Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Klaus Brüschke, é membro do movimento dos Focolares, ex-publisher da Editora Cidade Nova, articulista da revista Cidade Nova.
Nestes tempos que o País atravessa, ouço da parte de tantos,
preocupados com a polarização dos posicionamentos políticos e com a consequente
cizânia, um apelo ao diálogo. Não conheço, todavia, quem, possuidor de sadias
faculdades mentais, seja contrário ao diálogo e ao pluralismo de opiniões,
inclusive políticas. Por que será, então, que isso nos custa tanto?!
Talvez por acreditarmos o diálogo ser a arte de convencer
nossos interlocutores da verdade de nossas convicções – amiúde desconstruindo os
argumentos deles. Aliás, nosso modo de pensar ocidental é dualista e
exclusivista. Aut-aut, diriam os antigos latinos: ou uma coisa ou outra… Trata-se
de uma prática dialética que – com o perdão de Hegel – fica pela metade: na
luta da tese contra a antítese, vence uma das duas, mas não se chega à síntese,
que supera a ambas.
Ou talvez isso se deva ao fato de intuirmos tratar-se o
diálogo de uma conversa civilizada sobre pensamentos divergentes, mas não
sabemos como conduzi-lo.
O grande Rubem Alves recomendava que frequentássemos “cursos
de escutatória” para aprendermos a bem escutar – à diferença dos cursos de
oratória, em que se aprende a bem falar. (Sugiro a leitura do sábio e saboroso
texto a propósito, encontradiço na internet). Proponho que nos matriculemos em
“cursos de diálogo”, cientes de não sermos destros nessa tão necessária arte.
Encontrei a respeito uma “aula” no pensamento do filósofo
espanhol Jesús Morán. Ele fala de alguns “princípios antropológicos” básicos
capazes de evitar que o diálogo se torne “uma trágica ingenuidade, sonho e meta
inatingível”.
O primeiro princípio é que o diálogo não é mera conversa,
mas relação profunda entre pessoas. Isso me faz reconhecer a dignidade de meu
interlocutor e o valor de seu pensamento, que pode ser um dom para mim. O segundo
princípio é que o diálogo requer silêncio e escuta – e aqui me remeto novamente
ao texto de Rubem Alves. Precisamos aprender a escutar, e para escutar,
precisamos aprender a cultivar o silêncio, o silêncio interior. O terceiro
princípio é que, ao dialogar, “colocamos em risco” nossa visão das coisas,
nossa própria identidade. Ninguém sai incólume de um autêntico diálogo. Algo
muda, ao mesmo tempo que é nele que encontramos nossa verdadeira identidade. O quarto
princípio tem a ver com a verdade. “A verdade precisa sempre ser completada;
ninguém possui a verdade, é ela que nos possui. Portanto, não se trata de
relatividade da verdade, mas de ‘relacionalidade da verdade’ (Baccarini). ‘Verdade
relativa’ significa cada ter a sua verdade, válida somente para si. Já ‘verdade
relacional’ significa cada um participar da verdade e colocar em comum com os
outros a sua participação dela, que é uma verdade para todos”. Para sermos
honestos, não é tão óbvia assim expressão de Panikkar: “De uma janela vê-se
toda a paisagem, mas não totalmente”… O quinto princípio mostra que o diálogo “exige
uma forte vontade. O amor à verdade leva-me a buscá-la e a desejá-la, e por
isso me coloco em diálogo”, explica Morán. De acordo com o sexto princípio, só
é possível dialogar entre pessoas autênticas, capazes do amor, do altruísmo e
da solidariedade. E, por fim, o sétimo princípio afirma que a cultura do
diálogo possui uma única lei, a reciprocidade.
Como vemos, não faltam bons mestres desta arte. Espero
aprender alguma coisa com eles…
Jornal "O São Paulo", edição 3103, 25 a 31 de maio
de 2016.
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