Ana Lydia Sawaya, professora titular
de Fisiologia da UNIFESP - campus São Paulo e é conselheira do Núcleo Fé e
Cultura da PUC-SP.
O Brasil está na lista dos países mais violentos do mundo.
No ano passado foram assassinados 60 mil brasileiros. Por que? Atribui-se à
instabilidade econômica, ao desemprego, e à desigualdade de oportunidades. Um
grande estudioso sobre violência relata que esta não explode por causa da
pobreza, mas devido à percepção de injustiça. Ou seja, a violência explode onde
as pessoas percebem, com clareza, que estão sendo excluídas daquilo que a
sociedade considera um valor e um bem para si. Por isso, é a percepção de
exclusão e injustiça que faz explodir a violência.
O Brasil não é particularmente pobre - é uma economia
emergente. Sua riqueza, porém, é extremamente mal distribuída. Sabe-se também
que um dos fatores que mais influência a má distribuição de riqueza é a
qualidade da educação. E é exatamente neste quesito que o Brasil mostra
péssimas estatísticas. Não tem havido melhora na qualidade da educação no país
e, em proporção a outros países, tem havido piora.
Outro dado impressionante e que também está associado a este
quadro geral é a grande mudança que vem ocorrendo do ponto de vista religioso.
Há algumas décadas atrás os brasileiros diziam-se católicos em 90% dos casos.
Este número caiu para 50% segundo as últimas estatísticas, enquanto a proporção
dos que se tornaram evangélicos aumentou 61% nos últimos 10 anos. É evidente,
portanto, a grande instabilidade e insatisfação que está ocorrendo na
experiência religiosa dos brasileiros. Mas há um dado novo ainda mais
exemplificativo desta sociedade em profunda mudança e crise. O número de
evangélicos tem decrescido nas regiões onde primeiro se expandiram como a região
Sudeste e o número de evangélicos que hoje se declaram não praticantes chegou a
4 milhões de pessoas nas últimas estatísticas.
É inegável, portanto, as dificuldades que tantos brasileiros
tem encontrado para achar uma casa que os acolha na profundidade de sua vida e de
seu ser, e na resposta aos anseios mais profundos do seu coração. A experiência
religiosa parece uma zona movediça e insegura que faz milhões de pessoas
buscarem e correrem para lá e para cá, indo de igreja em igreja, do pastor A
para o B ou C, de uma paróquia para outra, em busca de algo profundamente
sólido, seguro, e que os ajude a viver. Algo, sobretudo que lhes dê o sentido
para viver.
Ainda podemos descrever um nível mais íntimo da vida das
pessoas e que também está profundamente em crise e pertence a essa areia
movediça que engole a tantos: a perda da segurança familiar, e consequentemente
social e econômica. Quantos jovens não vão para o tráfico porque seu “novo grupo”
substitui sua família, gerando laços fortes e promessas reais de inclusão na
sociedade de consumo pelo dinheiro fácil, que não precisa de uma boa escola,
nem entrar no mercado de trabalho.
O que fazer diante deste quadro cada vez mais claro e
estabelecido que faz alguns estudiosos relatarem que o Brasil pode estar sofrendo
um processo descivilizatório (ou seja, está indo para trás em termos de
civilização)?
O que podemos fazer nós que somos católicos? Repercorrer o
caminho dos primeiros cristãos. Reconstruir comunidades de leigos onde o amor e
o perdão sejam experiências reais, possíveis de serem encontradas e
experimentadas. Comunidades onde se compartilhe a vida real, as alegrias, as
tristezas, as dificuldades econômicas, se ajude os casais a viver seu casamento
e a educar seus filhos. E onde a mensagem de Cristo e seu anúncio de perdão e
amor possam ser vividos comunitariamente no dia a dia.
Jornal "O São Paulo",
edição 3191, 21 a 27 de março de 2018.
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