terça-feira, 28 de novembro de 2017

As minorias estridentes

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Ives Gandra da Silva Martins é Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O ESTADO DE SÃO PAULO, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército - ECEME, Superior de Guerra - ESG e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região; Professor Honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia); Doutor Honoris Causa das Universidades de Craiova (Romênia) e da PUC-Paraná, e Catedrático da Universidade do Minho (Portugal); Presidente do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO - SP; Fundador e Presidente Honorário do Centro de Extensão Universitária - CEU/Instituto Internacional de Ciências Sociais - IICS.

A maioria esmagadora da população, no Brasil, acredita em Deus. É silenciosa, não tem acesso aos órgãos de imprensa, defende valores, abomina a corrupção, adota a visão familiar plasmada na Constituição e não aquela criada pela Suprema Corte, à margem da lei suprema, transformando sociedade civil de pares do mesmo sexo –o que é legítimo— em casamento, o que é juridicamente inconstitucional, por mais que o Supremo declare o contrário. 
Há todo um movimento, hoje, de “fundamentalismo ateu” orquestrado por uma minoria estridente que se infiltrou nos meios de comunicação, nos poderes constituídos e que se esconde atrás da expressão do “politicamente correto”. Assim, age este punhado de ativistas que pretende decidir o que é melhor para o país contra a imensa maioria da população silenciosa. 
Desta forma, a pronuncia de qualquer frase fora do contexto é suficiente para enxovalhar a honra de excelentes cidadãos, muito mais do que a corrupção deslavada e o pisoteio de convicções alheias. Basta dizer que, para tais desfiguradores da moral, é Arte tudo aquilo que possibilite os maiores atentados à cidadania, aos
valores da maioria da população e a Deus, não se admitindo qualquer contestação mais densa contra os desvios destes arautos da desconstrução moral. 
Tenho a impressão de que chegou o momento de a maioria silenciosa manifestar-se, opor-se a esta falsa democracia, em que a minoria que corrói valores impõe a sua visão desagregadora sobre a maioria do povo. Numa democracia, prevalece sempre a vontade da maioria, respeitados os direitos da minoria, mas jamais admitindo que tais direitos minoritários sejam impostos para silenciar as convicções da maioria da população, principalmente no campo da moral individual, familiar e coletiva. 
Temos que lutar para encerrar esta sufocante ditadura do pseudo “politicamente correto” e das minorias estridentes.
Jornal "O São Paulo", edição 3176, 23 a 28 de novembro de 2017. 

Irmãs gêmeas

Pe. Alfredo J. Jonçalves, CS

Há exatos 130 anos, em 1887, o Bem-aventurado Dom J. B. Scalabrini, bispo de Piacenza, norte da Itália, fundava a Congregação dos Missionários de São Carlos (Scalabrinianos). Quatro anos depois, em 1891, o então Papa Leão XIII publicava a Carta Encíclica Rerum Novarum, documento inaugural da Doutrina Social da Igreja. E outros quatro anos após, em 1895, o Bem-aventurado Dom Scalabrini, juntamente com a Bem-aventurada Madre Assunta e seu irmão, o servo de Deus Pwe. José Marchetti, fundavam a Congregação das Irmãs Missionárias de São Carlos (Scalabrinianas).
Essas três datas – 1887, 1891 e 1895 – fazem parte de um grande despertar da Igreja para com a condição socioeconômica e política das pessoas. Estamos no final do século XIX, século do movimento, segundo alguns historiadores. Movimento de pessoas e de novas máquinas, em pleno auge da Revolução Industrial. Esta, com efeito, traz avanços tecnológicos e revoluciona a visão da própria existência. Mas também abre feridas, desloca multidões e, numa grande onda de urbanização, provoca bolsões de pobreza nas cidades. Daí o nascimento de várias Congregações de caráter apostólico, sobretudo na segunda metade do século.
Juntando as figuras do Papa Leão XIII e do Bem-aventurado J. B. Scalabrini, constata-se algo que é muito mais do que uma mera coincidência. Ao novo despertar da Igreja para com a “questão social”, tema da Rerum Novarum, corresponde o despertar de Dom Scalabrini para com os emigrantes que, em massa, deixavam a Europa. Sensibilidade em dupla dimensão: enquanto o Papa se preocupa com a condição dos operários nas fábricas emergentes, o bispo de Piacenza solidariza-se com aqueles que sequer conseguiam emprego em seus países. Por isso, são obrigados a cruzar os mares em busca de novas oportunidades nas Américas. De 1820 a 1920, mais de 60 milhões de pessoas saem da Europa.
Em outras palavras, a intuição de Dom Scalabrini pela acolhida e solicitude para com os migrantes e prófugos nasce no interior da nova solicitudade pastoral da Igreja diante da condição concreta em que viviam os trabalhadores e trabalhadoras, devido às turbulências da Revolução Industrial. Disso resulta que a precupação sistemática da Igreja sobre a “doutrina social”, por um lado, e aquilo que se poderia chamar de “Pastoral dos migrantes”, por outro, são irmãs gêmeas.
São tempos que se abrem aos novos desafios da sociedade moderna, preanunciando o Concílio Vaticano II. Hoje, porém, passados 130 anos, as migrações tornaram-se mais intensas, mais complexas e mais diversificadas. Novos rostos passam a fazer parte dos fluxos migratórios. O fenômeno envolve atualmente quase todos os países do planeta, como lugares de origem, lugares de destino ou lugares de passagem – quando não os três ao mesmo tempo. A ONU estima em mais de 230 milhões o número de pessoas que vivem e trabalham fora do país em que nasceram, e em cerca de 25 milhões o número de refugiados.
Daí a insistência do Papa Francisco para com a abertura do coração, das portas e das fronteiras aos migrantes, prófugos e refugiados. “Construir pontes e não muros”, repete o pontífice diante das pessoas, das nações e dos meios de comunicação social. Ao por-se a caminho, os migrantes fazem marchar a história e a Igreja. Interpelam-nos a sair fora de si mesmos, de casa ou da sacristia. Através deles, o profeta itinerantes de Nazaré, nos chama igualmente ao caminho. tornar-se discípulos-missionários no universo dos migrantes, levando-lhes “o sorriso da pátria e o conforto da fé”, como lembrava Scalabrini.
Jornal "O São Paulo", edição 3176, 23 a 28 de novembro de 2017. 

Afinal, o que as pessoas desejam no final da vida?

Leo Pessini

A revista The Economist, em abril de 2017, em parceria com a Foundation The Henry J. Kaiser Family, publicou um interessante estudo intitulado: “Visões e experiências com cuidados médicos de final de vida no Japão, Itália, Estados Unidos e Brasil”. Destacaremos alguns dados que nos parecem essenciais, elegendo cinco questões que nos pareceram as mais emblemáticas:
Em se tratando de assistência e cuidados, o que você considera mais importante no final de sua própria vida?”  As respostas foram: a) prolongar a vida o maior tempo possível: Japão, 9%; EUA,19%; Itália, 13%, Brasil, 50%; b) auxiliar as pessoas a morrerem sem dor: Japão, 82%; EUA, 71%; Itália, 68% e Brasil 42%. Dado marcante observado no Brasil, foi que 50% dos entrevistados defendeu o prolongamento da vida pelo tempo o mais prolongado possível.  “Ao pensar em sua própria morte, o que considera ser de extrema importância?”
 As escolhas foram: a) não deixar a família em dificuldades financeiras: 59% no Japão e 54% nos EUA; b) estar em paz espiritualmente, 40% no Brasil; e c) ter a companhia de pessoas queridas por ocasião do processo de morrer, 34% na Itália. Aqui, merece destaque a afirmação “estar em paz espiritualmente”, atribuído a grande maioria dos brasileiros entrevistados.
“Sobre o prolongamento da vida no maior tempo possível”. Segundo dados da pesquisa, 50% dos brasileiros, quando estimulados a opinar sobre o final de suas próprias vidas, manifestou de maneira enfática o desejo de permanecer internado em UTI, enquanto nos EUA, na Itália e no Japão, as taxas foram inferiores, entre 9% e 19%, prevalecendo a escolha por cuidados paliativos e uma morte sem dor e sofrimento.
Cabe informar que diante dessa diferença os dados colhidos com entrevistados brasileiros consideraram os diferentes níveis de escolaridade: 51% daqueles com educação elementar manifestou-se favoravelmente ao prolongamento da vida e permanência na UTI, enquanto 53% dos portadores de nível secundário teve a mesma opinião e apenas 35% dos portadores de nível de ensino superior acolheu a tese do prolongamento indiscriminado da vida biológica.
4. “Morrer com menos dor, desconforto e sofrimento”
Considerando conjuntamente todos demais países estudados, a aprovação da medida foi acolhida por 41% das pessoas com educação elementar; 40% daquelas com ensino secundário e 58% das portadoras de formação universitária.  Em síntese, ao se tratar de doenças graves e incuráveis a maioria dos entrevistados, tanto no Japão, quanto na Itália e nos EUA, optou por receber cuidados que reduzissem a dor e que permitissem a companhia de familiares nos momentos próximos ao final da vida, em detrimento de procedimentos que proporcionassem o prolongamento artificial da vida.
Sobre quem deveria decidir sobre o tratamento médico a ser adotado em pacientes no final da vida”
Na média geral dos países, 57% considerou ser esta uma decisão de competência exclusiva dos pacientes e seus familiares, enquanto 40% optou pelas condutas definidas pelos médicos, e 2 % não soube responder. Destacamos a prevalência marcante da religiosidade entre os brasileiros, condição expressa no índice de 40% dos que consideraram “extremamente importante”, nesse momento da finitude da vida, “estar em paz espiritualmente”. Oito em cada dez brasileiros participantes da pesquisa (83%) evidenciou a importância que devotam às “convicções religiosas e espirituais”. 
Fica o gentil convite de a gente refletir sobre uma das questões mais importantes de nossas vidas. Como fomos cuidados para nascer, também necessitamos de cuidados ao partir! 

Sobre prêmios e empurrões

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Marcelo Musa Cavallari é escritor, tradutor e jornalista especializado em assuntos internacionais. Traduziu “O Livro da Vida de Santa Teresa D’Ávila” para a Companhia das Letras e escreveu “Catolicismo”, para a Editora Bella.

O prêmio Nobel de Economia de 2017 foi para Richard Thaler, um economista americano que, junto com o filósofo do direito Cass Sunstein, advoga o que eles chamam de “paternalismo libertário.” A ideia é deixar as escolhas com as pessoas - daí o libertário - mas “guiando-as” para o próprio bem de quem escolhe - donde o “paternalismo”.
Thaler é um dos pais da economia comportamental que, ao contrário do que diz a economia clássica, afirma que o homem, em suas interações econômicas, não é puramente racional. Influenciam suas escolhas todo tipo de sentimento, hábito, mania. Para restringir seu campo e torná-lo mais inteligível, a economia clássica criou a ficção do homo economicus puramente racional que busca sempre a melhor relação custo/benefício.
Thaler quer pôr de volta na equação a totalidade da escolha humana. O problema é que esse é exatamente o campo em que se dão as questões morais. Só pode ser certo ou errado moralmente, só pode ser pecado, aquilo que é passível de escolha. “Com base em descobertas bem estabelecidas da ciência social, mostramos que, em muitos casos, os indivíduos fazem escolhas bem ruins,” escrevem Thaler e Sunstein no livro Nudge. “Escolhas que eles não teriam feito se tivessem prestado completa atenção e possuíssem informação completa, habilidades cognitivas ilimitadas e completo auto-controle.” Thaler propõe, com a ajuda da psicologia e das ciências sociais, uma “arquitetura da escolha”, como ele mesmo a chama, capaz de “dirigir as escolhas das pessoas em direções que vão melhorar as vidas delas”.
Que nós fazemos escolhas ruins é uma obviedade. A teologia nos ensina que, depois da Queda, não temos completo autocontrole. Informação completa é algo que só cabe à mente de Deus. Não a temos nem como indivíduos nem coletivamente.
Thaler acredita que instituições privadas ou governos deveriam dar “empurrões”, tradução possível de nudge, para pessoas escolherem o que é melhor para elas. Pensa, portanto, que essas instituições ou governos têm informação completa e capacidades cognitivas ilimitadas para saber qual escolha as pessoas devem fazer para chegar aonde devem ir. E para saber aonde é que elas devem ir. Ser aquilo que se deveria ser, chegar aonde se deveria chegar, é a definição de felicidade de Aristóteles. A “arquitetura da escolha” faz as vezes de autocontrole e livre-arbítrio, na ideia de Thaler. A felicidade que ele concebe, portanto, no fundo não precisa da mais humana das características, a razão. Uma pessoa não precisa saber aonde vai nem por que escolheu o melhor caminho. Precisa apenas escolhê-lo e ir.
Evidentemente um tal conceito de felicidade, uma felicidade ao alcance de instituições privadas e governamentais, só funciona numa concepção que exclui qualquer transcendência, qualquer significado último da vida.
“Felizes os pobres em espírito, porque verão a Deus” diz Jesus no Sermão da Montanha. Ninguém verá Deus graças a uma “arquitetura da escolha”. Ao abandonar o mais modesto conceito de homo economicus, a economia comportamental leva a economia moderna de volta ao campo da filosofia moral da qual veio pouco a pouco se desligando desde Adam Smith. Volta, porém, sem filosofia nem moral, levando em conta apenas dados empíricos e descritivos de ciências e uma tecnologia social preocupada só com resultados. Não importa que os resultados sejam bons. Judas queria que a pecadora arrependida não usasse o unguento como gesto de reconhecimento de que, diante de Jesus, estava vendo Deus. Gostaria, talvez, de ter dirigido a escolha dela numa direção melhor para ela e para os outros: que o perfume fosse vendido e o dinheiro dado aos pobres. O resto é história.
Jornal "O São Paulo", edição 3175, 15 a 22 de novembro de 2017. 

O rico e o Lázaro

Wagner Balera é professor titular de Direitos Humanos na Faculdade de Direito da PUC-SP e conselheiro do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

Na impressionante cena do Juízo Final fica expresso o critério pelo qual seremos, todos, examinados (Lc 16, 19-31). Esse critério, resume e sintetiza São João da Cruz, é o amor. Pois precisamente do amor pelos pobres trata o conhecido relato de Jesus em que se colocam em confronto a situação da mais extrema pobreza e a da mais remata opulência.
É conhecida a primeira recomendação que um prelado emérito de nossa cidade fez ao Papa Francisco quando este foi elevado ao Sumo Pontificado: não se esqueça dos pobres. Tal critério elementar de compreensão foi adotado, agora mesmo, pelo Papa ao instituir o Dia Mundial dos Pobres que será comemorado, pela vez primeira, nesse dia 19 de novembro.
Na significativa mensagem que preparou para essa data o Papa afirma categoricamente: os pobres não são um problema!
Em verdade, os pobres desvelam que o problema está no acumulo de bens entre mãos do rico epulão. Este não quer repartir nem ao menos as migalhas que sobejam de sua rica mesa.
Por consequência, vai sendo criado o imenso abismo que a parábola explicita para depois da morte, mas que nós identificamos, claramente, na vida corrente. Abismo que também separa, como assinalou a Gaudium et Spes, os povos da fome dos povos da opulência.
Poderemos prosseguir convivendo com a brutal desigualdade econômica e social que confere a 1% da população mundial o mesmo tanto de bens que aos 99% restantes? Esses dados foram coligidos pela insuspeita OXFAM, entidade de grande prestígio internacional.
Em um dramático apelo, que bem pode ser considerado a verdadeira chave da questão social destes tempos pós-modernos, o Papa sublinha na Evengelii Gaudium:
A necessidade de resolver as causas estruturais da pobreza não pode esperar; e não apenas por uma exigência pragmática de obter resultados e ordenar a sociedade, mas também para a curar duma mazela que a torna frágil e indigna e que só poderá levá-la a novas crises.
Já há bastante tempo foi proposta uma solução preliminar, simples e prática, consistente no estabelecimento da TOBIN TAX, a ser cobrada em alíquota mínima sobre todas as transações financeiras internacionais, cuja inteiro aporte seria destinado à erradicação da pobreza.
Os povos da fome, notadamente os mais pobres, poderiam contar com substancial ajuda para projetos que, submetidos ao crivo de especialistas, cooperassem na superação da miséria e da opressão.
Enfim, o rico destinaria a migalha ao pobre e, quem sabe, não começaria a construir a ponte que lhe faria superar o abismo até agora criado.
Jornal "O São Paulo", edição 3175, 15 a 22 de novembro de 2017. 

Conhecimento e Acolhimento diante do Luto

Profa. Dra. Maria Aparecida Mazzante Colacicco é Psicóloga Clínica, PhD. Membro do Instituto BIO10 – Bioética & Desenvolvimento Social. mazzante@alumni.usp.br

A Morte é a única certeza das nossas vidas. Todos temos um encontro no Futuro, não sabemos como, onde e quando.
Freud (1916) diz que “o luto é uma reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade, o ideal de alguém e assim por diante”.
O Luto deve ser vivenciado e superado para que não seja considerado uma condição patológica na vida a quem foi arrebatado um ente querido.
O processo do Luto traz consigo mudanças temporárias no estilo de vida de quem o vivencia, tal como a perda de interesse pelo cotidiano e pelo convívio social. Sendo assim, deve ser respeitado e acompanhado por quem está perto do enlutado.
No exterior o conceito de Luto é bem mais desenvolvido do que no Brasil, somos um país mais novo do que a Europa, por exemplo, nunca tivemos Guerras e sim Carnavais!
Normalmente o Luto carrega consigo outras perdas, ou seja outras separações. Diante de uma perda, outros laços afetivos que partilhavam da vida do enlutado, são desfeitos, por vários motivos, desde mudança de casa, de bairro, de escola /faculdade, de trabalho, questões financeiras e outras vezes até mesmo requer a mudança de país.
Falaremos de uma forma geral sobre o Luto, para se ter uma noção do quanto ele é importante na vida de qualquer ser humano.
É necessário reforçar que o acolhimento deve sempre ser priorizado por quem está próximo do enlutado, para isso é primordial que a pessoa perceba que é capaz de acompanhar o outro, nem que seja estar perto, ainda que sem falar nada.
A morte é um processo interior, quanto menos palavras, melhor para que se possa vivenciar a dor e poder reelaborar os fatos que se seguirão.
Descreveremos brevemente a questão de luto para crianças e depois mais extensivamente em adultos.
As crianças em cada idade tem uma forma de reação e compreensão sobre o Luto, pois, antes dos 7 anos de idade, há a predominância do pensamento concreto e torna-se difícil o entendimento de tal acontecimento.
Após os 10 anos de idade, a criança começa a desenvolver explicações amplas, gerais, essenciais e lógica sobre a morte, reconhecendo-a como parte integrante da vida corporal. A oposição entre a vida e morte torna-se mais radical.
As reações de uma criança à morte de uma pessoa, especialmente se for um dos pais, são variadas e derivam de uma interligação entre vários fatores, idade, nível de desenvolvimento emocional e cognitivo, a proximidade afetiva em relação ao progenitor falecido e o sobrevivente.
Normalmente a vinculação da criança era maior com a mãe, hoje em dia sabe-se que o pai também ocupa um papel preponderante na vida do filho.
Sempre é importante que seja dita a verdade para a criança em qualquer idade e procurar ser um sustentáculo para que ela possa apoiar-se nos familiares mais próximos, nas amigas da escolas, famílias vizinhas e professoras. Deixar que possa falar a qualquer momento da perda e de seus sentimentos.
O Luto tem Fases, tem Tempo e tem formas variadas, para cada pessoa e também conforme a proximidade com o falecido.
As Fases do Luto, não necessariamente a pessoa passa por todas as fases e nem na ordem que será apresentada.
O Tempo do Luto pode ser extremamente variável, desde a proximidade com o falecido, até a raiva que em algumas vezes pode ser muito intensa.
Os Tipos de Luto são desde o Natural até o Traumático.
As Fases do Luto são:
Torpor: O indivíduo recentemente enlutado sente-se descrente, em choque, atordoado, desamparado. Trata-se da dificuldade de aceitar a perda.
Negação: Apresenta-se como um mecanismo de defesa frente a situação tão dolorosa, é uma forma de suavizar o choque.
Anseios: Crises intensas de choro e dor profunda, especialmente dor no coração e sentimento de vazio. A perda pode gerar um grande anseio de reencontrar a pessoa morta. A impossibilidade desse reencontro, cada dia mais real, produz uma sensação de segurar os pertences da pessoa, para poder tornar viva a sua lembrança. Isto pode prolongar um Luto desnecessário.
Culpa: Em muitos casos esse sentimento é muito presente, lembranças do que poderia ter feito diferente em relação à pessoa falecida, ou alguma coisa que poderia ter evitado a morte dela.
Raiva/ Desespero: Hostilidade/ falta de prazer, o enlutado se volta contra as pessoas próximas, contra amigos, familiares, médicos, Deus, de si mesmo. A pessoa pode temporariamente se afastar dos demais, não querer contato algum até digerir a dor.
Perigo: Em alguns casos é necessário um acompanhamento próximo da pessoa enlutada, porque pode fazer algo contra si mesma.
O Tempo do Luto:
Afeto: Como já foi mencionado acima, o tempo do luto varia de pessoa para pessoa e da ligação afetiva com o falecido. Ocorrem situações de boas lembranças do falecido, especialmente quando deixou carinho/amor para quem o conheceu ou viveu com ele.  Na ausência dele/a aparece intensa e dolorosa, embora tem várias constatações boas do relacionamento na vida passada.
Decepção: Podem surgir várias decepções com a pessoa que já se foi. Questões familiares que não foram resolvidas, ou que se apresentam como problemáticas, desde vínculos pouco afetuosos ou agressivos. Parte financeira comprometida em diversos níveis, bancos, família, amigos, sócios. Em seguida ao enterro podem ser descobertas coisas desagradáveis em relação ao falecido. Em geral são dificuldades que se somam na elaboração do Luto.
Processo: Quando o enlutado passa a construir um novo vínculo com a pessoa morta, passa a estabelecer a relação em outra dimensão, passa a entender que não terá nenhum encontro o que já morreu, até os verbos começam a aparecer no tempo passado. 
Sofrimento: diminui na medida que precisa dar conta das coisas que antes era o falecido que fazia. Passa a restabelecer algumas práticas de forma diferente e adequada ao momento atual, desde resoluções até encaminhamentos de coisas que ficaram por fazer.
Internalização: O indivíduo falecido passa a ser internalizado, dentro do mundo da pessoa enlutada.
Vínculos: O enlutado passa a procurar apoio e compreensão das pessoas amigas, familiares; retoma os vínculos antigos e procura construir novos.
Recaídas: Quando se aproximam datas significativas que lembram o falecido.
Superação: Quando o enlutado se insere de modo pleno nas atividades, é porque sua capacidade de suportar perdas foi aumentada e encontra-se mais amadurecido. Os Sentimentos não se esquecem permanecem depois de décadas, é uma vivencia do sofrimento, faz parte da história da vida da pessoa enlutada, porém se consegue falar, explicar, contar do ocorrido e seguiu a vida, pode-se dizer que é uma forma de superação.
Os Tipos de Luto:
Antecipatório para a própria pessoa e para a família, ainda em vida. Em geral ocorre após o Diagnóstico de uma doença grave. O paciente passa a viver no medo do que vai ocorrer, quando vai ocorrer e como vai ocorrer. Passa a rever planos que tinha, pode entrar em Depressão, ficar apático, triste, sem ânimo para as coisas das quais gostava, ou pode entrar em Mania, querer fazer tudo o que não conseguiu fazer até aquela época. Outros começam a se preparar para a finalização da Vida, sem maiores problemas para si e para os que o rodeiam. Querem se despedir das pessoas, procuram uma ajuda religiosa, caso ainda não tenham. É uma situação de adaptação vivenciada tanto pelo Paciente como pelos Familiares.
Ex: Doença de Alzheimer, algumas pessoas escrevem cartas como Ronald Reagan, pedindo desculpas por todo o trabalho que iria dar a sua família em função da proximidade da doença.
Outro exemplo foi o surgimento da Aids, que surgiu uma população de pessoas que sofrem com perdas múltiplas, bem como a ameaça a própria vida, muitas delas, ainda escondem a situação em que vivem e suprimem seus sentimentos de pesar e medo. É triste porque poderiam se apoiar nas pessoas que as ajudariam a ultrapassar o prolongamento de vida que hoje já existe em função do desenvolvimento dos medicamentos.
Luto de Amputação de Membros: Em geral ocorre tudo bem com a equipe médica, mas é nesse ponto que começam as dificuldades emocionais relacionadas com a vivencia do membro, que não tem mais, pode ser por doença, acidente e chamamos de micro-luto. Essas pessoas devem ser acompanhadas por familiares e profissionais médicos, psicólogos por um bom período de tempo, em função de se adaptarem com o que não existe mais e a nova adaptação na vida de outras maneiras para superarem o que tinham.
Luto de Pessoas Vivas
a) Separação: são situações que ocorrem na vida diante de uma perda por separação, em que a pessoa continua viva, mas não próxima. Ambas as pessoas perdem coisas, as histórias se modificam e cada um por processos semelhantes de dor e afastamento.
b) Aposentadoria: Quem não se prepara para tal na vida, quando se aposenta, parece entrar em um período de “férias”, porém em seguida percebe que não tem mais para onde voltar, caso não se prepararam para a mudança de atividade, podem cair em tristeza e arrependimento.
c) Brigas Familiares: Famílias que se davam bem, onde os avós, pais e agregados formavam um núcleo de afeto e amizade, de um momento para o outro, por conta de questões financeiras, heranças, vínculos que eram fortes se enfraquecem e acabam se destruindo.
d) Negócios: Sócios, ou famílias que por muito tempo tinham um empreendimento aparentemente sólido, acaba do dia para a noite, por desentendimentos e dívidas, que as pessoas se tornam inimigas.
Luto Natural: É um processo natural após uma perda significativa, a pessoa fica desorientada, sem chão, em alguns casos aparece uma forte dor no peito que é a expressão do vazio.
O psiquiatra Parkes (1998) tem vários estudos sobre o Luto e relata que o papel do médico, é explicar o luto normal e tranquilizar a pessoa sobre a normalidade do luto.
Em um mundo que espera que os médicos aliviem todo o sofrimento da humanidade, não é absurdo que as pessoas hoje procurem um médico quando estão enlutadas, em lugar de um religioso.
As pessoas procuram os médicos para encontrarem procedimentos mágicos para não sofrerem, e inúmeras vezes postergam o luto e este aparece mais tarde na vida, e mais difícil de ser elaborado, com mais sofrimento.
Luto Complexo: Às vezes o enlutado se fixa em algumas partes do processo do luto, como não consegue dar as roupas do falecido/a, nem mesmo mexer no espaço que pertencia ao outro, sendo assim, não consegue elaborar, ou seja, ultrapassar o luto e avançar para outra etapa do luto.
Luto Adiado: Ausência das reações normais que seriam necessárias frente ao ocorrido: choro, impacto de atordoamento. Há pessoas que vão expressar esses sentimentos após um longo período do ocorrido. A maior dificuldade dessas pessoas é que passam pelo luto sozinhas, porque todos já o vivenciaram no tempo real. Podem causar distúrbios emocionais sérios após um longo tempo do acontecimento.
Luto Inibido: O enlutado não demostra sinais de sofrimento e de perda. Ele não se permite vivenciar a realidade da perda. Retorna as atividades o mais rápido possível e ainda se acumula de outras tantas para não vivenciar o sofrimento. No íntimo a pessoa percebe que escapa, mas não quer entrar em contato com essa questão.
Luto Traumático: O confronto com a morte se deu de forma violenta. Esses eventos são permeados de terror, desamparo/ desespero, e são mais difíceis de serem superados. A vivência do ocorrido vem inúmeras vezes à cabeça do enlutado e sempre acompanhado do sentimento de terror e desespero. Especialmente se a pessoa foi assassinada ou cometeu suicídio, o Luto normalmente é mais demorado e impactante, por várias pessoas próximas e também por muitas que a conheciam. Estes casos são a contramão da Vida.
Luto Coletivo: Em geral é desencadeada por uma catástrofe natural (fenômenos da natureza, recentemente tivemos o furacão Irma na Flórida) ou provocada (grupos terroristas). Acompanha um profundo sentimento de angústia que abala a forma do nosso viver. Expõe a sociedade a sua vulnerabilidade, o mundo se torna um lugar imprevisível. Esse Luto é vivenciado por todas as nações, etnias e crenças.
Um dos exemplos mais assustadores que percorreu o mundo foi o terror que aconteceu nas Torres Gêmeas, na cidade de Nova York em 11 09 2001. Nesse local, todos os anos nesse dia, são acesos dois fachos de luz azuis para relembrar as vítimas.
O Luto pode trazer forças, assim como ossos quebrados que quase todos já tivemos, podem ficar mais fortes, porque foram mais fortalecidos para voltarem a dar conta do corpo, do que os que não foram quebrados. A experiência de enlutamento pode trazer fortalecimento e maturidade àqueles que até então foram protegidos por desgraças em sua vida.
A dor do Luto é tanto parte da vida quanto a alegria de viver; é, talvez, o preço que pagamos pelo amor, é o preço do compromisso.
Ignorar este fato, acontecimento, ou fingir que não é para dar tanta importância é cegar-se emocionalmente, de maneira a ficar despreparado para as perdas que irão ocorrer no decorrer de nossas vidas e também para ajudar ou outros a ultrapassar suas próprias perdas.

Referências:
Aires, P. – A História da morte no oriente – Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1997Bowlby, J. – Apego, perda e separação – São Paulo, Martins Fontes, 1985.
Freud, S.(1917) Luto e Melancolia, edição standard. Obras Psicológicas Completas, v.3. Rio de Janeiro, Imago (1976).
Kovacs, M. J. (org). Morte e Desenvolvimento Humano -Casa do Psicólogo (1992) (2).
Mendonça, N. L. B. O Luto como questão bioética. Dissertação apresentada à Universidade Católica Portuguesa em Braga-Portugal, para o título de Mestrado em Filosofia na área de especialização em Bioética. 2011.
Parkes, C. M. Luto: Estudos sobre a perda na vida adulta. (trad. Maria Helena Franco)- 3ª. Ed. São Paulo, Summus, 1998.
Stork, R.Y.;Echevarría, J. A. Fundamentos de Antropologia: Um Ideal de La Excelencia Humana. Eunsa- Universidade Navarra, 4 ed. 1999.

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

A iniciação cristã e o Sínodo Arquidiocesano

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte

Francisco Catão, teólogo com doutorado pela Universidade de Estrasburgo (França), foi professor no Instituto Pio XI e na Faculdade São Bento, autor de vários livros, tais como "O que é a Teologia da Libertação", "Em busca do sentido da vida" e "Espiritualidade cristã".

Pela primeira vez na história, a arquidiocese paulistana convoca um sínodo, no sentido canônico do termo. São Paulo assume assim uma posição pioneira. No momento em que o papa Francisco suscita, em toda a Igreja, um processo de sinodalidade, para enfrentar os grandes desafios de uma efetiva renovação, baseada nas propostas do Vaticano II, o Arcebispo de São Paulo nos convida a rever, comunitariamente, a prática evangelizadora de nossa arquidiocese.
No Brasil, a Conferência Episcopal acaba de publicar um itinerário para formar discípulos missionários, estabelecendo o roteiro da Iniciação à vida cristã (CNBB, Doc.107).
O episcopado brasileiro entende a iniciação cristã, “o catecumenato, como uma dinâmica, uma pedagogia, uma mística, que nos convida a entrar sempre mais no mistério do amor de Deus, um itinerário pedagógico que nunca acaba” (Doc. 107,56).
Sublinha, em particular, a importância da evangelização que lhe está na base, pois o anúncio de Jesus, o querigma, deve ser o ponto de partida de uma “progressiva introdução no mistério de Cristo, uma mistagogia, vivida na experiência comunitária” (Doc.107,60). Mistagogia que “nunca acaba” e que vale, portanto, não apenas para os novos membros da Igreja, mas para todos nós, que precisamos sempre nos alimentar do Evangelho, para sermos de fato cristãos no nosso modo de viver, edificando a Igreja.
Para ser cristão não basta ser membro da Igreja, saber o catecismo, praticar os mandamentos da Lei e receber os sacramentos de qualquer modo. Ser verdadeiramente cristão é agir como cristão em todos os momentos da vida pessoal e social, isto é, viver no Amor: cultivar a proximidade com Jesus no íntimo de nós mesmos e, em consequência, em todos os nossos relacionamentos pessoais e como cidadãos, agir como irmãos, na alegria do Evangelho e na liberdade.
As leis e as instituições são necessárias, mas a vida das sociedades, a começar pela Igreja, depende principalmente do espírito que anima as pessoas. Sendo que, na Igreja, Corpo de Cristo, esse espírito é o Espírito de Jesus, Espírito de Deus que em Jesus se manifestou, foi vivido e vive no Ressuscitado.
Eis porque não se pode reduzir a iniciação cristã à cultura religiosa ou até à teologia, nem à ação social ou política, por importante que sejam o saber e a vida humana, como o mostrou em profundidade Jesus, tendo vivido, como homem, em função do Reino de Deus, recomendando-nos que o buscássemos sempre em primeiro lugar, como fonte de sentido para toda nossa vida.
O Concílio Vaticano II, no seu projeto de renovação da Igreja, despertou-nos para a importância da evangelização, lembrando que ser cristão é agir, sempre e em todo lugar, segundo o Espírito de Jesus apoiando-nos uns aos outros, sendo Igreja, e abraçando a causa do Evangelho, a plena realização de todos os homens e mulheres como pessoas, na realidade de suas esperanças e de suas alegrias.
Que o Sínodo Arquidiocesano, de que somos todos chamados a participar, cada um na medida de sua própria responsabilidade como cristão, seja um momento de autêntica evangelização de nós mesmos, renovando-nos na alegria e na liberdade do Espírito.
Jornal "O São Paulo", edição 3174, 8 a 14 de novembro de 2017.

Checklist para a defesa da família

Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP

Num momento em que tanto se fala nas ameaças e na necessidade de defender a família, as exortações apostólicas Familiaris consortio (FC), de São João Paulo II, e Amoris laetitia (AL), do Papa Francisco, podem oferecer uma autêntica checklist para verificarmos se estamos realmente comprometidos com essa luta, vivendo-a integralmente. Sem querer resumir toda a riqueza desses documentos, podemos elencar os tópicos a seguir:
● Conhecer a situação e saber discernir a partir da sabedoria cristã (FC 4-8, AL 31-57): temos que entender os problemas com clareza, sem julgamentos esquemáticos ou ideológicos, deixando que a fé e a caridade orientem nosso agir.
● Reconhecer o desígnio de Deus sobre a família e vive-la nessa perspectiva (FC 11-15, AL 8-18, 58-88), pois não podemos deixar de perceber a graça que recebemos na família e a missão que daí nasce.
● Educarmo-nos para o amor e a comunhão conjugal (FC 18-21, AL 89-164, 205-230), pois nossa sociedade não prepara para o amor e a comunhão e esse despreparo é a razão de muitos casamentos falidos.
● Acolher a todos os membros da família, com suas necessidades, fragilidades e riquezas: a mulher (FC 22-24), o esposo (FC 25), os filhos (FC 26, AL 188-190), os anciãos (FC 27, Al 191-193), os irmãos e demais parentes (AL 194-198).
● Abrir-se para o dom da vida e a fecundidade, não perdendo de vista os sentidos unitivo e procriativo da sexualidade humana (FC 28-32, AL 165-186).
● Apoiar tanto com o ensinamento moral quanto por meio da acolhida concreta os cônjuges em dificuldade (FC 33-35, AL 231-258).
● Assumir a educação dos filhos família (FC 36-44, AL 259-290), sendo protagonistas naqueles âmbitos que mais competem à como a moralidade e a afetividade), mas também os acompanhando na vida escolar, na sociabilização entre amigos, etc.
● Contribuir, como família, para o desenvolvimento da sociedade, onde se destacam as obras em prol dos pobres e a hospitalidade (FC 44) e a luta pelo reconhecimento dos direitos da família (FC 46).
● Desenvolver uma autentica espiritualidade conjugal e familiar (AL 313-325).
Cabe a nós a pergunta: como, e até que ponto, nossas comunidades, paróquias e movimentos têm se engajado no trabalho a partir dessas proposições? A maior contribuição da Igreja para o fortalecimento das famílias é criar comunidades cristãs que formem bem e apoiem as famílias e seus membros. Se dermos esse testemunho para o mundo, o resto virá por acréscimo, nos tempos e desígnios de Deus.

Jornal "O São Paulo", edição 3174, 8 a 14 de novembro de 2017.

Amor por cada vida e por toda a vida: A renovada Pontifícia Academia para a Vida, do Vaticano.

Dalton Ramos

Em fevereiro de 1994 o papa São João Paulo II criou, contando com a colaboração do Servo de Deus, o médico geneticista Jérôme Lejeune, a Pontifícia Academia para a Vida, com sede no Vaticano, com o objetivo de estudar, formar e informar sobre a promoção dos valores da vida humana e dignidade da pessoa. DE 2003 a 2016 tive oportunidade de participar desta Academia como Membro Correspondente. Agora, em 2017, retorno tendo sido nomeado para um novo mandato de 5 anos.
As reformas efetivadas por Papa Francisco na organização da Cúria Romana chegaram à Academia, não se tratando só de um ajuste administrativo. Foram reformulados seu Regimento e também a sua composição; muitos membros tiveram seu mandato encerrado e novos foram nomeados.
Segundo os novos regimentos da Academia, a instituição tem a responsabilidade de promover a defesa da vida humana, sobretudo por meio da ciência. Desse modo, ela deve estudar os vários aspectos relacionados com os cuidados da dignidade dos indivíduos nas diferentes situações em que eles se encontram.
Para incentivar e difundir esse ideal, a Academia manterá contatos estreitos com instituições acadêmicas, lideranças religiosas, sociedades científicas e centros de pesquisa que trabalham com as várias questões relacionadas com o tema, informando-os sobre os resultados dos trabalhos realizados. Cabe a ela, portanto, conduzir estudos, numa perspectiva interdisciplinar, sobre os problemas correlatos à promoção e defesa da vida humana.
A primeira Assembleia Geral da Pontifícia Academia, já nessa nova composição, aconteceu no início de outubro deste ano, em Roma. Pelo Discurso proferido pelo Papa Francisco aos seus membros, que foi ao local onde a Academia se reunia, podemos entender muito mais o que se espera desta renovada organização.
Começou o Papa dizendo que é urgente intensificar o estudo e o confronto sobre os efeitos da evolução da sociedade. “Por conseguinte, a área da vossa consulta qualificada não pode limitar-se à solução dos problemas apresentados por específicas situações de conflito ético, social ou jurídico. A inspiração de condutas coerentes com a dignidade da pessoa humana diz respeito à teoria e à prática da ciência e da técnica na sua abordagem geral em relação à vida, ao seu sentido e ao seu valor”.
Refletindo sobre este desafio o Papa enfatizou que hoje a humanidade se encontra num momento de passagem da sua história, caracterizada numa cultura de um verdadeiro culto do ego, de sujeitos que olham continuamente no espelho a ponto de se tornarem incapaz de olhar para os outros e para o mundo e assim dilatam-se os territórios da pobreza e do conflito, do descarte e do abandono, do ressentimento e do desespero.
Neste contexto, declara o Papa, “a fé cristã impele-nos a retomar a iniciativa, evitando qualquer concessão à nostalgia e à lamentação. De resto, a Igreja dispõe de uma vasta tradição de mentes generosas e iluminadas que, na sua época, abriram caminhos para a ciência e a consciência. O mundo tem necessidade de fiéis que, com seriedade e alegria, sejam criativos e propositivos, humildes e corajosos, decididamente determinados a recompor a ruptura entre as gerações.”
A inspiração para esta retomada de iniciativa “é a Palavra de Deus, que ilumina a origem da vida e o seu destino” em uma época em que se apresenta uma verdadeira revolução cultural, e “a Igreja é a primeira que deve levar a cabo a sua parte”.
Antes de tudo, exortou o Papa, “trata-se de voltar a encontrar a sensibilidade pelas diferentes fases da vida, de modo particular pela idade das crianças e dos idosos.”
“É neste novo horizonte que vejo inserida a missão da renovada Pontifícia Academia para a Vida. Compreendo que é difícil, mas é também entusiasmante. Estou persuadido de que não faltam homens e mulheres de boa vontade, assim como estudiosas e estudiosos, de diferentes orientações no que se refere à religião e com diversas visões antropológicas e éticas do mundo, que compartilham a necessidade de chamar a atenção dos povos para uma sabedoria de vida mais autêntica, em vista do bem comum. Um diálogo aberto e fecundo pode e deve ser estabelecido com as numerosas pessoas que têm a peito a busca de razões válidas para a vida do homem.”
Na esteira do Magistério de Papa Francisco entendo esta nova fase da Academia como a oportunidade de testemunharmos, para o mundo, a beleza e o significado mais profundo da experiência do encontro com Cristo e do valor da vida humana também a partir do debate acadêmico no mundo. Uma Academia “em saída”, em direção as periferias existenciais que também existem entre os homens e mulheres da ciência, tal qual nos propõe o Papa deva ser no seu todo a “Igreja em saída”.
Rezemos para que sejamos dignos deste serviço.

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Famílias e comunidades propositivas

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

Como o ser humano é intrinsecamente livre e sujeito à contradição, “não fazendo o bem que quer, mas sim o mal que não quer” (cf. Rm 7, 19), suas instituições estão permanentemente em maior ou menor dificuldade. Com a família não é diferente. Pelo contrário, sendo a mais constitutiva e mais intima de nossa humanidade, é uma das que mais sofrem com as contradições e imperfeições nascidas da nossa liberdade.
Contudo, alguns contextos sociais são mais favoráveis ao fortalecimento das famílias e outros menos favoráveis – ou até mesmo hostis a elas. Não é preciso observar com muita atenção para perceber que a família, em nossa sociedade atual, encontra muitas dificuldades para se manter unida e capaz de cumprir sua missão.
Essa situação das famílias não deixa de ser paradoxal. Na teoria, no ocidente, ao longo do século XX, floresceu a liberdade para amar, a possibilidade dos jovens escolherem seus cônjuges cresceu, houve o reconhecimento de uma série de direitos sociais que deveriam melhorar a vida das famílias mais pobres. Na prática, a liberdade no campo afetivo não veio acompanhada do discernimento necessário para usá-la bem. Apesar do reconhecimento dos direitos, a jornada de trabalho dos pais continua excessiva e estafante e a fragmentação do tecido social enfraqueceu as famílias extensas e as comunidades tradicionais, deixando as crianças e os jovens mais solitários e desamparados.
Quem estuda os documentos recentes do magistério sobre esse tema, como a Familiaris consortio (1981), de São João Paulo II, o relatório do Sínodo dos Bispos, A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo (2015) ou Amoris laetitia (2016), do Papa Francisco, encontra tanto reflexões sobre a natureza desses problemas quanto indicações de soluções possíveis.
Nesse contexto, algumas reações à “ideologia de gênero”, ainda que justas e necessárias, correm o risco de se tornar um esforço para “enxugar gelo”: combatem as consequências de um processo de desestruturação da família e da personalidade, sem atacar de modo efetivo suas causas.
É inadmissível, por exemplo, a difusão de cartilhas que em nome de uma educação sexual liberal destroem a percepção da natureza intima da pessoa ou do vínculo indissociável entre a sexualidade e o amor. Contudo, é necessário reconhecer que grande parte das famílias já não têm critérios de discernimento claros nessas questões ou não sabem como transmitir seus valores para seus filhos.  As escolas são espaços de sociabilização e amadurecimento inevitáveis para os crianças e jovens – sua omissão no processo educativo pode levar a coisas ainda piores, como a absorção indiscriminada de valores e comportamentos divulgados pela mídia ou adquiridos “na rua”. Uma solução consistente passa, portanto, pela produção e ampla difusão de materiais formativos adequados, baseados nas características fundamentais da natureza humana e no vínculo entre amor e sexualidade.
Hoje, mais do que nunca, é necessário que as famílias sejam propositivas, capazes de apresentar os valores que as animam a seus filhos e amigos – não como normas que inibem a liberdade, mas como vias que levam à plena realização e felicidade da pessoa.
Para isso, as comunidades têm um papel fundamental. A família sozinha dificilmente consegue enfrentar a avalanche representada pelas ideologias e visões de mundo difundidas nas mídias, pelo distanciamento entre pais e filhos imposto pelo ritmo de trabalho em nossa sociedade.
Jornal "O São Paulo", edição 3173, 1o a 7 de novembro de 2017.

O Evangelho e a ampliação do conceito de cidadania

Ivanaldo Santos é doutor em filosofia e professor do Departamento de Filosofia do Programa de Pós-Graduação em Letras da UERN.

A cidadania tem início com a experiência da democracia na Grécia antiga. Depois dos gregos, a cidadania passa pela Idade Média, com as experiências dos construtores e dos conselhos paroquiais, para, após a revolução francesa, chegar à modernidade. Mas, entre os gregos antigos e a Idade Média a cidadania foi uma experiência de minorias, uma ilha dentro da realidade social. Na modernidade a cidadania ganha dimensão universal, chega a todos os grupos sócias, atinge ampla parcela da população.
Ela ajudou uma parcela considerável da população a participar da vida pública e da política, a ter acesso aos bens socioculturais produzidos ao longo da história. No entanto, a partir do período do pós-Segunda Guerra Mundial a cidadania moderna, produto, em grande medida, do iluminismo e da revolução francesa, passa a demonstrar sinais de cansaço, de exaustão. A cidadania, que antes empolgava os jovens e levava a participar da vida pública, passou a ser, em muitos ambientes, um mero conceito vazio, um conceito histórico. Parafraseando o filósofo Isaiah Berlin, é como se a cidadania tivesse entrado na sua pior fase, ou seja, virado apenas um capítulo no livro da história.
Esse percurso levou à ideia de que a cidadania está em crise e, necessita ser revisitada, revigorada.  O problema é que as primeiras décadas do século XXI apenas acentuaram o seu sentido de crise interna. Por toda parte vê-se ambientes de crise (crise econômica, crise dos refugiados, crise institucional, etc.) e não se fala numa postura positiva, empolgante em torno da cidadania.
Será que vivemos a morte da cidadania moderna?  É muito cedo para afirmar que ela está morrendo. No entanto, existe uma crescente consciência que é necessário reformar, fortalecer e ampliar o conceito e a noção de cidadania. Só assim será possível, dentro do plano legal e público, enfrentar os graves desafios enfrentados pelo mundo contemporâneo.
Um dos históricos problemas implantados pela cidadania moderna é que, desde o século XVIII, ela é essencialmente política. Com isso, o discurso e as práticas religiosas, incluindo o cristianismo, são percebidos como não integrantes da cidadania. Com isso, não se torna antirreligiosa, mas também não possui um forte engajamento e o enraizamento dentro das religiões.
Dentro do processo de repensar e ampliar a cidadania é necessário rever o papel das religiões na construção e efetivação do processo citadino. Não se trata de reduzir a cidadania a pregação religiosa ou então, de forma artificial, ficar procurando passagens nos Evangelhos que deem sustentação a alguma política de incentivo a cidadania. Pelo contrário, se trata, de um lado, de reconhecer o valor universal da fé e que, para resolver os graves problemas contemporâneos, é necessário uma postura de integração da religião dentro da cidadania. Do outro lado, é necessário reconhecer que o Evangelho tem muito a contribuir para a ampliação da cidadania. O Evangelho anuncia o “novo homem, fazendo a paz," (Ef 2, 15), um homem que, guiado por Deus, poderá fazer “novas todas as coisas" (Ap 21, 5). Além disso, anuncia o fim último do processo de cidadania, o qual é um lugar onde “não haverá mais morte, nem pranto, nem lamento, nem dor” (Ap 21, 4). A crise da cidadania passa pela ampliação dos espaços da vida pública. Neste sentido, o Evangelho tem muito a contribuir com a solução dessa crise.
Jornal "O São Paulo", edição 3173, 1o a 7 de novembro de 2017.

Porque devem nascer?

Elizabeth Kipman Cerqueira, médica ginecologista-obstétrica, especialista em Logoterapia, coordenadora do Departamento de Bioética do Hospital São Francisco, em Jacareí/SP.

Em abril de 2012, no Journal of Medical Ethics foi publicado o artigo After-birth abortion: why should the baby live?, de autoria dos professores universitários, Alberto Giubilini e Francesca Minerva (http://jme.bmj.com/content/early/2012/03/01/medethics-2011-100411.full). No Resumo afirmam: “[...] o que chamamos de aborto após o nascimento (matar um recém-nascido) deve ser permitido em todos os casos em que o aborto é permitido, incluindo os casos em que o recém-nascido não é deficiente”. Os autores advogam o direito dos pais, sobretudo da mãe, de matar o recém-nascido se não desejarem tê-lo consigo e que isso seria preferível a entregá-lo para adoção. Não levantam nem mesmo a hipótese de crianças que apresentem alguma deficiência serem mantidas vivas.
Mas, por que as crianças portadoras de deficiência ou com previsão de curto tempo de sobrevivência deveriam nascer? Viktor Frankl afirma que a vida sempre tem sentido porque a pessoa sempre pode realizar valores, e os distribui em três grupos. Criativos: correspondem à capacidade de trabalho e de ação; Vivenciais: se realizam na capacidade de desfrutar, viver, encontrar-se, amar; de Atitude: capacidade de suportar o sofrimento inevitável e de, pela atitude assumida, realizar o sentido escondido inclusive na dor.
Pode-se argumentar que os pais teriam a oportunidade de atitude heroica ao amar o filho deficiente até sua morte natural realizando valores do terceiro grupo, mas teria sentido a própria vida da criança se ela não poderia realizar nenhum valor e nem teria consciência de realizá-lo? Sim, cada criança, novidade absoluta, traz um sentido único que só ela pode realizar; traz uma vocação, não importa que viva entre nós uma hora ou 100 anos. Por isso, a primeira e mais excelsa das vocações é o próprio chamado à vida: ela pode desfrutar o amor, experimentar o encontro, a acolhida de uma maneira única, intransferível a qualquer outra pessoa e, assim, pode ensinar os pais a amar não para si, para realizar seus próprios sonhos, mas de forma plenamente humana e transcendente.
Não importa quanto a cultura do sistema financeiro considere inútil aquela vida. A Bioética Personalista ao centrar sua atenção no agente que realiza ação e naquele que a recebe, privilegia o conhecimento do verdadeiro e propriamente humano capaz de ultrapassar toda exterioridade, como ser único na natureza que se revela a partir de sua interioridade, em direção ao interior de outro ser humano, sem preconceito algum.
Justamente, numa sociedade que promove campanhas de doações, que apregoa a pluralidade, a inserção de todos, onde está o acerto e o erro? Como se identifica o Bem? Se impossível a partir de conceitos abstratos, que o seja pelas consequências. Ao desprezar o intocável mistério existente em todo ser humano, independente de sua aparente normalidade ou de seu estágio de desenvolvimento, corre-se o risco de se considerar perfeitamente ético matar crianças como se defende no artigo citado no início.

A Bioética Personalista afirma, portanto, toda dor física deve ser aliviada, e que o alívio da dor psicológica e existencial é aliviada quando a todo sofrimento inevitável, se dá a oportunidade de descoberta de sentido. 

O Ensino Religioso Confessional nas Escolas Públicas

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Daniela Jorge Milani é mestre e doutoranda em Filosofia do Direito na PUC-SP e advogada em São Paulo.

A recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade do ensino religioso confessional na escola pública reacende os acalorados debates sobre liberdade religiosa e Estado laico.
A ação direta de inconstitucionalidade promovida pela Procuradoria Geral da República pretendia excluir do texto do Acordo Internacional entre o Brasil e a Santa Sé (Decreto nº 70.107/2010) a expressão textual que garante a possibilidade de ensino confessional nas escolas publicas, lembrando que tem caráter facultativo.
Do entendimento da maioria dos Ministros fica clara a necessidade de resistir à onda laicista que, a pretexto da neutralidade estatal, pretendem excluir todos os traços de religião visíveis no âmbito publico da sociedade brasileira.
Destaque para o voto do Relator Ministro Barroso que afirmou que a escola pública não é escola de católicos, evangélicos ou judeus, e sim escola de “todos”! Ora, quem são “todos”? Não são exatamente os católicos, evangélicos, judeus e tantos outros? No coletivo se esconde o indivíduo, com suas crenças e valores. A pretensão é de diluir a individualidade.
Bem observou a Ministra Carmem Lúcia que o fato destas aulas serem facultativas implica em que sejam efetivamente religiosas, pois se fossem somente história ou filosofia das religiões deveriam estar, como estão em certa medida, no currículo obrigatório, ministradas por professores das respectivas áreas.
Pais ricos podem dar escola privada de confissão religiosa adequada as suas crenças. Podem escolher dar ou não aos filhos escola que ensina determinada religião. Pais pobres não têm esta escolha. Ficam à mercê do Estado. Retirar o direito ao ensino confessional, como muito bem colocado pelo Ministro Alexandre de Moraes, resultaria na imposição de uma “doutrina religiosa oficial”, criada artificialmente pelo Poder Público. Isso sim seria impensável!
Ainda, segundo o Ministro, é curioso que grupos que ajudaram minorias a conquistar espaço de expressão de suas ideias, inclusive fazendo inseri-las em currículo de ensino, pretendam impor censura à visão religiosa de mundo.
Evidente que se esconde por trás destas medidas judiciais “politicamente corretas”, a nada ingênua tentativa de ir dissolvendo os valores cristãos sobre os quais a sociedade brasileira se constituiu e ainda se firma. O problema, evidentemente, não é o ensino confessional, o problema é o ensino de valores religiosos que se opõem a certas ideologias oportunistas, que sob o belo argumento da busca da igualdade, da dignidade humana e da laicidade vão impondo conceitos nada belos e nada dignos às famílias brasileiras.
Se os princípios religiosos fossem os mesmos dos ora defendidos por essas minorias barulhentas, certamente a Procuradoria ingressaria com Ação para reconhecer a constitucionalidade do ensino confessional. Evidente que há um interesse ideológico por trás dessas medidas supostamente “modernizadoras” da sociedade.
A posição final do Supremo Tribunal nos faz respirar aliviados! E reforça o interesse de pais que desejam encontrar na escola freqüentada por seus filhos o reflexo da religião e dos valores que procuram ensinar em casa. Colégios católicos, ensinem a religião católica aos filhos que lhes são entregues, esta é sua missão. Eles já vão ter muitas influências de valores contrários ao de Cristo na sua vivência no mundo. Precisam de base forte para compreender porque ainda hoje Jesus Cristo é o Caminho para todos!
Jornal "O São Paulo", edição 3172, 25 a 31 de outubro de 2017.

Liberdade religiosa e o direito à educação religiosa

Ricardo Gaiotti é professor universitário, mestre em Teoria Geral do Direito e em Direito Canônico. Colaborador no Tribunal Eclesiástico de Aparecida.

A educação religiosa é um tema atual tanto para o desenvolvimento dos povos e o consequente fomento às liberdades individuais quanto para a proteção do direito fundamental da pessoa em defender suas crenças, de acordo com sua própria consciência.
A recente Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI 4.439), no qual o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o Ensino Religioso nas escolas públicas pode ter natureza confessional, isto é, que as aulas podem seguir os ensinamentos de uma religião específica. Neste julgamento foi considerado que a educação religiosa não é conflitiva com a laicidade do Estado.
Por outro lado, há de se destacar que a educação é um componente de suma importância para a formação dos homens, por isso, é um direito que não pode ser tolhido das pessoas. Nesse processo o dever de educar pertence, primariamente, à família e, para cumprir sua missão, ela conta com a ajuda da sociedade.
Neste sentido, a educação, além de ser um direito/dever dos pais ou a quem eles confiam, também conta com certos deveres e direitos que competem à sociedade civil. Porém, a finalidade da educação é a formação integral da pessoa, que atende ao fim último do homem: que ele se abra ao sentido da vida e desperte e avive nele a realidade de transcendência. Por consequência, também é uma função da educação a formação moral e religiosa.
Logo, a fundamentação da liberdade de educação deriva do direito à liberdade religiosa, pois acarreta o direito a receber um ensinamento religioso de acordo com as próprias convicções sociais e individuais. A atividade discente e docente que o Estado deve propiciar, bem como os demais direitos referentes à liberdade religiosa, deverá, ainda, respeitar e, dentro dos limites jurídico-institucionais, apoiar os centros de educação denominados confessionais.
Não por acaso, o direito internacional reconhece, amplamente, estas garantias jurídicas; a Declaração Universal dos Direitos Humanos aborda, em seu artigo 26, o direito à instrução – educação –, dando aos pais plenos direito na escolha do modelo de educação para seus filhos. Na mesma perspectiva, a Declaração dos Direitos das Crianças, em seu Princípio 7º (ONU, 2015), indica que são os pais os primeiros responsáveis capazes de nortear a educação e orientação de seus filhos.
O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que entrou em vigor no Brasil por meio do Decreto nº 591, de 06 de julho de 1992, confirma o poder dos pais na escolha dos meios referentes à educação dos filhos, afirmando que a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
Os Estados signatários desse Pacto se comprometem a respeitar a liberdade dos pais de escolher para seus filhos escolas distintas daquelas criadas pelas autoridades públicas, sempre que atendam aos padrões mínimos de ensino prescritos ou aprovados pelo Estado, e de fazer com que seus filhos venham a receber educação religiosa ou moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
O dever dos pais em educar seus filhos é um direito anterior ao do Estado e esse não pode suprimi-lo; além disso, ele tem o dever de protegê-los, com os meios necessários para que o estabelecimento deste direito não seja meramente formal, antes, real.
Jornal "O São Paulo", edição 3172, 25 a 31 de outubro de 2017.

Morte natural e meios artificiais de prolongamento da vida

Dra. Carolina C. Cervone, Advogada e Diretora do Instituto Bio-10.

A Medicina avança e oferece recursos cada vez mais sofisticados para prolongar a vida humana. Mas tais recursos, por vezes, limitam-se a retardar a morte, prologando a vida de modo precário e penoso. Estende-se deste modo o sofrimento, a dor e a angústia do paciente e da família. É o que na linguagem médica e jurídica se conhece por distanásia: tratamentos fúteis ou inúteis, desproporcionais, sem benefícios associados aos procedimentos, por vezes invasivos, que se podem empregar. Para evitá-lo, o Código de Ética Médica dispõe que o médico, diante de situações clínicas irreversíveis e terminais, pode prescindir de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários (art. 41, § 1° do Código de Ética Médica).
Evitar procedimentos desproporcionais não é o mesmo que omitir os recursos ordinários devidos ao paciente, como alimentação ou hidratação, provocando direta ou indiretamente a sua morte. Isto poderia caracterizar a eutanásia. Trata-se de lidar com a morte e com o sofrimento de um modo correto – a chamada ortotanásia – que implica uma abordagem humana e justa, para a qual convergem o direito e a medicina.
Sabemos que entre os desafios bioéticos está a humanização da dor e do sofrimento humano, mas para muitas pessoas a morte se apresenta como um “tabu”. Como consequência desta negação, pessoas que sofrem de doenças incuráveis, em estado terminal, são muitas vezes submetidas de modo até desumano a tratamentos extremos, no intento de postergar a morte a qualquer custo. Porém, ao invés de se prolongar artificialmente o processo de morte, convém considerar os meios para amenizar o sofrimento a lançar o mínimo de stress nesses momentos tão difíceis. O cuidado dos pacientes próximos ao período de óbito envolve diversas atitudes e compromissos, como garantir o controle da dor, assim como tender à integração de aspectos clínicos, psicológicos, e sociais - com a companhia, na medida do possível, dos familiares-, e espirituais. 
Vale mencionar o exemplo de São João Paulo II (BUZZONETTI, R. Deixem-me partir: o poder da fraqueza de João Paulo II. São Paulo: Paulus, 2006, p. 71-72), que propiciou a todos nós um vivo testemunho de equilíbrio entre saber cuidar da própria saúde e ter maturidade para viver bem seus últimos momentos:

 Na manhã de sábado, 2 de abril, pelas 7h30 foi celebrada a missa na presença do Santo Padre que já começava a revelar indícios, embora descontínuos, de comprometimento de seu estado de consciência. Pelo fim da manhã, registrou-se uma brusca subida de temperatura. Pelas 15h30, com voz fraquíssima e palavra estropiada, em língua polaca, o Santo Padre pedia: ‘Deixem-me partir para o Senhor’. Os médicos davam-se conta de que o fim estava iminente e que qualquer novo procedimento terapêutico agressivo teria sido inútil. Pelas 21h37 o Papa exalava seu último suspiro.