segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Francisco, a Igreja e a mídia

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Rodrigo Araújo Ferreira é economista e professor universitário. Participa do grupo Coração Novo para um Mundo Novo, dedicado ao trabalho integrado entre movimentos e novas comunidades na perspectiva de uma maior presença cristã na vida pública.

 Quem lê na imprensa os comentários à atuação do Papa Francisco, como por ocasião da publicação da Laudato si’ ou de sua recente viagem pela América do Sul, encontra em muitos casos uma posição curiosa: “Falemos bem do Papa e mal da Igreja”. Críticos tradicionais da Igreja elogiam o Papa como se ele fosse um ponto totalmente fora da curva, como se dissessem: ESTE papa é bom, mas o resto da Igreja continua sem merecer consideração.
É difícil falar do catolicismo, porque é falar de nossa infância, de nossos pais, de nossa história. Mesmo na sociedade brasileira, já bastante secularizada, diversos temas – como as demandas da comunidade LGBTI, a educação dos jovens ou os problemas de segurança pública – remetem, ainda que por oposição, ao Catolicismo. E a força com que parcelas da sociedade tentam se afastar do catolicismo reafirma paradoxalmente o quão fundamental ele é na formação e na visão de mundo dos brasileiros, o quanto nos influenciou e o quanto está impregnado em nós.
Se cada um deseja ou não seguir esta fé é uma outra questão, mas interessa a toda a sociedade civil que o debate seja feito com honestidade. Pois, sejamos católicos ou não, o catolicismo é um dos fundamentos, talvez o principal, da formação do povo brasileiro. Compreender o Catolicismo de forma clara, sem reducionismos ou preconceitos, é compreender grande parte da própria gênese do nosso povo, de nossa cultura, é parte importante do conhecimento sobre nós mesmos.
A mídia pouco fala nisso, mas um grande número de pessoas se converteu ao Catolicismo nas últimas décadas. Podem ser não católicos que se batizaram ou, mais frequentemente, batizados que descobriram sua fé. Aos poucos vão descobrindo a beleza e a riqueza humana e cultural da mensagem cristã. Descobrem que se houve conflitos com Galileu, o Padre Lamaître no início do século XX foi o precursor da Teoria do Big Bang, que Mendel, pai da genética era um monge, que a geologia teve importantes contribuições do Padre Nicolau Steno. Vão descobrindo catedrais e obras de arte feitas há séculos que as grandes multinacionais de hoje, mesmo com mais recursos e tecnologia, não conseguem imitar. Descobrem que no período colonial os missionários, tão acusados hoje em dia por sua atuação junto aos índios, foram seus grandes defensores, enquanto governos e pensadores “laicos” permitiam e justificavam sua escravização e a expropriação de suas terras. Descobrem que a Igreja vai muito além da tríade do mau, inquisição-cruzadas-venda de indulgências, repetida ad nauseam no ensino médio e, não raro, de forma rasa e descontextualizada.
Não conhecendo a doutrina e a história do povo cristão em sua riqueza e sua humanidade, o mundo de hoje confunde os erros de alguns cristãos com os valores que iluminaram e humanizaram nossa sociedade. Como se a culpa do mensalão fosse dos valores democráticos e todos os que militam pela democracia fossem culpados pela corrupção. Papa Francisco não é uma estrela solitária em um céu escuro e sem brilho. É o fruto providencial de uma história tanto de mártires heroicos quanto de santos do cotidiano. Ele é um cristão que “segue a Igreja”, como ele mesmo disse aos jornalistas no voo de retorno da América do Sul.
Papa Francisco é o líder mundial mais respeitado da atualidade. Mas não há Papa Francisco sem toda a Igreja Católica, com toda a sua santidade e todos os pecado de seus filhos.
Jornal "O São Paulo", edição 3061, de 22 a 28 de julho de 2015.

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