segunda-feira, 11 de junho de 2018

Do sacerdócio leigo ao simples emprego

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte

Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

A recente reforma trabalhista, quer seja boa ou má, abriu brechas perigosas no reconhecimento dos direitos de alguns profissionais, entre os quais os professores. É um problema social grave, pois essa categoria enfrenta más condições de trabalho, num setor vital, no qual o desempenho do País tem sido muito fraco.
A recente paralisação dos professores da rede particular, pleiteando a manutenção de direitos trabalhistas há muito reconhecidos e que agora estão em risco, não é apenas a defesa corporativa de uma categoria. É uma luta pela qualidade da formação das novas gerações e pelo futuro do País.
Contudo, minha mãe, docente do Ciclo Fundamental, dizia que professores podiam protestar, mas não deviam fazer greve porque as crianças não eram culpadas dos erros dos adultos e não podiam ter sua formação comprometida. Na Faculdade de Ciências Sociais, no período da ditadura, um dos professores mais engajados e coerentes nos chocou dizendo que operários e trabalhadores do setor produtivo faziam greve, mas professores e estudantes, quando queriam mudar o mundo, ensinavam e estudavam mais ainda.
Vinham de uma época na qual a docência era vista como sacerdócio leigo. Para minha mãe, de um culto cristão do amor aos pequenos. Para meu professor, de um culto iluminista de emancipação pelo saber.
Numa sociedade cada vez mais mercantilista e individualista, os professores “se conscientizaram” que esse sacerdócio era uma ilusão da ideologia capitalista. Somos – por que eu também sou um professor de hoje – apenas trabalhadores assalariados, que têm de lutar por seus direitos contra os desmandos do mercado capitalista.
Na verdade, tratam-se das duas dimensões do trabalho às quais aludia São João Paulo II na Laborem exercens. Em sua dimensão subjetiva, o magistério é uma daquelas profissões que exigem tal carga de doação pessoal que não podem ser vistas senão como sacerdócio. Na objetiva, é uma atividade assalariada como todas as demais, num mundo onde predominam o lucro e a exploração do trabalho.
O drama dos professores reside, na atualidade, na enorme contradição entre essas duas dimensões. Nossa dignidade pessoal passa pela dimensão subjetiva, mas também pelo reconhecimento objetivo, que se concretiza em salários e condições de trabalho.
Os docentes que mantêm esse valor subjetivo do magistério (que são a maioria), quando convocados para paralisações e greves ficam divididos entre esse senso de dever e a necessidade de ter suas reivindicações ouvidas e atendidas.
Um problema adicional: a educação dos menores é um serviço essencial até porque os pais que trabalham não têm onde deixar seus filhos durante as paralisações. E as paralisações em serviços essenciais tendem a criar mais hostilidade do que empatia com as categorias paradas.
O equilíbrio entre todos esses fatores é o desafio que se coloca ás lideranças dos movimentos docentes. A história recente traz exemplos tanto de sucesso quanto de fracasso na busca desse equilíbrio e, em consequência, no êxito do movimento.
Para os católicos, é um desafio e uma oportunidade. Sendo tanto empregados quanto empregadores, são chamados a encontrar as formas adequadas de conciliar essas duas dimensões do trabalho docente, enfrentando com criatividade os desafios do mercado e da conjuntura.
Não há boa educação sem bons professores. A sociedade precisa encampar as justas reivindicações dos professores e fortalecer os movimentos e organizações pró educação que vem crescendo no Brasil.
Em ano eleitoral, não custa perguntar: você vai votar em candidatos que de fato apoiarão os professores e a melhoria da educação?
Jornal "O São Paulo", edição 3201, 5 a 12 de junho de 2018.

Famílias e as misericórdias de Deus


Pe. José Ulisses Leva, Doutor em História Eclesiástica pela Pontifícia Universidade Gregoriana e professor da Faculdade de Teologia da PUC-SP.

Como as Famílias entendem o Anúncio de Cristo Jesus proclamando o Reino de Deus? O que sugeriu o Papa Francisco com o Jubileu Extraordinário da Misericórdia? Como nossas famílias devem prosseguir na vivência cotidiana tanto as resoluções do Sínodo Ordinário sobre as Famílias quanto as benesses oferecidas no ocorrido Ano da Misericórdia?
Dom Odilo P. Scherer tem nos orientado sobre as conclusões do Sínodo Ordinário sobre as Famílias, a partir da Exortação Apostólica Amoris Laetitia (AL), para o bem de nossas famílias; e, como pastor da Igreja em São Paulo, tem nos conduzido a buscar sempre na Misericórdia de Deus nosso eficiente itinerário de santidade de vida.
Aproveitando das belíssimas proposições do Papa, aprofundamos nosso bem querer às Famílias, Igreja doméstica, no desejo efetivo e operoso de torná-las uma porta aberta para a santidade querida por Deus. “Na realidade, o amor social, reflexo da Trindade, é o que unifica o sentido espiritual da família e a sua missão fora de si mesma, porque torna presente o querigma com todas as suas exigências comunitárias. A família vive a sua espiritualidade própria, sendo ao mesmo tempo uma igreja doméstica e uma célula viva para transformar o mundo” (AL 324).
As pessoas se alegram quando são acolhidas e bem recebidas na Igreja. Sentem-se parte integrante e fazem da Igreja a extensão da sua casa. Quando bem recebidas, também, sentem o desejo de transmitir aos outros o acolhimento à luz da Palavra de Deus. Assim, tornam-se portadoras da mensagem salutar do Evangelho de Cristo Jesus junto aos seus familiares e amigos, Acontece, portanto, a propagação e dilatação do Reino anunciado pelo Altíssimo Filho de Deus, Jesus Cristo, a todas as pessoas. “Eu quero amor e não sacrifícios, conhecimento de Deus e não holocaustos” (Os 6,6). “Não é a observância da lei que salva, mas a fé em Jesus Cristo, que, pela sua morte e ressurreição, traz a salvação com a misericórdia que justifica” (MV nº 20).
As pessoas estão carentes da mensagem salutar que encontramos nas passagens da Boa Nova trazida pelo Filho de Deus. Simultaneamente precisamos apresentar a Trindade Santa falando pessoalmente com cada membro que compõe a Igreja. As pessoas procuram Deus e querem encontrá-Lo. Precisamos oferecer a cada pessoa um encontro amoroso, acolhedor e misericordioso com Deus, para orientá-la a viver em comunidade.
A Igreja dever ser a porta aberta para acolher novos membros e ao mesmo tempo deve oferecer o conhecimento do anúncio querigmático contido no Evangelho da Alegria proclamado por Cristo Jesus. Momento privilegiado para falar de Deus e celebrar a vida com a Trindade Santa é a Santa Missa. Na Eucaristia vivemos o céu estando ainda da terra; vivemos o hoje saboreando e antevendo as delícias do Eterno.
O Papa Francisco tem apresentado com alegria suas expectativas pastorais à Igreja. Em tempos de Sínodo Arquidiocesano, Dom Odilo P. Scherer, tem se mostrado incansável no seu múnus de pastor junto à Igreja em São Paulo, vislumbrando as obras de Misericórdia.
As Sagradas Escrituras devem nortear as famílias, juntamente com os Documentos emitidos pelo para Francisco e as Orientações Pastorais Arquidiocesana promulgadas por Dom Odilo P. Scherer.  Seja, de fato, tempo de profunda alegria e operosa benesse a todas as famílias que vivem a proposta do Reino de Deus e praticam intensamente as obras de misericórdia.
Jornal "O São Paulo", edição 3201, 5 a 12 de junho de 2018.

A saúde na agenda da ONU 2030: Saúde e bem-estar para todos, em todas as idades


Leo Pessini

Na agenda do Desenvolvimento Sustentável da ONU 2030 (2015-2030), que substitui a agenda dos objetivos do Milênio (2000-2015), entre os dezessete objetivos para a transformação do mundo, o no. 3, é exclusivamente dedicado à saúde e tem como meta: “Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades”.  Os dados que apresentamos a seguir são dados oficiais da ONU.
No horizonte estratégico das prioridades a serem assumidas prevê-se para 2030:
1) Reduzir a taxa de mortalidade materna global para menos de 70 mortes por cem mil nascidos vivos.
2) Acabar com as mortes evitáveis de recém-nascidos e crianças menores de 5 anos, com todos os países objetivando reduzir a mortalidade neonatal para pelo menos 12 por mil nascidos vivos e a mortalidade de crianças menores de 5 anos para pelo menos 25 por mil nascidos vivos.
3) Eliminar as epidemias de AIDS, tuberculose, malária e doenças tropicais negligenciadas, e combater a hepatite, doenças transmitidas pela água, e outras doenças transmissíveis.
4) Reduzir em um terço a mortalidade prematura por doenças não transmissíveis via prevenção e tratamento, e promover a saúde mental e o bem-estar
5) Reforçar a prevenção e o tratamento do abuso de substâncias, incluindo o abuso de drogas entorpecentes e uso nocivo do álcool
6) Até 2020, reduzir pela metade as mortes e os ferimentos globais por acidentes em estradas.  Somente no Brasil, hoje temos anualmente em torno de 36 mil mortes no trânsito/estradas, com aproximadamente 350 mil feridos.
7) Até 2030, assegurar o acesso universal aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o planejamento familiar, informação e educação, bem como a integração da saúde reprodutiva em estratégias e programas nacionais.
8) Atingir a cobertura universal de saúde, incluindo a proteção do risco financeiro, o acesso a serviços de saúde essenciais de qualidade e o acesso a medicamentos e vacinas essenciais seguros, eficazes, de qualidade e a preços acessíveis para todos.
9) Até 2030, reduzir substancialmente o número de mortes e doenças por produtos químicos perigosos, contaminação e poluição do ar e água do solo.
a) Fortalecer a implementação da Convenção para o Controle do Tabaco em todos os países.
b) Apoiar a pesquisa e o desenvolvimento de vacinas e medicamentos para as doenças transmissíveis e não transmissíveis, que afetam principalmente os países em desenvolvimento, proporcionar o acesso a medicamentos e vacinas essenciais a preços acessíveis, proteger a saúde pública e, proporcionar o acesso a medicamentos para todos.
c) Aumentar substancialmente o financiamento da saúde e o recrutamento, desenvolvimento e formação, e retenção do pessoal de saúde nos países em desenvolvimento, especialmente nos países menos desenvolvidos e nos pequenos Estados ilha.
d) Reforçar a capacidade de todos os países, particularmente os países em desenvolvimento, para o alerta precoce, redução de riscos e gerenciamento de riscos nacionais e globais de saúde.
A agenda de trabalhos e prioridades é simplesmente gigantesca e exige esforços comuns de investimentos vultosos de todos os países e organizações afins.  Pelo menos metade da população mundial não tem acesso a serviços essenciais de saúde e as populações com acesso gastam grande parte do orçamento com despesas médicas.  De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 800 milhões de pessoas no mundo gastam 10% do que ganham com saúde e quase 100 milhões são obrigadas a viver com menos de US$ 1,90 por dia por conta desses gastos. "É completamente inaceitável que metade do mundo ainda não tenha cobertura para os serviços de saúde mais essenciais", disse Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, em nota.
No plano estratégico da OMS para os próximos cinco anos temos três mega prioridades a saber: “ver um bilhão de pessoas aproveitando os benefícios da cobertura de saúde universal”; “ver um bilhão de pessoas protegidas contra emergências de saúde”; e, por fim, “ver um bilhão de pessoas vivendo com mais saúde e bem-estar”.
Vamos acompanhar, não só para ver o que acontecerá, mas para que isto seja uma realidade.