quarta-feira, 23 de agosto de 2017

O caso da barragem de Mariana e a produção de provas legais

Nos últimos dias, os brasileiros se escandalizaram com um novo lance da tragédia do rompimento da barragem em Mariana (MG), em 5 de novembro de 2015. O processo, que até hoje corre na justiça, foi suspenso porque a defesa dos acusados alegou haver ilegalidades na investigação na qual foram obtidas provas contra os acusados – o que poderia levar à anulação do processo como um todo. Vale ressaltar que houve apenas uma suspensão do processo, para que o Ministério Público e a Polícia Federal possam demonstrar a legalidade das provas, e não sua extinção.
Coisas assim tem acontecido com cada vez mais frequência no Brasil: aparentemente, os réus se livram das condenações em função de tecnicalidades jurídicas, criadas originalmente para preservar o direito de defesa e a privacidade dos acusados, e não pela demonstração de sua inocência. Assim como a maioria da sociedade, a Doutrina Social da Igreja também reconhece que o Estado tanto deve infligir penas proporcionadas à gravidade dos delitos quanto não violar o direito dos inquiridos e não debilitar o princípio da presunção de inocência (cf. Compêndio de Doutrina Social da Igreja, 402-405).
Mas, então, o que está acontecendo em casos como esse, do processo judicial de Mariana, e o que pode ser feito para que nossa justiça atue de forma mais segura e efetiva?
O Brasil, como um Estado Democrático de Direito, deve garantir sempre o mais absoluto respeito ao devido processo legal constitucional, em que todos, em especial o Estado, defendem o respeito às normas que regulam nossa sociedade. Em se tratando de processo penal, na qual a consequência final, no mais das vezes, é a perda da liberdade, caberá ao Estado provar a responsabilidade dos acusados. Nesse caso, o respeito às leis que regulam o processo é garantia para todos de que a justiça será realizada. É dever do Estado impedir o uso de provas ilícitas e proteger a sociedade contra fraudes e manipulações que ofendem a dignidade humana. Assim, a Constituição Federal, no art. 5º, LVI, e o Código de Processo Penal, em seu art. 157, dispõem que são inadmissíveis e devem ser removidas do processo as provas ilícitas, obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
A impunidade nunca deve prevalecer, mas a punição a qualquer custo impõe injustiça igual, senão maior. Se desejamos professar a justiça e a igualdade social, não podemos admitir que o Estado viole normas para punir aqueles que as infringiram.
O direito de produzir provas é considerado como direito fundamental, todavia, violar normas que regem essa produção é ameaça a esse mesmo direito. O Judiciário tem admitido prova ilícita somente quando é a única forma de provar a inocência, pois a formalidade jurídica nunca deve ser um fim em si mesma, devendo servir à defesa dos direitos e garantias constitucionais do cidadão.
É dever do Estado garantir à formalidade jurídica uma finalidade correta. Ir “além do legalismo” na produção da prova, em busca da condenação razoável (“justiça”), pode significar ir “além do
Direito”. Esse perigoso caminho, fruto do desejo legítimo de justiça, pode não ter volta e legitimar um futuro de violações e abusos à dignidade, à privacidade e à integridade física. Cabe ao Estado provar que pode fazer justiça, punindo culpados, sempre cumprindo a lei!
Para isso, é preciso que haja suporte aos órgãos de investigação, principalmente à Polícia, bem como exigir uma atuação do Ministério Público eficiente e integrada com a polícia investigativa, para produzir provas seguras, sem fragilidades técnicas e legais.
Claudio José Langroiva Pereira
Jornal "O São Paulo", edição 3162, 16 a 22 de agosto de 2017.

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