segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Por que a internet não deu voz a “legiões de imbecis”

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Alexandre Ribeiro é jornalista, foi editor no Brasil do site católico de notícias Zenit e é atualmente editor do site Aleteia. É membro do Conselho do Núcleo de Fé e Cultura da PUC-SP.

Um famoso escritor italiano disse que as redes sociais na internet deram voz a “legiões de imbecis que antes só falavam no bar”. Mas será mesmo?
De fato, até pouco tempo atrás, as pessoas conectavam-se umas às outras em lugares físicos de suas vilas ou cidades. Agora, também se conectam pela internet. Mas o fundamento da conexão entre as pessoas não mudou. A sociabilidade é a mesma, só que exercida em estruturas diferentes.
O comportamento social é caracterizado pela atuação recíproca dos indivíduos. O que internet e as redes sociais fizeram foi nada mais do que oferecer à sociabilidade humana uma nova estrutura técnica, baseada na rede mundial de computadores. Assim surgiu a sociabilidade virtual, que é a atuação dos indivíduos, uns sobre os outros, no ambiente digital, realizada por meio do fluxo de comunicação e da troca de informação.
A sociabilidade virtual é formada pelo conjunto dos sinais codificados da comunicação humana nas mídias sociais na internet. Ela integra a ecologia cognitiva do ser humano, enquanto materialização de processos cerebrais e de construções da criatividade humana.
Nesse sentido, a sociabilidade virtual é um instrumento a serviço dos cérebros que a cultivam. Ao favorecer que indivíduos atuem reciprocamente no meio digital, a sociabilidade virtual configura-se como uma propriedade emergente da estruturação do fluxo de comunicação humano em redes de computador.
O surgimento da sociabilidade virtual marca uma nova etapa da sociabilidade humana, em que sistemas técnicos baseados em redes de computador tornam-se acessíveis à efetização de sistemas sociais.
Para o ser humano, o desenvolvimento de sistemas técnicos voltados para a modelagem de sistemas sociais por si só já pode ser considerado um ganho de complexidade. Trata-se de uma nova etapa evolutiva da sociabilidade humana.
O desenvolvimento de novos sistemas técnicos – os mais recentes na hierarquia dos gêneros de sistemas – amplia o potencial de desenvolvimento dos demais gêneros de sistemas (físicos, químicos, biológicos e sociais). Sistemas técnicos podem servir de suporte a sistemas biológicos. Um exemplo disso são as próteses criadas para suprir necessidades e funções de indivíduos sequelados por amputações. No caso dos sistemas sociais, os sistemas técnicos que formam as redes de computador passam a ser o ambiente de emergência da sociabilidade virtual.
O aumento de complexidade dos sistemas sociais – potencial esse favorecido pelo desenvolvimento de sistemas técnicos que ambientam a sociabilidade em redes digitais – poderá culminar na emergência de uma cibernética da sociabilidade virtual simbiótica, cuja função seria a ampliação da complexidade e metaestabilidade da vida social.
Tal sociabilidade virtual simbiótica poderia ambientar, por exemplo, a emergência de mecanismos de exercício político (instância de poder e decisão sobre os sistemas biológicos, como a saúde e o meio ambiente; sistemas econômicos, como as redes de produção; e sistemas culturais, como a educação e o conhecimento).
A simbiose entre sistemas técnicos e sociais somada à sociabilidade virtual simbiótica apresenta-se como possibilidade efetiva de ganho de complexidade e metaestabilidade para o conjunto da vida social.
Essa perspectiva positiva da sociabilidade virtual exige o reconhecimento de que nada está isolado no universo. Tudo que existe é um sistema ou ao menos o componente de algum sistema ao qual está conectado. Ou seja, nada está – e nem nunca esteve – isolado “no bar”.
Jornal "O São Paulo", edição 3177, 29 de novembro a 5 de dezembro de 2017.

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