quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Por que a bioética se já temos a ética médica?

A Medicina objetiva o desenvolvimento, conservação e reequilíbrio da natureza física humana, porém a ela não cabe definir a integralidade do próprio ser do homem; busca entender apenas uma das dimensões da pessoa humana e não é capaz de dizer quem ela é. Se absolutizada, essa compreensão parcial leva ao reducionismo que não só restringe, mas ignora aquilo que é o propriamente humano. Conforme Viktor Frankl, psiquiatra austríaco criador da logoterapia, o reducionismo pode ser definido como um processo pseudocientífico pelo qual, fenômenos especificamente humanos - como consciência, liberdade, responsabilidade, amor, solidariedade, capacidade de projeção futura, comprometimento social e pelo meio ambiente, autotranscendência, vontade e busca de sentido – tudo isso é desconsiderado e surge, o que se pode identificar, como verdadeiro subhumanismo (Psicoterapia e sentido da vida, São Paulo: Quadrante, 1986).
Dois fatos principais provocaram a busca por uma nova ciência: os horrores nazistas quanto à exterminação e à experimentação em seres humanos – o que também foi identificado em outros países – e o incrível desenvolvimento técnico científico que possibilita atuar de maneira nunca antes pensada, sobre a vida humana desde o seu início até a sua terminalidade. É necessária uma reflexão ética que tenha como escopo a análise de objetivos, meios e consequências dos fatos, propondo caminhos que expressem quem é o homem, como deve agir e de que modo deve ser tratado. Surgiu assim a Bioética como uma ciência que se propôs ser ponte para o futuro para a preservação e defesa de cada pessoa humana em seu meio ambiente.
Imediatamente surge o apelo por esclarecimentos sobre os direitos humanos e emerge a necessidade de uma reflexão filosófica e ética: onde se fundamentam e quais são os direitos do homem, até onde se estendem e se existem aqueles inalienáveis protegidos em uma ordem de prioridade?
Novas urgências reclamam a crítica da ciência experimental, a fronteira que salvaguarda cada pessoa e a humanidade em sua totalidade, a superação das insuficiências da normativa jurídica, a reorganização dos custos para a justiça social na prática assistencial. O fundamento último deve ser oferecido pela antropologia que define o valor único de cada pessoa humana.
Nfilosofia a pergunta é o que gera toda discussão que cerca o todo e se aproxima da verdade; e, aqui está a pergunta básica: quem é o homem? Exatamente sobre este ponto fundamental se apresenta uma situação paradoxal. Diante do evidente pluralismo antropológico surgem tantas linhas de Bioética quanto são os modelos de ética de referência como o liberal radical, pragmático-utilitarista, cientista-tecnológico, sociobiologista evolutivo, subjetivismo da maioria, hipercrítico desconstrutivista.
A ética médica traz um enfoque parcial e deve se ater diante da afirmativa de que nem tudo o que é tecnicamente possível é eticamente lícito, e assim surgiu a Bioética. A referência que pode permanecer e apresentar base possível de ser aceita internacionalmente, é aquele que se apoia no próprio homem enquanto pessoa; justamente por ser pessoa, é um valor objetivo, transcendente e inatingível e, portanto, normativo. Este é o modelo personalista que apresenta conteúdo e método de referência: a vida humana traz em si a estrutura da totalidade unificada: a irredutibilidade da unidade física, psicológica, espiritual, onde por espiritual se constata tudo o que nele pode se confrontar com o social, o corporal, o circunstancial e, inclusive, com o próprio psíquico, fonte da liberdade, responsabilidade, consciência, da busca de sentido, da autotranscendência.
Elizabeth Kipman Cerqueira

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