quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Reflexões sobre o caso de Charlie Gard

Dalton Ramos - Professor Titular de Bioética da USP. Membro Correspondente da Pontifícia Academia Pro Vita - Vaticano).

Charlie Gard era um bebê inglês de 11 meses. Tinha uma doença genética que provocava um tipo de atrofia muscular progressiva com prognóstico de morte ainda no primeiro ano de vida. Dependia, para sobreviver, de um suporte de ventilação mecânica, de alimentação e hidratação. Os médicos do hospital queriam desligar os aparelhos alegando que não havia mais tratamento possível. Os pais de Charlie, não concordando com os médicos, mobilizaram-se para buscar todos os tratamentos possíveis, inclusive os experimentais, ainda em fase de pesquisa. Mas uma Corte Inglesa, concordando com os médicos do hospital, entendeu que devia-se desligar os aparelhos de suporte de vida. Depois de grande repercussão na mídia internacional, de uma batalha judicial e na contramão da vontade dos pais, os aparelhos foram desligados e, em 28 de julho de 2017, Charlie morreu.
Sgreccia começa seu elenco de explicações lembrando que, paradoxalmente, quem está em situação mais vulnerável, como era o caso de Charlie, tem direito de uma atenção maior. É um princípio básico da ética do cuidado, mas recordo que também orienta todas as políticas públicas que buscam a equidade social no mundo de hoje. Além disso, o paciente incurável nunca perde a sua dignidade humana.
Do ponto de vista social, Sgreccia continua sua reflexão, promoveu-se uma cultura do descarte e uma lógica economicista. Mesmo que não se tenha dito explicitamente, prevaleceu a ideia de que não se deve gastar com pessoas que não representam uma força de trabalho para a sociedade. Assim, os doentes incuráveis com grandes limitações e os idosos são pensados como “cidadãos de segunda classe” que podem ser descartados pela sociedade.
Posteriormente à morte de Charlie, que ocorreu em uma clínica longe dos pais, Sgreccia comenta, em outra publicação, que aos pais foi impedido um direito que é parte do seu "ser pais", que é ver a criança morrer em seus braços, e vê-lo morrer naturalmente. Morrer é parte da vida, não é um nada; é um momento importante da existência.
Numa carta comentando o caso do pequeno Charlie, D. Prosperi e F. Corsi escreveram que “Para não sofrer seria necessário não amar”.  Ser capaz de um olhar amoroso que oriente as decisões técnicas e os dilemas éticos é o núcleo de toda a questão e o ponto de partida para identificar o caminho a ser seguido nessas situações. Isso permite reconhecer e respeitar a dignidade da pessoa e se comprometer com seu bem integral.
Testemunhei recentemente a experiência de uma gestante que recebeu o diagnóstico de um gravíssimo comprometimento da vida do feto, com prognóstico de morte do nascituro logo após o parto. Ela teve amigos que a ajudaram a viver esse momento e encontrar uma equipe hospitalar disposta a acolhê-la e ampará-la, levando a termo a gravidez, mesmo existindo a previsão legal para a realização de aborto. Assim, pode ter em seus braços seu filho pelos 40 minutos que este viveu, do parto até sua morte. Nos testemunhou que estes minutos foram “os mais bonitos de sua vida”.

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