segunda-feira, 23 de março de 2015

A presença dos cristãos em tempos difíceis

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte

Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo, 
coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

Durante os protestos contra o aumento das tarifas de ônibus, em 2013, um grupo de jovens de um movimento católico saiu de sua reunião e teve que atravessar a manifestação que ocupava a Paulista. A certa altura, o grupo entrou por uma rua lateral, percorrendo seu caminho, e notou que estava sendo seguido por uma pequena multidão de manifestantes, que pensavam que eles eram uma ala que fazia um caminho alternativo.
O padre que me relatou este episódio disse que naquele momento percebeu a responsabilidade de nós cristãos num momento difícil e conturbado como este que o Brasil atravessa.
Escândalos de corrupção, dificuldades no plano econômico que ameaçam também o social, deputados e senadores que parecem legislar em causa própria, crise hídrica ameaçando o abastecimento de água e energia... Um cenário que vai se tornando cada vez mais difícil, diante do qual parece difícil manter uma esperança razoável, levando ao ceticismo, ao conformismo ou à raiva.
No ano em que a Igreja reflete sobre sua relação e seu serviço à sociedade, é mais do que justo nos perguntarmos sobre nossa responsabilidade de cristãos diante do momento atual.
Em momentos críticos, as alternativas e esperanças verdadeiras não dependem de análises e ideologias, que podem até ser ferramentas úteis, mas não vão além disso. A capacidade de enfrentar e superar as dificuldades vem de acontecimentos que despertaram e despertam nossa humanidade, que nos fazem viver a solidariedade, fazer sacrifícios, construir na própria dificuldade.
Protestos e manifestações podem ter um grande impacto político, mas não ajudam a construir o novo se não refletem estes acontecimentos que despertam a humanidade e a solidariedade das pessoas. Sem esta base de construção, as forças se perdem e se desorientam, como os manifestantes que seguiram por uma outra rua só porque viram um grupo coeso entrar por ela.
Acontecimentos assim são cada vez mais raros numa sociedade individualista e consumista, mas são muito frequentes na vida da comunidade cristã – ao menos quando esta vive com sinceridade o mandamento do amor que Cristo nos deixou e procura ser uma presença na vida da sociedade.
São acontecimentos simples e que podem parecer até banais: a acolhida de alguém em necessidade, uma pequena obra social, um espaço de orientação humana e/ou espiritual, amizades sinceras e desinteressadas. O problema não é o tamanho do gesto, mas sim o quanto ele é um ponto de partida, um critério de juízo, que permite um outro olhar sobre a realidade – um olhar cheio de humanidade, solidariedade e desejo de construção.
Os cristãos não são nem melhores, nem mais inteligentes, do que os outros. Pelo contrário, somos iguais a todos. O que temos é um primeiro acontecimento, o encontro pessoal com Cristo, que tocou nosso coração e, a qualquer momento, diante de qualquer dificuldade, pode dar uma direção e um sentido à nossa existência, nas palavras de Bento XVI, na Deus caritas est, repetidas por Francisco em sua carta a Eugenio Scalfari (04/09/2013).
Mas este encontro, para se manifestar em todo o seu vigor, não pode ficar confinado a um limbo intimista. Ele tem que ser documentado em todos estes pequenos acontecimentos por meio dos quais a comunidade cristã pode irradiar, com humildade e sem pretensão, amor e esperança ao mundo. Daí nasce uma inteligência da fé que pode ser uma contribuição fundamental à sociedade brasileira atual.

Jornal “O São Paulo”, edição 3041, de 4 a 10 de março de 2015.

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