Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Os recentes acontecimentos políticos do País trazem à luz um fenômeno dos tempos atuais. Se formos além das narrativas construídas para a opinião pública e dos interesses dela ocultados, depararemos com verdades em todos os contendores; não há um lado puramente “certo” ou puramente “errado”. O mesmo se poderia dizer do plebiscito sobre o Brexit, no Reino Unido, da política sobre os refugiados na Europa, da questão entre israelenses e palestinos no Oriente Médio, e de tantos acontecimentos, daqueles de nosso cotidiano aos que afetam a humanidade toda. Vivemos hoje numa sociedade complexa, explicaria Edgard Morin. Assim, não bastam alguns esquemas para dar conta da realidade. A verdade – “correspondência, adequação ou harmonia passível de ser estabelecida, por meio de um discurso ou pensamento, entre a subjetividade cognitiva do intelecto humano e os fatos, eventos e seres da realidade objetiva” (Houaiss) – não é mais inteligível.
Observamos então algumas atitudes decorrentes disso.
Uma é agarrar-se a afirmações já consolidadas, simplificando
a realidade, ignorando ou rejeitando o que não se enquadra nelas, classificando-as
como errôneas – ou mesmo como pecaminosas e ação do demônio… Comportamento que
se revela intolerante.
Outra é desistir de procurar a verdade, relativizando-a, ou
mesmo renunciar aos fatos, preferindo versões ou opiniões – ainda que não exatamente
verazes, mas em sintonia com as próprias convicções. A tolerância aqui é
manifestada de duas formas: as diversidades são pacificamente aceitas, sem
interferirem umas nas outras, ou viram tabu, aceitas desde que silenciadas e
guardadas na esfera do privado.
O pluralismo da verdade expressa que só é possível apreender
parte dela, que transcende a todos, e que esta se desenha como um mosaico de
muitas tesselas, e também que ela é dita de diferentes modos, pois sua
compreensão é mediada por fatores históricos, culturais, etc. A compreensão da
verdade se dá, então, mediante processos interativos entre pessoas, processos
de “comunicação colaborativa”.
Um desses processos é o debate. Nele, as diferentes proposições
são argumentadas até os envolvidos formarem suas convicções. Contudo, pelo seu
método de convencimento, ainda se tende à prevalência de uma das teses – como
vemos nos tribunais, nos parlamentos, nas mesas-redondas…
Já no diálogo visa-se compartilhar visões. Sua finalidade
não é “analisar as coisas, vencer uma discussão ou trocar nossas opiniões. É
suspender nossas opiniões para considerar as opiniões de todos, para escutá-los
e depois suspendê-los, para ver o que emerge disso tudo”, observa David Bohm.
Paulo Freire ensina: “O diálogo é encontro entre homens, mediado pelo mundo,
para dar um nome ao mundo”.
Por se tratar de um encontro entre pessoas – não entre
posições, ideias, conceitos… – um pré-requisito, segundo Chiara Lubich, é que
antes elas se amem, com aquele amor de Cristo, que possui algumas
características: é universal e inclusivo, é proativo, reconhece o valor do
interlocutor e é empático (“faz-se um”, diz Chiara). Outro pressuposto é a
escuta, a capacidade de tentar compreender as razões do interlocutor, de ver as
coisas com seus olhos.
Assim se dá um aprendizado recíproco e, não raramente, o
encantamento com uma verdade mais complexa que se vai descobrindo juntos e aos
poucos. Então, a riqueza da diversidade não será mera retórica, mas uma
experiência de fato.
Jornal "O São Paulo", edição 3119, 14 a 20 de
setembro de 2016.
Este texto vem contribuir no aperfeiçoamento do aprendizado para o diálogo. Muito bom. Agradeço muito a contribuição.
ResponderExcluirVladimir