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Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Padre Denilson Geraldo, SAC, é professor da Faculdade de Teologia da PUC-SP e membro da Cátedra André Franco Montoro de DIreito da Família da PUC-SP.
A Exortação apostólica pós-sinodal sobre o amor na família, Amoris laetitia, reúne os trabalhos dos
Sínodos de 2014 e 2015, reflete uma hermenêutica de continuidade doutrinal
sobre a unidade e a indissolubilidade matrimonial e apoia-se em trabalhos das
Conferências Episcopais e em diálogo com personagens e elementos da cultura
contemporânea.
Ressalta a
importância da inculturação do Evangelho da família como chave, potencialmente
fértil, para encontrar soluções aos problemas atuais da família. Abandona a
ideia de um impulso renovador sem premissas teológicas e eclesiais, evitando o
engessamento da evolução de temas sobre a moral que sejam apenas a aplicação de
princípios abstratos e desconexos da realidade.
A família não é um idealismo, e a Sagrada Escritura está
repleta de famílias que se formam como uma “tarefa artesanal”. É preciso ouvir
os apelos do Espírito Santo para o hoje da história, ao refletir sobre temas
que se relacionam com a família: migração, sexualidade, ideologia de gênero,
mentalidade antinatalidade, idoso, educação, economia, trabalho etc. De fato,
que tema humano não está relacionado à família? É a instituição humana que
melhor concretiza a interdisciplinaridade almejada pelas ciências. Por esse
motivo, a formação e o aprofundamento sobre o tema deveriam entrar nas
discussões escolares e universitárias, no diálogo político e cultural,
religioso e científico. Esta é a concretude do tema; não uma lista de regras ou
de condenações que leva a pastoral familiar e a reflexão teológica à virtude da
humildade e a apresentar a família como “um caminho dinâmico de crescimento e
realização”, formando as consciências, como pediu o Vaticano II na Gaudium et spes (n. 16).
Impressiona, na linha do realismo, como a Exortação
apostólica desenvolve a prática das virtudes conectadas à evolução do amor
matrimonial a partir do Hino da Caridade (I Cor. 13): paciência, serviço, cura
da inveja, deixar a arrogância, amabilidade, desprendimento, perdão, alegria
pelo bem do outro, desculpa, confiança, esperança e fortaleza. A imagem de Cristo e da Igreja, refletida no
matrimônio, não pode ser um peso, mas um caminho a ser percorrido com as
virtudes, possibilitando que o laço matrimonial se renove na escolha recíproca.
Daí que a família se torna sujeito na evangelização e presente na formação
presbiteral, nos cursos de noivos, no acompanhamento dos casais jovens, nas
situações complexas, na educação sexual voltada para o amor e a oblação
que protegem do narcisismo e do consumismo, no acompanhamento acolhedor dos
idosos e enfermos.
Com um coração de pastor misericordioso, o Papa propõe
“acompanhar, discernir e integrar a fragilidade” com uma gradualidade pastoral,
considerando os condicionamentos e as circunstâncias atenuantes. Esta é a
“lógica da misericórdia pastoral” que exige apresentar a Palavra do Cristo
sobre o matrimônio e incentiva os fiéis a procurarem os seus pastores para
falar, francamente, sobre o que vivem na vida familiar. Aos pastores o Papa,
com um coração de pastor, pede que escutem o povo para poderem compreender o
coração humano e “a Igreja conforma o seu comportamento ao do Senhor Jesus que,
num amor sem fronteiras, Se ofereceu por todas as pessoas sem exceção.” (AL,
250).
Uma espiritualidade conjugal e familiar faz-se com atitudes
e nas celebrações sacramentais mas, também, nas alegrias, no descanso, nas dores,
nos sofrimentos, na festa, na sexualidade, na educação dos filhos e no trabalho.
Afinal, toda realidade humana está relacionada com a situação concreta das famílias.
Jornal "O São Paulo", edição 3098, 20 a 26 de
abril de 2016.