade, em Cristo, que recupera o significado da vida até seu último momento, como o fizeram S. João Paulo II e Jérôme Lejeune.  
Jornal “O São Paulo”, edição 3048, de 29 de abril  a 5 de maio de 2015.