segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Bem mais complexa…


Ilustração: Sergio Ricciuto Conte

Klaus Brüschke, é membro do movimento dos Focolares, ex-publisher da Editora Cidade Nova, articulista da revista Cidade Nova.

Recentemente a comunidade católica foi provocada a se manifestar sobre as propostas de inclusão do tema do gênero nos Planos Federal, Estaduais e Municipais de Educação. Há que esclarecer que, quando se fala em gênero, amiúde não se está referindo apenas à definição sociológica do ser homem e ser mulher, mas se inclui aí a teoria genderqueer, envolvendo todas as formas de orientação sexual.
Essa ideologia (para uns) ou teoria (para outros) seria a expressão da “terceira onda” feminista, de matriz marxista, representando uma ameaça à instituição familiar. Creio, no entanto, que a questão seja bem mais complexa e que as “ameaças” – ou melhor, desafios – à família estejam bem mais perto do que gostaríamos de admitir. Pensadoras como Simone de Beauvoir e Shulamith Firestone, ao criticarem o modelo de família burguesa e patriarcal que tinham diante de si, jogaram fora a criança com a água suja do banho. Contudo, elas apontam para questões que ainda esperam respostas ou pistas de respostas, inclusive de nós, cristãos.
Considera-se que uma das conquistas da Modernidade foi a “descoberta” do indivíduo, com a compreensão da sua dignidade, de seus direitos, de sua igualdade… Faltou-lhe, contudo, “descobrir” a pessoa, ou seja, o indivíduo que se relaciona – com um Ser transcendente e com os outros.
Convivemos hoje com a exacerbação do individualismo pela “cultura do consumo”, que leva não só ao “usa e joga fora” dos objetos, mas também das relações humanas, na busca do “prazer a todo custo”. Essa sociedade produz seres narcisistas, que não conseguem encontrar nos outros senão a projeção de si mesmos. Os grandes sentidos da vida são transformados em projetos de carreira, sucesso, autoestima, num vertiginoso egotrip. Até mesmo as relações conjugais, até mesmo os filhos, estão subalternos a essa hierarquia de valores.
Aqui reside a ameaça à família e à própria identidade feminina, bem como à masculina.
O ser humano “não pode se encontrar plenamente senão por um dom sincero de si mesmo” (Gaudium et spes, 24), ou seja, na relação gratuita com o outro. “Num certo sentido, a feminilidade se encontra a si mesma diante da masculinidade, ao passo que a masculinidade se confirma por meio da feminilidade”, pensava João Paulo II. “Para conhecer-se bem e crescer harmonicamente, o ser humano precisa da reciprocidade entre homem e mulher. Quando isso não acontece, veem-se as consequências. Somos feitos para nos escutarmos e nos ajudarmos. Podemos dizer que sem o enriquecimento recíproco nesta relação – no pensamento e na ação, nos afetos e no trabalho, também na fé – os dois não podem nem ao menos entender profundamente o que significa ser homem e mulher. A cultura moderna e contemporânea abriu novos espaços, novas liberdades e novas profundidades para o enriquecimento da compreensão desta diferença”, explica o papa Francisco.
É legítimo que as ciências humanas se debrucem na compreensão das igualdades e diferenças entre homem e mulher, compreendendo o que vem da evolução biológica humana, o que vem de registros ancestrais, o que consta nos registros inconscientes, o que são construtos culturais, bem como esses fatores interagem dinamicamente entre si.

Mas é urgente que cristãs e cristãos, abraçando com coragem os mal-estares dessas novas situações, iluminados pelo Evangelho e pelo Magistério da Igreja, busquem caminhos que vão ao encontro do que há de autêntico nas demandas de hoje e deem testemunho convincente disso.
Jornal "O São Paulo", edição 3070, de 23 a 29 de setembro de 2015.

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