Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Klaus Brüschke, é membro do movimento dos Focolares, ex-publisher da Editora Cidade Nova, articulista da revista Cidade Nova.
Recentemente a comunidade católica foi provocada a se
manifestar sobre as propostas de inclusão do tema do gênero nos Planos Federal,
Estaduais e Municipais de Educação. Há que esclarecer que, quando se fala em
gênero, amiúde não se está referindo apenas à definição sociológica do ser
homem e ser mulher, mas se inclui aí a teoria genderqueer, envolvendo todas as formas de orientação sexual.
Essa ideologia (para uns) ou teoria (para outros) seria a
expressão da “terceira onda” feminista, de matriz marxista, representando uma
ameaça à instituição familiar. Creio, no entanto, que a questão seja bem mais
complexa e que as “ameaças” – ou melhor, desafios – à família estejam bem mais
perto do que gostaríamos de admitir. Pensadoras como Simone de Beauvoir e
Shulamith Firestone, ao criticarem o modelo de família burguesa e patriarcal
que tinham diante de si, jogaram fora a criança com a água suja do banho. Contudo,
elas apontam para questões que ainda esperam respostas ou pistas de respostas,
inclusive de nós, cristãos.
Considera-se que uma das conquistas da Modernidade foi a
“descoberta” do indivíduo, com a compreensão da sua dignidade, de seus
direitos, de sua igualdade… Faltou-lhe, contudo, “descobrir” a pessoa, ou seja,
o indivíduo que se relaciona – com um Ser transcendente e com os outros.
Convivemos hoje com a exacerbação do individualismo pela
“cultura do consumo”, que leva não só ao “usa e joga fora” dos objetos, mas
também das relações humanas, na busca do “prazer a todo custo”. Essa sociedade
produz seres narcisistas, que não conseguem encontrar nos outros senão a
projeção de si mesmos. Os grandes sentidos da vida são transformados em
projetos de carreira, sucesso, autoestima, num vertiginoso egotrip. Até mesmo as relações conjugais, até mesmo os filhos,
estão subalternos a essa hierarquia de valores.
Aqui reside a ameaça à família e à própria identidade
feminina, bem como à masculina.
O ser humano “não pode se
encontrar plenamente senão por um dom sincero de si mesmo” (Gaudium et spes, 24), ou seja, na
relação gratuita com o outro. “Num certo sentido, a feminilidade se encontra a
si mesma diante da masculinidade, ao passo que a masculinidade se confirma por
meio da feminilidade”, pensava João Paulo II. “Para conhecer-se bem e crescer
harmonicamente, o ser humano precisa da reciprocidade entre homem e mulher.
Quando isso não acontece, veem-se as consequências. Somos feitos para nos
escutarmos e nos ajudarmos. Podemos dizer que sem o enriquecimento recíproco
nesta relação – no pensamento e na ação, nos afetos e no trabalho, também na fé
– os dois não podem nem ao menos entender profundamente o que significa ser
homem e mulher. A cultura moderna e contemporânea abriu novos espaços, novas
liberdades e novas profundidades para o enriquecimento da compreensão desta
diferença”, explica o papa Francisco.
É legítimo que as ciências humanas se debrucem na
compreensão das igualdades e diferenças entre
homem e mulher, compreendendo o que vem da evolução biológica humana, o que vem
de registros ancestrais, o que consta nos registros inconscientes, o que são
construtos culturais, bem como esses fatores interagem dinamicamente entre si.
Mas é urgente que cristãs e
cristãos, abraçando com coragem os mal-estares dessas novas situações,
iluminados pelo Evangelho e pelo Magistério da Igreja, busquem caminhos que vão
ao encontro do que há de autêntico nas demandas de hoje e deem testemunho
convincente disso.
Jornal "O São Paulo", edição 3070, de 23 a 29 de
setembro de 2015.
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