Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
Os jornais noticiaram, nas últimas semanas, mais dois
casos nos quais os pais, pelo que tudo indicam, se suicidaram e mataram também
seus filhos. Um aconteceu num condomínio residencial de classe média alta do
Rio de Janeiro, outro no Fórum Trabalhista de São Paulo.
Pelo que sabemos, são acontecimentos muito raros, se
comparamos com o número de mortes violentas e até de suicídios no Brasil. Mas,
num período recente, os jornais têm noticiado, em média, pelo menos um caso por
ano. Número suficiente para nos afligir e nos pedir uma resposta, um “porque”
ou um “que fazer”.
Psicólogos e sociólogos apontam as pressões sociais e
a fragilidade das relações interpessoais como fatores que aumentam as chances
de suicídios na sociedade atual. No caso dos pais que matam seus filhos ao se
suicidar, os psicólogos também apontam um fator de “proteção”: evitar que as
crianças fiquem sozinhas nesse mundo desumano que levou o pai à morte.
É bom lembrar, em nosso contexto, que a Igreja
considera o suicídio como um ato que contraria o desígnio de Deus e a inclinação
natural do ser humano, mas também percebe que pode ser consequência de
perturbações psíquicas graves e não um ato livre da pessoa (Catecismo da Igreja
Católica, 2280s). Antes de um ato moral a ser julgado, estamos diante de uma
dor terrível a ser acolhida com amor.
Sofrimentos tão grandes, aparentemente tão absurdos e
sem sentido, não são raros na história humana. Mas, para cada sofredor, sua dor
é única e, no auge da dor, saber que outros também sofrem não é mais que um
pálido consolo. Apesar disso, vale a pena, nesses momentos, procurar na
história as palavras que a sabedoria cristã encontrou para se dirigir a Deus e
aos irmãos diante das grandes provações.
Em 28 de maio de 2006, Bento XVI, em sua visita ao
Campo de Contração de Auschwitz-Birkenau, símbolo maior do horror dos
genocídios do século XX, clamava: “Onde estava Deus naqueles dias? Por que Ele
silenciou?”. Diante desses casos terríveis de pais que se suicidam levando seus
filhos junto, podemos nos fazer a mesma pergunta.
Gostaríamos de poder não olhar para esses casos, fazer
de conta que nem sequer sabemos que aconteceram. Mas, Bento XVI fez questão de
dizer que tanto ele quanto João Paulo II, enquanto papas, não podiam deixar de
visitar Auschwitz. Nossa fé nos conclama a reconhecer a dor do outro, a
mergulhar nela, seja para expressar nossa pobre e aparentemente vã
solidariedade, seja para mergulhar mais no mistério de Deus que não eliminou o
sofrimento, mas com Cristo escolheu sofrer com suas criaturas.
Continua Bento XVI: “Nós não podemos perscrutar o
segredo de Deus vemos apenas fragmentos e enganamo-nos se pretendemos
eleger-nos a juízes de Deus e da história. Não defendemos, nesse caso, o homem,
mas contribuiremos apenas para a sua destruição [...] Devemos elevar um grito
humilde, mas insistente, a Deus: Desperta! Não te esqueças da tua criatura, o
homem! E o nosso grito a Deus deve ao mesmo tempo ser um grito que penetra o
nosso próprio coração, para que desperte em nós a presença escondida de Deus,
para que aquele seu poder que Ele depositou nos nossos corações não seja
coberto e sufocado em nós pela lama do egoísmo, do medo dos homens, da
indiferença e do oportunismo”.
Diante do luto e da dor das famílias vitimadas por
esses suicídios, diante da angústia que nos aflige quando pensamos nelas, a sabedoria
cristã não dá uma resposta fácil e esquemática, mas nos recorda a esperança e o
alento de quem se reconhece sob o manto da ternura de Deus.
Jornal "O São Paulo", edição 3118, 7 a 13 de
setembro de 2016.
artigo precioso, meu caro Borba! quanto sofrimento estes gestos causam e causaram nas vitimas, incluindo o suicida e assassino de seus filhos e em nós que somos diretamente atingidos por tamanha dor!!!abraço
ResponderExcluirGertrudes Eisenlohr
Luminoso artigo, "para cada sofredor sua dor é única...".
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