segunda-feira, 23 de março de 2015

Época de mudanças ou mudança de época?

Igreja e sociedade na Campanha da Fraternidade 2015

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte

Evaristo de Miranda é diretor do Instituto Ciência e Fé, autor de vários livros, entre os quais "Eu vim para servir - comunidade, Igreja e sociedade" (Loyola, 2014) e "Vai entender esses católicos..."(Loyola, 2014) .

Neste início do século XXI, a sociedade brasileira não vive uma época de mudanças, como a que marcou as décadas de 60 e 70 e o final do século passado. Vivemos sim, uma mudança de época. Quais as características marcantes dessa mudança na sociedade? Como estão hoje as relações entre a Igreja e a sociedade? Esse será o foco da Campanha da Fraternidade 2015.
Sobre essa questão, um primeiro indicador está na religião praticada pelos brasileiros. A cada ano, uma parte significativa da sociedade abandona a Igreja católica, mesmo se permanece cristã. No último Censo do IBGE, a Igreja teve uma redução da ordem de 1,7 milhão de fieis (12,2%) em dez anos. Pela primeira vez, em 500 anos, o número de católicos caiu em termos absolutos. Com essa tendência, em 25 anos, católicos e evangélicos terão números iguais na população. Essa igualdade e até inferioridade numérica já é vivida pela Igreja católica em varias cidades e periferias urbanas.
Esse fenômeno ocorre em toda a América Latina, mas em nenhum país com a intensidade observada no Brasil. Em 1970, 91,8% dos brasileiros eram católicos. Em 2010, eles eram 64,6%. Os evangélicos passaram de 5,2% da população para 22,2%. A proporção de católicos é maior entre as pessoas com idade superior a 40 anos. Os evangélicos têm sua maior proporção entre crianças e adolescentes, o que indica também o envelhecimento da população católica.
Como a proporção de cristãos mantém-se a mesma na sociedade (86,8%), há uma clara migração social de católicos para as correntes evangélicas. O povo não se tornou ateu, nem deixou o Cristianismo. O divórcio é com a Igreja romana. A Igreja fez uma opção preferencial pelos pobres e eles pelas igrejas evangélicas.
Qual a responsabilidade da Igreja frente a esse processo de “perda de fiéis”? Esse aspecto reveste-se de uma forte dimensão quaresmal. Os católicos encontram essa mudança religiosa no seu cotidiano e acostumaram-se à pluralidade religiosa resultante no trabalho, na comunidade e nas famílias. Mesmo quando ela se traduz por atitudes agressivas em relação à Igreja. Como está o irmão que deixou a Igreja? O que essa mudança trouxe para sua vida? Onde está o teu irmão (Gn 4,9)? O que ele encontrou de crescimento e realização pessoal ou familiar nessa mudança de igreja? Ninguém responde. Poucos sabem.
A hemorragia de fieis é cotidiana. Mesmo assim, não há nem mobilização institucional visível face à retração social da Igreja, nem engajamento claro na busca de resultados efetivos para reverter tal situação e seus processos. E o rebanho segue diminuindo.
Os católicos podem ficar indiferentes a esse processo? A o quê estará reduzida a Igreja católica daqui mais 50 anos? Todas essas transformações no relacionamento Igreja - Sociedade suscitam muitas interrogações. Tratei desses processos no livro “Eu vim para servir – Comunidade, Igreja e Sociedade”, publicado recentemente pela Loyola. O processo de abandono da Igreja e de envelhecimento dos fieis prossegue e tende a acelerar-se. O fermento de justiça e fraternidade, que tantos documentos episcopais reivindicaram como essencial na ação da Igreja na sociedade, não tem sido capaz de fazer crescer a massa do pão católico. Haverá para a Igreja na Campanha da Fraternidade 2015 um tema mais relevante a ser debatido do que o declínio do número dos que aderem à fé católica?
Jornal “O São Paulo”, edição 3038, de 11 a 17 de fevereiro de 2015.

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