terça-feira, 26 de setembro de 2017

Por uma Geração Millennium Divergente

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Angela Vidal Gandra Martins é doutora em Filosofia do Direito (UFRGS) e sócia Advocacia Gandra Martins.

A geração Millenium, contextualizada na pós modernidade - definida como a era do pensamento débil (pensiero debole) e das relações líquidas, como bem afirmaram os filósofos Gianni Vattimo e Zygmunt Bauman - é, de certa forma, um produto do “esgotamento filosófico”, ainda que não tenha capacidade de identificar as influências que recebe, por falta de reflexão somada a um despreparo em termos de virtude para viver em um mundo tecnológico.
Entre outras correntes contemporâneas que agem sobre suas escolhas, na maioria inconsequentes, destacamos três: o existencialismo, o utilitarismo e o marxismo. Em linhas gerais, o primeiro centra a existência em si mesmo, onde os outros apresentam-se  como um obstáculo e o ser humano é concebido como uma paixão inútil, restando a opção de experimentar o momento com diversidade e intensidade, porém, sob a perspectiva da tragicidade que supõe aceitar a fugacidade da vida, a ser gasta sem uma meta ou sentido mais profundo, levando mais cedo ou mais tarde à depressão. O utilitarismo, por sua vez, também de cunho individualista, reduz o fim existencial à busca do prazer e à fuga da dor a qualquer custo, a partir de um critério moral relativo e neutro, definindo o ser humano como um maximizador autointeressado de suas preferências, onde o outro é apenas um meio para sua própria satisfação. Por fim, o marxismo, travestido de ideal, projeta falsamente o homem para o coletivo, afogando sua identidade no grupo através da manipulação ideológica de mentes, muitas vezes bem dispostas, mas sem senso crítico ou experiência suficiente para posicionar-se com liberdade.
Por outro lado, o déficit educacional tanto no plano científico quanto no que se refere à forja de um verdadeiro caráter torna a nova geração frágil e mais controlada do que beneficiada pela tecnologia, por falta de autodomínio, facilitando a superficialidade, a preguiça mental e a fragmentação, que também repercute na esfera relacional.  De fato, é um paradoxo pensar que na era da comunicação globalizada seja tão difícil cultivar uma boa e constante relação pessoal com os demais, ou, simplesmente, mantê-la.
Porém, não se pode subestimar a capacidade humana de desejar a verdade e sua rejeição à mediocridade. De fato, é só oferecer um panorama mais elevado e percebe-se o deslumbramento. No início deste ano, por exemplo, organizamos um curso de verão para alunos de diversificadas áreas denominado “Reflexões Críticas sobre o trabalho e a boa vida”, entendendo-se “good life” como vida plena. E concluímos que Aristóteles tem realmente muito a nos ensinar sobre o que são realmente os bens básicos para a felicidade humana: a excelência própria; a amizade e a verdade, até chegar à “source” ou fonte das respostas mais importantes sobre o sentido da vida e a própria missão.
  Apostamos que a geração Millennium, tão bem servida de meios, também pode ser atraída por estes fins e dispor-se a abrir-se ao outro e construir uma sociedade mais justa. Basta que os ajudemos a refletir com maior profundidade e superar-se, vencendo a vontade fraca e escrava de caprichos. Como dizia Santo Agostinho, “os tempos somos nós” e comprovou com sua vida: refletiu, mudou, transformou seu entorno e deixou um legado para toda humanidade.  Os Millenniums também podem ser divergentes, e contra qualquer conformismo, desafiar seu próprio tempo. Cabe aos pais, educadores e professores oferecerem a plataforma.  
Jornal "O São Paulo", edição 3167, 20 a 26 de setembro de 2017.

Nenhum comentário:

Postar um comentário