Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Carolina Alves de Souza Lima, advogada, mestre, doutora e livre-docente em Direito pela PUC/SP, é professora da graduação e da pós-graduação em Direitos Humanos.
O tráfico de pessoas é um crime que se tem intensificado na
atualidade, tanto no âmbito nacional quanto no internacional. Consiste em
conduta cujo objetivo maior é a exploração da pessoa humana, por meio do
trabalho escravo, da exploração sexual, da comercialização de crianças, da
venda de órgãos do corpo humano e de condutas similares e que visam a tratar o
ser humano como mero objeto. A prática
desse crime revela a instrumentalização do ser humano, postura avessa à
compreensão kantiana a respeito da dignidade da pessoa humana, definida como a
condição que faz do ser humano um fim em si mesmo. Por isso, representa grave
violação aos direitos humanos.
Trata-se de atuação criminosa organizada de forma
sofisticada e extremamente lucrativa. As vítimas são geralmente pessoas
vulneráveis no campo econômico, social ou psíquico. Em sua maioria, mulheres,
crianças e adolescentes.
Dentre os documentos internacionais, o Protocolo de Palermo,
adotado pelo Brasil em 2004, define as condutas que configuram o tráfico humano
e estabelece quais providências devem ser tomadas pelos Estados na prevenção e
repressão ao referido crime. No âmbito nacional, o Código Penal preceitua, em
seus artigos 231 e 231-A, respectivamente, o crime de tráfico internacional de
pessoas para fim de exploração sexual e o tráfico interno de pessoas para fim
de exploração sexual. Não obstante a referida previsão legal, a prática do
referido crime vem-se intensificando globalmente. Várias razões podem ser
destacadas, dentre elas a pouca eficiência na apuração, processo e
responsabilização pela prática do tráfico de pessoas, assim como a falta de
implementação das medidas de prevenção a esse delito, que devem ser coordenadas
em parceria pelas autoridades nacionais e internacionais.
Diante desse cenário, indaga-se se referido crime deveria
ser considerado crime contra a humanidade e julgado pelo Tribunal Penal
Internacional. O artigo 7º do Estatuto de Roma, tratado que criou o referido
tribunal, define os crimes contra a humanidade. Não especificamente o crime de
tráfico de pessoas, mas faz referência a crimes diretamente ligados a ele, como
a escravidão, a prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em
violação das normas fundamentais de direito internacional, a escravatura
sexual, a prostituição forçada, e ainda atos desumanos de caráter semelhante,
que causem intencionalmente grande sofrimento ou afetem gravemente a
integridade física e mental do indivíduo. No meu entender, a previsão do crime
de tráfico de pessoas como crime contra a humanidade pode ser uma importante
medida para fortalecer o sistema internacional de proteção dos direitos humanos.
No entanto, são necessárias inúmeras medidas de prevenção e repressão ao
tráfico de pessoas, que devem ser coordenadas tanto pelas autoridades nacionais
quanto internacionais, além da denúncia das vítimas, a sua proteção e o
esclarecimento da população a respeito da incidência desse delito. Sabemos que
o enfrentamento do tráfico de pessoas é tarefa complexa, não há soluções
imediatas e o Direito Penal não tem sido o instrumento mais eficaz na proteção
dos direitos humanos. Ele continua sendo a ultima
ratio.
Jornal "O São Paulo", edição 3069, de 16 a 22 de
setembro de 2015.
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