segunda-feira, 3 de agosto de 2015

No caos grego, é preciso justiça e solidariedade

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Antonio Carlos Alves dos Santos é professor titular de Economia na Faculdade da PUC-SP e conselheiro do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

O plebiscito de 5 de julho, foi mais um capítulo na longa e emocionante novela em que se transformou a relação entre a Grécia e a chamada troica: Banco Central Europeu (ECB), Fundo Monetário Internacional e Comissão Europeia. A vitória esmagadora do não à última proposta de socorro apresentada pela troica foi uma surpresa para a maioria dos políticos europeus e os coloca em mares nunca navegados.
A situação delicada em que se encontra a economia grega é o resultado da irresponsabilidade da sua elite política que sempre gastou mais do que arrecadava e chegou ao desplante de forjar os dados sobre a sua real situação fiscal. O mercado sabia que as estatísticas oficiais gregas não eram um primor, mas nem por isto os bancos europeus, principalmente alemães e franceses, deixaram de emprestar à Grécia. Quando o governo grego, expos a real situação das finanças públicas do país, esses bancos ficaram em situação de fragilidade e, caso a Grécia der o calote, os contribuintes alemães e franceses é que pagarão a conta.
A elite política grega foi, sem dúvida alguma, irresponsável e a ela cabe a maior parcela da culpa pelo desastre grego, mas os seus credores, particularmente estes bancos, também tem culpa no cartório. Ambos, no entanto, saíram ilesos e repassaram a conta para a população de baixa renda grega, em uma manobra que entra para a longa lista da conhecida prática de lucros privados e prejuízos socializados.
O primeiro socorro à Grécia foi, na verdade, um socorro aos bancos franceses e alemães. O governo grego recebeu recursos financeiros para honrar as dívidas que tinha com esses bancos e permitir que eles ganhassem tempo para reduzir a sua exposição no mercado financeiro grego. Os ricos países do norte europeu, aproveitaram a oportunidade para obrigar o governo grego a implementar reformas estruturais importantes como privatizações, mudanças na aposentadoria, redução do número de funcionários. Em outras palavras, em troca dos recursos necessários para salvar os bancos, a população grega foi obrigada a aceitar uma dose cavalar de medidas de austeridade que resultaram em queda brutal do produto interno bruto (PIB), aumento do desemprego e da pobreza.
O segundo socorro insistiu em medidas de austeridade, sem oferecer nenhuma contrapartida que beneficiaria a maioria da população. Criou o ambiente propicio ao fortalecimento político de partidos com posições extremas à direita e à esquerda. A vitória eleitoral do Syriza ocorreu justamente, em um momento em que, pela primeira vez, em anos, a Grécia estava arrecadando mais do que gastava. Isto, apesar do governo não ter implementado várias medidas de reformas estruturais demandadas pela troica. É preciso reconhecer que tais medidas eram e são necessárias para tornar a economia grega mais eficiente e competitiva.
O Governo liderado pelo Syriza, infelizmente, optou pelo caminho mais fácil de reversão de políticas que haviam permitido o aumento na arrecadação fiscal e que, com as devidas correções, poderiam colocar a Grécia no caminho do crescimento sustentável com justiça social. Ele acertou, no entanto, em demandar a redução na dívida grega com os credores, assim como na sua reestruturação.
A forte oposição liderada pela Alemanha à redução e reestruturação da dívida grega é um comportamento triste, exemplo de memória seletiva: esquece que mais da metade da sua dívida foi perdoada em 1953. Essa medida e os recursos do Plano Marshall criaram as condições necessárias para o famoso milagre econômico alemão.
Jornal "O São Paulo", edição 3060, de 15 a 21 de julho de 2015.

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