segunda-feira, 25 de abril de 2016

O realismo do Papa Francisco sobre a família

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Padre Denilson Geraldo, SAC, é professor da Faculdade de Teologia da PUC-SP e membro da Cátedra André Franco Montoro de DIreito da Família da PUC-SP. 

A Exortação apostólica pós-sinodal sobre o amor na família, Amoris laetitia, reúne os trabalhos dos Sínodos de 2014 e 2015, reflete uma hermenêutica de continuidade doutrinal sobre a unidade e a indissolubilidade matrimonial e apoia-se em trabalhos das Conferências Episcopais e em diálogo com personagens e elementos da cultura contemporânea.
 Ressalta a importância da inculturação do Evangelho da família como chave, potencialmente fértil, para encontrar soluções aos problemas atuais da família. Abandona a ideia de um impulso renovador sem premissas teológicas e eclesiais, evitando o engessamento da evolução de temas sobre a moral que sejam apenas a aplicação de princípios abstratos e desconexos da realidade.
A família não é um idealismo, e a Sagrada Escritura está repleta de famílias que se formam como uma “tarefa artesanal”. É preciso ouvir os apelos do Espírito Santo para o hoje da história, ao refletir sobre temas que se relacionam com a família: migração, sexualidade, ideologia de gênero, mentalidade antinatalidade, idoso, educação, economia, trabalho etc. De fato, que tema humano não está relacionado à família? É a instituição humana que melhor concretiza a interdisciplinaridade almejada pelas ciências. Por esse motivo, a formação e o aprofundamento sobre o tema deveriam entrar nas discussões escolares e universitárias, no diálogo político e cultural, religioso e científico. Esta é a concretude do tema; não uma lista de regras ou de condenações que leva a pastoral familiar e a reflexão teológica à virtude da humildade e a apresentar a família como “um caminho dinâmico de crescimento e realização”, formando as consciências, como pediu o Vaticano II na Gaudium et spes (n. 16).
Impressiona, na linha do realismo, como a Exortação apostólica desenvolve a prática das virtudes conectadas à evolução do amor matrimonial a partir do Hino da Caridade (I Cor. 13): paciência, serviço, cura da inveja, deixar a arrogância, amabilidade, desprendimento, perdão, alegria pelo bem do outro, desculpa, confiança, esperança e fortaleza.  A imagem de Cristo e da Igreja, refletida no matrimônio, não pode ser um peso, mas um caminho a ser percorrido com as virtudes, possibilitando que o laço matrimonial se renove na escolha recíproca. Daí que a família se torna sujeito na evangelização e presente na formação presbiteral, nos cursos de noivos, no acompanhamento dos casais jovens, nas situações complexas, na educação sexual voltada para o amor e a oblação que protegem do narcisismo e do consumismo, no acompanhamento acolhedor dos idosos e enfermos.
Com um coração de pastor misericordioso, o Papa propõe “acompanhar, discernir e integrar a fragilidade” com uma gradualidade pastoral, considerando os condicionamentos e as circunstâncias atenuantes. Esta é a “lógica da misericórdia pastoral” que exige apresentar a Palavra do Cristo sobre o matrimônio e incentiva os fiéis a procurarem os seus pastores para falar, francamente, sobre o que vivem na vida familiar. Aos pastores o Papa, com um coração de pastor, pede que escutem o povo para poderem compreender o coração humano e “a Igreja conforma o seu comportamento ao do Senhor Jesus que, num amor sem fronteiras, Se ofereceu por todas as pessoas sem exceção.” (AL, 250).  
Uma espiritualidade conjugal e familiar faz-se com atitudes e nas celebrações sacramentais mas, também, nas alegrias, no descanso, nas dores, nos sofrimentos, na festa, na sexualidade, na educação dos filhos e no trabalho. Afinal, toda realidade humana está relacionada com a situação concreta das famílias.
Jornal "O São Paulo", edição 3098, 20 a 26 de abril de 2016.

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