segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Compartilharmos nossas esperanças mais do que a nossa indignação




Marcos Gregório Borges é filósofo e um dos fundadores do grupo Coração Novo para um Mundo Novo dedicado ao trabalho integrado entre movimentos e novas comunidades na perspectiva de uma maior presença cristã na vida pública. Participa como colaborador nas atividades do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

O Brasil vive uma gravíssima crise política, com um dos maiores escândalos de corrupção de nossa história. O país atravessa uma recessão econômica, tendo que suportar um duro ajuste fiscal. Entretanto, talvez nos cause maior perplexidade vermos o governo e o congresso nacional, diante deste difícil cenário, travarem uma terrível queda de braço por poder, onde interesses pessoais se sobrepõem ao bem comum.
Diante desta situação, nos sentimos indignados, queremos fazer alguma coisa, desejamos que algo aconteça, que justiça seja feita. Assaltam-nos perguntas do tipo: O que temos que fazer? O impeachment é a solução? E a reforma política? Precisamos de novas lideranças, mas onde elas estão? Afinal de contas, qual é o meu papel em tudo isso? Eu posso fazer alguma coisa? E o que eu fizer, vai resolver alguma coisa?
As manifestações contra o governo, no domingo, 16 de agosto, mesmo que não tenham sido tão grandes como as de 15 de março, foram um sinal claro de insatisfação popular. Mas esta insatisfação já se tornou evidente nas pesquisas de opinião pública, nas conversas informais ou nas análises políticas.
 Podemos dizer que as pessoas vivem um momento em que compartilham sua indignação, que se manifesta das formas mais diversas. Mas a indignação por si mesma não é capaz de construir nada. Quando levada ao extremo, ela pode gerar a desesperança à medida que ela nos faz acreditar que não há uma luz no fim do túnel.
O Papa Bento XVI, na Spe salvi, nota que a esperança não é um olhar ilusório sobre o futuro, mas o reconhecimento de algo já presente e que tende a crescer. Ela nasce de experiências humanas concretas que são construtoras de humanidade, que renovam em nós a alegria de sermos humanos. Uma mãe, que em meio a uma situação social desfavorável é capaz de educar e criar o seu filho com todo carinho e amor, dando a ele a esperança de um futuro melhor, um profissional, que realiza o seu trabalho da melhor maneira possível porque sabe que existe outra pessoa que necessita do fruto do seu trabalho, um militante que se esforça para servir ao bem comum.
Quando vivemos e compartilhamos estas experiências, por mais simples que sejam, percebemos que a vida vale a pena e encontramos o sentido da caminhada. Estas pequenas experiências precisam, sem dúvida, de encontrar formas políticas de se expressarem, mas são fundamentais para que não nos percamos em jogos de poder e discursos ideológicos que não constroem a novidade que prometem.
Neste tempo somos convidados a compartilhar a nossa esperança, permitindo que ela nos vincule uns aos outros à medida que reconhecermos a humanidade na experiência do outro, construindo uma unidade em torno de uma mesma esperança compartilhada. Desta experiência surge naturalmente um anseio comum por participação na construção de algo novo, e é neste momento que as verdadeiras mudanças podem acontecer.  Não se trata de, ingenuamente, negar as dificuldades da realidade, mas de perceber na vida compartilhada os sinais que nos indicam por onde sair da crise. A força do povo não pode nascer de discursos ideológicos, que mais cedo ou mais tarde se mostram ilusórios, mas da partilha dos gestos concretos de construção de uma nova realidade. Por isso, compartilhemos as nossas esperanças mais do que a nossa indignação.
Jornal "O São Paulo", edição 3066, de 27 de agosto a 02 de setembro de 2015.


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