segunda-feira, 14 de agosto de 2017

A opção beneditina no mundo anticristão

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Marcelo Musa Cavallari é escritor, tradutor e jornalista especializado em assuntos internacionais. Traduziu “O Livro da Vida de Santa Teresa D’Ávila” para a Companhia das Letras e escreveu “Catolicismo”, para a Editora Bella.

Durante seu pontificado, são João Paulo II identificava a “cultura da morte”, expressa sobretudo no aborto e na eutanásia, como um dos alvos prioritários de seu combate. Para seu sucessor, Bento XVI, o inimigo era o relativismo, expresso sobretudo na privatização dos julgamentos morais, na aceitação de modos de vida incompatíveis com os ensinamentos de Jesus no Ocidente que, um dia, foi cristão, e na visão de que todas as religiões e modos de ver o mundo são igualmente válidos. Eram, claramente, tempos de combate. Apesar de algumas vitórias, a paisagem atual dos países modernos torna difícil discordar da conclusão do escritor católico americano Rod Dreher: a guerra cultural acabou, e nós perdemos.
Há muitos sinais claros. A eutanásia tornada lei em muitos países, assim como o aborto, por exemplo. Ou a transformação do ato homossexual, um mal objetivo, na formulação recentíssima do Catecismo da Igreja Católica de 1993, não apenas em motivo de orgulho a ser celebrado nas ruas das grandes cidades do mundo todo, mas em tema de plataformas políticas articuladas e, em grande medida vitoriosas, como a do “casamento” gay e a teoria de gênero.
Dreher é autor de um livro recente que vem sendo muito discutido nos EUA: The Benedict Option (A Opção Beneditina, em tradução livre.) A ideia vem de são Bento, o jovem aristocrata romano que, diante da decadência irresistível do império, retirou-se para uma caverna para rezar e levar uma vida reclusa dedicada exclusivamente a Deus. Como efeito colateral, Bento salvou a civilização. Em torno dos mosteiros que seguiam a regra escrita por são Bento reorganizou-se a vida social e econômica da Europa depois do colapso do Império Romano. Dos mosteiros beneditinos partiram os monges que converteram a Inglaterra, a Irlanda, a Alemanha, a Holanda e deram forma concreta à Cristandade. Nos mosteiros beneditinos copiaram-se à exaustão as obras da Antiguidade cristã e pagã que chegaram até nós.
Uma vez que o catolicismo, e o cristianismo em geral, foi derrotado na esfera pública que antes moldava, restaria aos católicos retirar-se e viver, como se em comunidades fechadas, a vida apostólica que Jesus ensinou. A esperança é que, no afã de salvar suas almas, os católicos salvem, de novo, a civilização.
Para um grupo restrito de pessoas esse movimento de retirada do mundo pode ser vivido literalmente em pequenas comunidades de famílias, por exemplo. Para a maior parte, no entanto, isso é impossível. A opção beneditina, porém, longe de ser uma retirada de quem foge da batalha, pode ser vivida como a concentração no essencial do catolicismo.
Dreher tem sido acusado de ser derrotista e de minar os esforços de quem se mantém na luta. Não é necessário que seja assim, no entanto. A questão é que as opções que o mundo ultra-secularizado e crescentemente anticristão vem adotando não têm futuro. A vitória da cultura da morte resulta apenas na morte. A opção beneditina é preservar, pois, a semente plantada por Jesus. Semente que um dia deu origem e por mais de dois milênios sustentou a Civilização Ocidental, que agora a recusa. Preservar essa semente em toda sua pureza e força.
Para isso, é necessário que os católicos redescubram integralmente o tesouro que foi confiado à Igreja. Sacramento de união com Deus, a Igreja não é uma ONG a serviço do mundo e de seus objetivos, coisa que o papa Francisco deixou claro em uma de suas primeiras declarações como papa. O que a Igreja tem a oferecer ao mundo é a presença de Deus na eucaristia. E é realizando os quatro fins da celebração da eucaristia -adoração e ação de graças a Deus; reparação e petição pelo mundo- que os cristãos podem e têm que “combater o bom combate”.
Jornal "O São Paulo", edição 3161, 9 a 15 de agosto de 2017.

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