Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Quem lê na imprensa
os comentários à atuação do Papa Francisco, como por ocasião da publicação da
Laudato si’ ou de sua recente viagem pela América do Sul, encontra em muitos
casos uma posição curiosa: “Falemos bem do Papa e mal da Igreja”. Críticos
tradicionais da Igreja elogiam o Papa como se ele fosse um ponto totalmente
fora da curva, como se dissessem: ESTE papa é bom, mas o resto da Igreja
continua sem merecer consideração.
É difícil falar do catolicismo, porque é falar de nossa
infância, de nossos pais, de nossa história. Mesmo na sociedade brasileira, já
bastante secularizada, diversos temas – como as demandas da comunidade LGBTI, a
educação dos jovens ou os problemas de segurança pública – remetem, ainda que
por oposição, ao Catolicismo. E a força com que parcelas da sociedade tentam se
afastar do catolicismo reafirma paradoxalmente o quão fundamental ele é na
formação e na visão de mundo dos brasileiros, o quanto nos influenciou e o
quanto está impregnado em nós.
Se cada um deseja ou não seguir esta fé é uma outra questão,
mas interessa a toda a sociedade civil que o debate seja feito com honestidade.
Pois, sejamos católicos ou não, o catolicismo é um dos fundamentos, talvez o
principal, da formação do povo brasileiro. Compreender o Catolicismo de forma
clara, sem reducionismos ou preconceitos, é compreender grande parte da própria
gênese do nosso povo, de nossa cultura, é parte importante do conhecimento
sobre nós mesmos.
A mídia pouco fala nisso, mas um grande número de pessoas se
converteu ao Catolicismo nas últimas décadas. Podem ser não católicos que se
batizaram ou, mais frequentemente, batizados que descobriram sua fé. Aos poucos
vão descobrindo a beleza e a riqueza humana e cultural da mensagem cristã.
Descobrem que se houve conflitos com Galileu, o Padre Lamaître no início do
século XX foi o precursor da Teoria do Big Bang, que Mendel, pai da genética
era um monge, que a geologia teve importantes contribuições do Padre Nicolau
Steno. Vão descobrindo catedrais e obras de arte feitas há séculos que as
grandes multinacionais de hoje, mesmo com mais recursos e tecnologia, não
conseguem imitar. Descobrem que no período colonial os missionários, tão
acusados hoje em dia por sua atuação junto aos índios, foram seus grandes
defensores, enquanto governos e pensadores “laicos” permitiam e justificavam
sua escravização e a expropriação de suas terras. Descobrem que a Igreja vai
muito além da tríade do mau, inquisição-cruzadas-venda de indulgências,
repetida ad nauseam no ensino médio e, não raro, de forma rasa e descontextualizada.
Não conhecendo a doutrina e a história do povo cristão em
sua riqueza e sua humanidade, o mundo de hoje confunde os erros de alguns
cristãos com os valores que iluminaram e humanizaram nossa sociedade. Como se a
culpa do mensalão fosse dos valores democráticos e todos os que militam pela
democracia fossem culpados pela corrupção. Papa Francisco não é uma estrela
solitária em um céu escuro e sem brilho. É o fruto providencial de uma história
tanto de mártires heroicos quanto de santos do cotidiano. Ele é um cristão que
“segue a Igreja”, como ele mesmo disse aos jornalistas no voo de retorno da
América do Sul.
Papa Francisco é o líder mundial mais respeitado da
atualidade. Mas não há Papa Francisco sem toda a Igreja Católica, com toda a
sua santidade e todos os pecado de seus filhos.
Jornal "O São Paulo", edição 3061, de 22 a 28 de
julho de 2015.
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