segunda-feira, 23 de março de 2015

Confiança: um meio de transformação social

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte

Ricardo Gaiotti Silva é advogado, juiz eclesiástico no Tribunal Interdiocesano de Aparecida, mestrando em Filosofia do Direito pela PUC-SP e mestrando em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade de Salamanca - Espanha.

Muito mais do que uma crise política, a sociedade brasileira vive uma crise de confiança. Este fato é mais sério do que se possa imaginar. Pense em uma mãe que não confia no médico do seu filho adoentado. Imagine descer a estrada de Santos – com suas curvas sinuosas – desconfiando da perícia do motorista. Exemplos assim nos levam a concluir: a desconfiança gera um estado de desespero e medo.
A confiança é geralmente relação entre “pessoas”. Há quem confia e aquele a quem é confiado. Há momentos em que confiamos, outros em que alguém confia em nós. Porém, queremos ser dignos de confiança, mas estamos demasiadamente feridos para depositar nossa confiança; consequentemente, este fluxo de relação fica “engarrafado” – quem vive em São Paulo sabe muito bem o peso desta palavra.
Quando não confiamos, começamos a medir tudo simplesmente por meio dos nossos conceitos e preconceitos. Passamos a ser nós mesmos o critério da justiça, da verdade, da beleza, etc.
O exemplo de “Narciso” – personagem da mitologia grega – ilustra bem o perigo da “fantasia” da autoconfiança. Ele, apaixonado por si mesmo e sua imagem, acabou morrendo afogado no lago quando contemplava o reflexo de sua “perfeição”.
O escritor inglês G. K Chesterton, em sua obra Ortodoxia, afirmou: “os homens que realmente acreditam em si mesmos estão todos em asilos de lunáticos” /.../ “Toda autoconfiança não é simplesmente um pecado, total autoconfiança é uma fraqueza”.
Trato essas questões para apresentar o que para mim é o centro dos problemas sociais, econômicos e políticos em nosso país: a crise de confiança.
Não temos confiado nas pessoas, mas temos confiado demasiadamente em nós mesmos. Parece um absurdo, mas a autoconfiança desmedida, ao invés de gerar coragem, proporciona medo e desencontros. Como consequência, temos criado verdadeiramente espaços “engarrafados”, pois, “encantados” com nossa autoconfiança, estamos cada vez mais em uma sociedade de pessoas egoístas, fracas e tristes.
O remédio é a confiança!
A confiança caminha lado a lado com a solidariedade e com o senso de responsabilidade social, pelo simples fato de que não fomos criados para vivermos isolados, sendo nós mesmos a medida do que é bom, justo e belo.
A decisão corajosa de confiar, de se colocar a serviço dos outros, é capaz não somente de transformar os homens, mas também toda a sociedade. Cabe às pessoas de boa vontade o dever de testemunhar a confiança e a solidariedade.
Urge a manifestação dos homens de bem!  
Enfim, o fato é que, ao tomarmos consciência que nossos atos, nossa vida tem uma dimensão maior do que simplesmente a dos interesses pessoais, tudo muda, passamos a viver mais leves, sóbrios, seguros, contudo é preciso desprender-se das amarras do isolamento e caminharmos para a solidariedade, pois a confiança é um ato de coragem!
Se queremos um país mais justo, honesto, fraterno, solidário, o segredo é romper com a “fantasia” do amor próprio, da autoconfiança desmedida e colocarmos em prática uma velha regra que tem sido uma diretriz para a justiça: “Tudo aquilo que quer que os outros vos façam, fazei vós a eles (Mt 7,12)”, sendo nós mesmos o instrumento de mudança social. Que tal confiarmos?  
Jornal “O São Paulo”, edição 3043, de 18 a 24 de março de 2015.

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