Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Ana Lydia Sawaya é professora da UNIFESP, fez doutorado em Nutrição na Universidade de Cambridge. Foi pesquisadora visitante do MIT e é conselheira do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
Quando vemos, por exemplo, as vicissitudes políticas desse
tempo e a falta impressionante de políticos que almejem o bem comum do povo,
mas também a grande desigualdade e violência, o crescimento do crime organizado
e do tráfico de drogas, percebemos que o Brasil precisa de uma evangelização
profunda que chegue à conversão dos costumes. Por que a vida de tantos cristãos
parece dividida entre o âmbito da religiosidade privada ou dominical e o âmbito
do mundo? Há uma longa história e um ambiente cultural que levam a essa
situação; mas o que nos interessa é saber como sair dessa cisão, pois nem
Cristo, nem os apóstolos, nem tampouco as primeiras comunidades, ou os cristãos
dos primeiros séculos, a viviam.
Uma das iniciativas que mais contribuem para vencer essa
dicotomia é a formação de comunidades de leigos que se encontrem periodicamente
para compartilhar uma educação permanente à fé. Essas reuniões já são
realizadas em muitos lugares, não só nas paróquias, mas também nas casas das
pessoas, em clubes, escolas e universidades, nos locais de trabalho, associações
de bairro, etc. Nessas comunidades os leigos compartilham a vida, compreendem
textos e obras que ajudam na educação à fé no cotidiano, no trabalho e na vida
de família como: as cartas e encíclicas da Igreja, a vida dos santos, a
história da Igreja, a Doutrina Social da Igreja, livros de espiritualidade. Nelas,
muitos aprendem, por exemplo, a oração da liturgia das horas, a meditação das
leituras da missa, a Lectio Divina ou
a reza do terço. São comunidades de amigos que, num caminho crescente de
maturidade de fé, podem chegar até a se aventurar na construção de obras
sociais, de associações da sociedade civil, realizando juntos atividades de
impacto social. E, porque não, a construção de empresas que vivam o trabalho de
acordo com os costumes cristãos.
Mas nem sempre esses grupos se tornam verdadeiras
comunidades de fé e vida, mas se perdem em aspectos que podem ter sua
importância, mas são secundários. O que dá início a uma experiência
comunitária, não é um discurso ou uma atividade comum, mas uma presença que se
impõe e que provoca nossa vida, abrindo-a à promessa de um “a mais”. É preciso,
portanto, o encontro na vida real com uma pessoa na qual a fé se expresse por
um jeito de ser, antes que de fazer. Alguém que viva a serenidade, a paz que
nasce da familiaridade com a oração. Que reconheça o Espírito presente e O
siga. Essa pessoa será uma verdadeira autoridade na medida em que valorizar
toda a riqueza que Deus desperta em qualquer pessoa que é verdadeira. Somente
se as pessoas se reconhecerem interpeladas por esta humanidade provocadora, é
que poderão viver a responsabilidade, ou seja, responder seriamente à vida. Mas
se numa comunidade, ou numa sociedade, não se vive isto, a responsabilidade se reduz
a obedecer passivamente às regras de uma organização, e se identifica a autoridade
com quem tem um projeto de poder ou com quem se vive um apego sentimental.
A construção de comunidades de leigos que vivam uma
verdadeira religiosidade no cotidiano, garantida por responsáveis que sejam
autoridades reais e não idolátricas ou meramente burocráticas é urgente, para que
a Igreja possa dar uma contribuição real para o incremento da liberdade e
crescimento do povo brasileiro.
Jornal "O São Paulo", edição 3109, 6 a 12 de julho de 2016.
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ResponderExcluirTenho esperança nos muitos grupos de leigos empenhados em constituir comunidades de vida, oração e ação. A evangelização contemporânea precisa se dar em vários níveis, desde o espiritual até o material, do educacional ao cultural e civilizacional.
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