segunda-feira, 3 de agosto de 2015

O problema não é a televisão

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Dalcides Biscalquin é mestre em Comunicação, licenciado em Filosofia e bacharel em Teologia, foi gerente de marketing da TV Cultura e diretor-presidente da Editora Salesiana. Apresenta diariamente o programa "Tribuna Independente" na Rede Vida de Televisão.

 Os apocalípticos anunciam o entardecer da televisão. Segundo eles, estaríamos prestes a mergulhar num universo tecnológico fundado em novas mídias. Por outro lado, há os que sustentam que o universo televisivo ainda está em expansão e terá vida longa.
De qualquer forma, a certeza que parece indiscutível é que o imaginário humano continuará buscando caminhos e modalidades para reencantar sua visão de mundo. E aqui encontra-se o fascínio da era da imagem. Num mundo marcado pela opressão, pela violência, pela insegurança econômica, pela solidão urbana, pelo abandono de valores, o espetáculo da imagem parece ter o seu papel muito bem definido.
A ele compete assumir o lado das massas, inclusive para garantir os bons índices de audiência. Embora esteja a serviço de interesses díspares, a televisão brasileira encontra seu ponto unificador ao resgatar a possibilidade do sonho, ao se fazer presente onde a carência humana grita silenciosamente. Ela invade os espaços deixados por uma escola que não conscientiza, por uma família que não dialoga, por uma política que não inspira credibilidade.
Não são poucos os que depositam a confiança de justiça nesse nosso país às investigações paralelas protagonizadas por determinados veículos de comunicação. Não são desprezíveis os números que mostram que a população brasileira tem acesso à informação quase que exclusivamente pelos noticiários televisivos. O problema é que, nesse universo, quase tudo é transformado em show. Basta ver que algumas emissoras se especializam na exploração da violência.
Por que o interesse do público nesse tipo de programação? Talvez por levar o telespectador, mesmo que por um tempo curto, a deixar a escala pessoal do sofrimento e a ter um pseudoconforto no encontro da dor coletiva ou da dor alheia. Tudo tende a se transformar em espetáculo. As críticas à situação econômica, aos órgãos governamentais, as denúncias de corrupção, tudo vem imerso numa pluralidade de assuntos amenos e entremeados por comerciais encantadores. Basta ver o sucesso das telenovelas.
Um povo que não tem acesso aos livros encontra de alguma forma quem lhe conte histórias. Tudo muito previsível e comum. Nada que exija muito esforço intelectual. E a busca do final feliz parece ser sempre uma exigência categórica. Parece uma compensação imaginária diante do descompasso do mundo real.
No entanto, não consigo ver a televisão ou a sua pobre programação como a grande vilã social. Culpar a televisão pela destruição das instâncias pedagógicas e educativas, pela demolição dos valores morais, pelo aumento da violência, no meu ponto de vista, é errar o alvo. É atacar o problema na sua exterioridade e desconhecer as causas mais profundas. Mais do que brigar com a indústria do imaginário é preciso brigar com a realidade.
O problema não é a ficção, mas o cotidiano, a estrutura social, a falta de perspectivas. A televisão não é o problema, é apenas a ponta do iceberg. Portanto, banir a televisão ou seus programas considerados nocivos e deixar as estruturas geradoras de atrocidades intactas é, no mínimo, ingenuidade.
Jornal "O São Paulo", edição 3059, de 08 a 14 de julho de 2015.

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