sexta-feira, 20 de março de 2015

O Brasil depois do primeiro turno

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte

Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo,
coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.


O desejo de mudança que se manifestou nos protestos do último ano e meio se refletiu na perda de cadeiras no Congresso dos grandes partidos no poder, que foram de modo geral para novos partidos.
Contudo, a taxa de renovação do Congresso foi pouco maior que a de 2010 (43 a 42%), os “políticos de sempre” se reelegeram e muitos candidatos entrarão por conta da “transferência dos votos” de candidatos muito votados do mesmo partido.
A política personalista (voto em quem eu confio) venceu a programática (voto nas ideias que defendo). Imaturidade política do eleitor? Talvez, mas também desconfiança e distância entre as lideranças mais ideológicas e o povo.
A população mostrou nas urnas que quer a manutenção das políticas sociais voltadas aos mais pobres, mas não quer grandes partidos assistencialistas, que têm dificuldade de melhorar a saúde, a segurança e a educação – ou que facilmente se enredam em escândalos de corrupção.
Está se consolidando uma “nova esquerda”, que rouba votos da esquerda tradicional e ganha expressão própria, numa dinâmica que já se anunciava nas eleições de 2010. A grande ameaça a esta esquerda tradicional reside na sua dificuldade em assimilar o novo que surge, pois isto a enfraquece em termos de alianças e de aceitação pelos jovens e nas grandes cidades.
Muitos analistas apontam para o crescimento da “ala conservadora” do Congresso, mas misturam dados econômicos (como ser empresário) com outros comportamentais (ser contra o aborto, por exemplo). Isso cria uma certa confusão.
O quer se vê, neste caso, é que numa sociedade pluralista e relativista, candidatos que defendem valores tradicionais – como a família – tendem a ser mais votados pela população.  Assim como a insegurança das periferias urbanas favorecem candidatos que defendem uma ação enérgica da polícia – ainda que pondo em risco os direitos humanos.
Novamente aqui o problema, para muitos, é a dificuldade de entrar na “alma popular” e compreendê-la, colocando realmente seus mandatos a serviço do povo e em sintonia com ele.
A sociedade brasileira sai mais polarizada e as diferenças estão mais acirradas? Apesar desta ser a impressão de muitos, uma análise cuidadosa dos dados históricos não evidencia isto.
A sociedade brasileira passa por um processo de amadurecimento político, que sempre é lento e cheio de contradições. O que estamos vendo é principalmente uma tensão que nasce da percepção de uma urgência de respostas diante do contexto atual – respostas que não são fornecidas com segurança por nenhum candidato ou partido.
Diante disto, tendemos a nos perder num confronto onde cada um quer, de forma até agressiva, se mostrar como certo e apontar o outro como errado.
Porém, a grande pergunta não é quem está certo ou quem está errado, mas sim como podemos fazer para construir juntos?
Todos os políticos eleitos deverão fazer este esforço de construir juntos o bem comum, atentos às reivindicações do povo, não colocando esquemas ideológicos ou interesses corporativos à frente das necessidades reais e das aspirações da população.
Mas também o povo, e particularmente nós, que já participamos ativamente da Igreja e de outras associações, somos chamados a construir uma sociedade cada vez mais protagonista e capaz de lutar pelo bem comum.
Jornal “O São Paulo”, edição 3023, de 15 a 21 de outubro de 2014.

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