terça-feira, 8 de setembro de 2015

A caridade que constrói a sociedade: as Santas Casas de Misericórdia

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Marli Pirozelli N. Silva, historiadora, mestre em Filosofia da Educação, é professora de Doutrina Social da Igreja no Centro Universitário da FEI e coordenadora do Centro Cultural Abaré.

A caridade – caritas – sempre esteve no centro da vida da Igreja. As inúmeras obras sociais surgidas ao longo dos séculos demonstram que a caridade nunca foi compreendida como um serviço complementar à fé, mas sim como expressão da própria natureza do cristianismo.
Foi no fluxo de vida nova trazida pelo cristianismo que floresceram as primeiras iniciativas de cuidado e proteção aos doentes, aos mortos insepultos nos tempos de pestes e aos famintos. Desta forma, foram se estruturando grandes obras sociais, tais como as Santas Casas, que desafiam o tempo, adaptando-se e renovando-se para atender às novas demandas sociais.
O lançamento do livro de Pe. Antonio Pucca, As Santas Casas de Misericórdia, de Florença a São Paulo, a epopeia da caridade (São Paulo: Companhia Ilimitada, 2015) lança luz sobre a Santa Casa de São Paulo, cujas origens remontam à Irmandade de Misericórdia de Florença, criada em 1244, passando depois pela fundação da Misericórdia em Portugal até chegar às terras brasileiras. A primeira Santa Casa de Misericórdia brasileira foi fundada em Olinda, em 1539. Seguiram-se então as Santas Casas de Salvador, Santos, Rio de Janeiro e São Paulo, esta última uma referência nacional no atendimento à saúde. O livro ilustra a abrangência mundial destas obras com algumas obras sociais nos EUA (charities) e traz exemplos de outras obras de caridade brasileiras atuais, nas quais o cuidado com o outro supera os desafios e os as limitações econômicas.
Os números das Santas Casas do Brasil são impressionantes: respondem por 2/3 dos leitos hospitalares do país e ao menos 60% dos seus serviços são dedicados aos pobres. Somente a Santa Casa de São Paulo realiza 730.000 atendimentos ao ano, sendo reconhecida também pela excelência em ensino e pela qualidade de seus centros de pesquisa e tratamento, apesar dos atuais problemas gerados pela falta de recursos.
Assim como outras obras de caridade, nascidas da iniciativa de pessoas e grupos empenhados na busca de soluções eficazes para os problemas sociais, as Santas Casas atuam silenciosamente no dia a dia, socorrendo as necessidades dos mais pobres, valorizando a dignidade humana e promovendo o desenvolvimento social.
Estas instituições constituem uma verdadeira riqueza social. Cabe ao Estado valorizá-las e protegê-las por meio de ações subsidiárias e de uma legislação adequada, para que possam se desenvolver de forma autônoma. A Doutrina Social da Igreja nos ensina que o Estado deve atuar de acordo com o princípio da subsidiariedade, valorizando a liberdade, a iniciativa e a responsabilidade da sociedade na solução de seus problemas e na condução do desenvolvimento, auxiliando os grupos sociais sem substituí-los ou torná-los dependentes. O Estado brasileiro deve reconhecer o papel decisivo que estas obras desempenham no fortalecimento da sociedade, pois atuam diretamente na construção do Bem Comum, cuidando do interesse coletivo e desempenhando uma função pública, embora não estatal.
Instituições como a Santa Casa não oferecem a solução para todos os problemas sociais, mas constituem uma expressão visível da caridade, da qual nasceram. São lugares onde a pessoa pode sentir-se amada e dar-se conta do próprio valor, onde a dor e sofrimento encontram conforto e esperança. São sinais vivos da presença de Deus, um farol que ilumina a vida de todos os que chegam até elas em busca de acolhida, assim como a de toda a sociedade.
Jornal "O São Paulo", edição 3067, de 02 a 08 de setembro de 2015.

Um comentário:

  1. Cara Marli li nas páginas amarelas da Veja de 19 de agosto a frase de Cézar Hidalgo:só a educação é pouco e o físico do MIT diz que o grande motor do desenvolvimento é a capacidade da sociedade de armazenar e processar o conhecimento.Quando vc fala em subsidiariedade vejo uma forma interessantíssima de armazenar e processar o conhecimento ajudando o bem comum.

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