segunda-feira, 30 de maio de 2016

Diálogo… Mas que diálogo?

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Klaus Brüschke, é membro do movimento dos Focolares, ex-publisher da Editora Cidade Nova, articulista da revista Cidade Nova.

Nestes tempos que o País atravessa, ouço da parte de tantos, preocupados com a polarização dos posicionamentos políticos e com a consequente cizânia, um apelo ao diálogo. Não conheço, todavia, quem, possuidor de sadias faculdades mentais, seja contrário ao diálogo e ao pluralismo de opiniões, inclusive políticas. Por que será, então, que isso nos custa tanto?!
Talvez por acreditarmos o diálogo ser a arte de convencer nossos interlocutores da verdade de nossas convicções – amiúde desconstruindo os argumentos deles. Aliás, nosso modo de pensar ocidental é dualista e exclusivista. Aut-aut, diriam os antigos latinos: ou uma coisa ou outra… Trata-se de uma prática dialética que – com o perdão de Hegel – fica pela metade: na luta da tese contra a antítese, vence uma das duas, mas não se chega à síntese, que supera a ambas.
Ou talvez isso se deva ao fato de intuirmos tratar-se o diálogo de uma conversa civilizada sobre pensamentos divergentes, mas não sabemos como conduzi-lo.
O grande Rubem Alves recomendava que frequentássemos “cursos de escutatória” para aprendermos a bem escutar – à diferença dos cursos de oratória, em que se aprende a bem falar. (Sugiro a leitura do sábio e saboroso texto a propósito, encontradiço na internet). Proponho que nos matriculemos em “cursos de diálogo”, cientes de não sermos destros nessa tão necessária arte.
Encontrei a respeito uma “aula” no pensamento do filósofo espanhol Jesús Morán. Ele fala de alguns “princípios antropológicos” básicos capazes de evitar que o diálogo se torne “uma trágica ingenuidade, sonho e meta inatingível”.
O primeiro princípio é que o diálogo não é mera conversa, mas relação profunda entre pessoas. Isso me faz reconhecer a dignidade de meu interlocutor e o valor de seu pensamento, que pode ser um dom para mim. O segundo princípio é que o diálogo requer silêncio e escuta – e aqui me remeto novamente ao texto de Rubem Alves. Precisamos aprender a escutar, e para escutar, precisamos aprender a cultivar o silêncio, o silêncio interior. O terceiro princípio é que, ao dialogar, “colocamos em risco” nossa visão das coisas, nossa própria identidade. Ninguém sai incólume de um autêntico diálogo. Algo muda, ao mesmo tempo que é nele que encontramos nossa verdadeira identidade. O quarto princípio tem a ver com a verdade. “A verdade precisa sempre ser completada; ninguém possui a verdade, é ela que nos possui. Portanto, não se trata de relatividade da verdade, mas de ‘relacionalidade da verdade’ (Baccarini). ‘Verdade relativa’ significa cada ter a sua verdade, válida somente para si. Já ‘verdade relacional’ significa cada um participar da verdade e colocar em comum com os outros a sua participação dela, que é uma verdade para todos”. Para sermos honestos, não é tão óbvia assim expressão de Panikkar: “De uma janela vê-se toda a paisagem, mas não totalmente”… O quinto princípio mostra que o diálogo “exige uma forte vontade. O amor à verdade leva-me a buscá-la e a desejá-la, e por isso me coloco em diálogo”, explica Morán. De acordo com o sexto princípio, só é possível dialogar entre pessoas autênticas, capazes do amor, do altruísmo e da solidariedade. E, por fim, o sétimo princípio afirma que a cultura do diálogo possui uma única lei, a reciprocidade.
Como vemos, não faltam bons mestres desta arte. Espero aprender alguma coisa com eles…
Jornal "O São Paulo", edição 3103, 25 a 31 de maio de 2016.

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