Catedral Sagrado Coração de Jesus, Petrolina, PE |
Maria Luiza Marcílio é professora titular de História da USP.
A santidade e o ardor missionário são muito mais comuns entre nós do que normalmente se pensa. Estamos acostumados a devotar admiração a figuras conhecidas, como Padre Cícero, no Nordeste. Mas existem muitas figuras santas e dignas de admiração que levaram e mantiveram a fé naquela região. Dom Antônio Maria Malan, bispo de Petrolina de 1924 a 1931, e Padre Alfredo Hassler, monge austríaco que chegou em Jacobina no ano de 1938, são dois bons exemplos.
Dom Malan, homem sonhador, empreendedor, lutador e visionário
foi logo dotando a capital de sua diocese, Petrolina, de infraestrutura mínima,
naquele povoado então primitivo e pequeno. Inaugurou, dois anos depois de sua
chegada, em 1926, o Colégio Dom Bosco, com grande e completa instalação e dos
primeiros da região sertaneja. Construiu
imponente Catedral em estilo neogótico, ensinando os sertanejos a lapidar as
pedras brancas da região, trazendo da Europa apenas os vitrais coloridos e
instalando o grande relógio que ganhou do Padre Cícero, em 1927. Essas duas primeiras
obras atraíram populações de longe, para realização de casamentos, para
participação de Missas e de Festas religiosas, para a educação dos filhos.
Muitos decidiram mudar de vez para Petrolina, cidade que conhecia seu primeiro
grande surto de desenvolvimento, ao lado do Rio São Francisco e da cidade de Juazeiro.
Mas Dom Malan queria mais. Fez construir Hospital de Nossa Senhora da Piedade, o
primeiro da região, com modelo das Santas Casas de Misericórdia. Fez ainda o
Palácio do Bispo. Petrolina se ergueu como Município e não parou de crescer.
Dom Malan morreu de repente em sua viagem ao Sul para participar da inauguração
do Cristo Redentor. Não pôde ver a inauguração do Hospital que leva seu nome.
Outro “santo” do sertão foi o Padre Alfredo Bernardo Maria
Hassler. Enviado em 1938 para Jacobina, no sertão da Bahia, quando da
implantação do projeto religioso missionário da Ordem Cisterciense no Brasil
(1930), dentro dos mesmos princípios invocados por Pio XI. Antes de sua
chegada, a Igreja da Bahia havia criado condições propícias para a implantação
da Ordem monástica em terras do sertão, com a criação da Diocese do Senhor do
Bonfim e a nomeação do seu primeiro bispo Dom Hugo Bressane. Dom Bressane
entregou a paróquia de Santo Antônio da Jacobina para a Ordem Cisterciense, e
designou o Padre Alfredo seu pároco. Para bem atuar nesse sertão distante,
esteve no Mosteiro de São Paulo, na época em que nele havia muitos monges
alemães de Beuron, para aprender o português.
Vindo de uma Áustria inteiramente alfabetizada e com suas
escolas paroquiais, Padre Alfredo sentiu o primeiro choque ao deparar com uma vasta
paróquia sem escolas primárias elementares, sem professores e, portanto, com
forte taxa de analfabetismo. Pôs-se imediatamente a dotar essa região de escolas
paroquiais. Conseguiu apoio da elite local e onze meses após sua chegada
fundava a Associação das Escolas Paroquiais de Jacobina (1939) e no dia de
Nossa Senhora de Assunção, em 15 de agosto desse mesmo ano, fundava sua
primeira Escola Paroquial, no povoado de Tabuia, distante 84km da cidade de
Jacobina, gratuita para todas as crianças. Mandou vir de Salvador professoras
formadas na Escola Normal, pagando salário condizente, e oferecendo local digno
para alojamento. Para muitas delas as Escolas Paroquiais foram uma via de
ascensão social, de prestígio, trabalhando fora das cidades onde moravam suas
famílias. Rigoroso, o Padre Alfredo orientava as professoras na arte difícil de
alfabetizar e de ensinar o catecismo às crianças. Até sua morte, o monge criou
48 escolas paroquiais gratuitas em toda a vasta extensão de sua paróquia. A
todas as crianças fornecia uniformes, sapatos, livros e material escolar e, se
possível, assistência médica, dentária e outros benefícios, fato desconhecido
por lá, até então. Supervisionava cada escola que criou, atravessando
constantemente essa dura e quente caatinga, em seu hábito de monge e no lombo
de jegue.
Apesar de fora do claustro, o Padre Alfredo nunca deixou
suas obrigações monásticas, com rigor e disciplina, dentro do que dispõe a
Santa Regra de São Bento.
São dois grandes exemplos de fé e de ação da Igreja Católica
que não podem deixar de ser conhecidos e valorizados.
Jornal "O São Paulo", edição 3111, 20 a 26 de
julho de 2016.
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