segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Tráfico de pessoas: coisificação da pessoa humana

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Carolina Alves de Souza Lima, advogada, mestre, doutora e livre-docente em Direito pela PUC/SP, é professora da graduação e da pós-graduação em Direitos Humanos.

O tráfico de pessoas é um crime que se tem intensificado na atualidade, tanto no âmbito nacional quanto no internacional. Consiste em conduta cujo objetivo maior é a exploração da pessoa humana, por meio do trabalho escravo, da exploração sexual, da comercialização de crianças, da venda de órgãos do corpo humano e de condutas similares e que visam a tratar o ser humano como mero objeto.  A prática desse crime revela a instrumentalização do ser humano, postura avessa à compreensão kantiana a respeito da dignidade da pessoa humana, definida como a condição que faz do ser humano um fim em si mesmo. Por isso, representa grave violação aos direitos humanos.
Trata-se de atuação criminosa organizada de forma sofisticada e extremamente lucrativa. As vítimas são geralmente pessoas vulneráveis no campo econômico, social ou psíquico. Em sua maioria, mulheres, crianças e adolescentes.
Dentre os documentos internacionais, o Protocolo de Palermo, adotado pelo Brasil em 2004, define as condutas que configuram o tráfico humano e estabelece quais providências devem ser tomadas pelos Estados na prevenção e repressão ao referido crime. No âmbito nacional, o Código Penal preceitua, em seus artigos 231 e 231-A, respectivamente, o crime de tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual e o tráfico interno de pessoas para fim de exploração sexual. Não obstante a referida previsão legal, a prática do referido crime vem-se intensificando globalmente. Várias razões podem ser destacadas, dentre elas a pouca eficiência na apuração, processo e responsabilização pela prática do tráfico de pessoas, assim como a falta de implementação das medidas de prevenção a esse delito, que devem ser coordenadas em parceria pelas autoridades nacionais e internacionais.
Diante desse cenário, indaga-se se referido crime deveria ser considerado crime contra a humanidade e julgado pelo Tribunal Penal Internacional. O artigo 7º do Estatuto de Roma, tratado que criou o referido tribunal, define os crimes contra a humanidade. Não especificamente o crime de tráfico de pessoas, mas faz referência a crimes diretamente ligados a ele, como a escravidão, a prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional, a escravatura sexual, a prostituição forçada, e ainda atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento ou afetem gravemente a integridade física e mental do indivíduo. No meu entender, a previsão do crime de tráfico de pessoas como crime contra a humanidade pode ser uma importante medida para fortalecer o sistema internacional de proteção dos direitos humanos. No entanto, são necessárias inúmeras medidas de prevenção e repressão ao tráfico de pessoas, que devem ser coordenadas tanto pelas autoridades nacionais quanto internacionais, além da denúncia das vítimas, a sua proteção e o esclarecimento da população a respeito da incidência desse delito. Sabemos que o enfrentamento do tráfico de pessoas é tarefa complexa, não há soluções imediatas e o Direito Penal não tem sido o instrumento mais eficaz na proteção dos direitos humanos. Ele continua sendo a ultima ratio.  
Jornal "O São Paulo", edição 3069, de 16 a 22 de setembro de 2015.

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