Francisco Catão
Na recente Exortação Apostólica, sobre o chamado à santidade
o papa Francisco, depois de discorrer, no primeiro capítulo, sobre a
experiência cristã na nossa vida ordinária cidadãos, indica, no segundo, dois inimigos
sutis que ameaçam destorcer a qualidade espiritual de nossa vida.
Para designá-los, recorre
a velhas heresias dos primeiros séculos do cristianismo, o gnosticismo e o
pelagianismo. Os gnósticos concebiam o cristianismo como um ideal reservado a
um pequeno grupo de eleitos, que vivia numa ilha de sabedoria, em meio ao mundo
pagão, entregue à ignorância e ao pecado. Os pelagianos, por sua vez, pensavam
que a salvação cristã era fruto de nossos próprios esforços.
Ao mencionar os traços
sutis de gnosticismo e de pelagianismo, no cristianismo de hoje, Francisco
aponta para alguns desvios latentes na pastoral da Igreja: por um lado, pensar que a salvação está em
aprofundar verdades abstratas, espiritualidades, métodos ou carismas
idealizados, e por outro, confiar principalmente na eficácia evangelizadora dos
planos pastorais, nas celebrações litúrgicas, nos meios de comunicação e nos
eventos de massa.
Num texto de
impressionante lucidez e coragem, depois de lembrar que a Igreja sempre ensinou
que não somos justificados pelas nossas ideias, pelas nossas obras, nem pelos
nossos esforços (cf. GE, 52),
Francisco denuncia que as duas tendências, desde a antiguidade, consideradas
heréticas, hoje parecem predominar.
Essas tendências se manifestam na “auto
complacência egocêntrica e elitista, desprovida do verdadeiro amor, presente em
muitas atitudes aparentemente diferentes entre si: a obsessão pela lei, o
fascínio de exibir conquistas sociais e políticas, a ostentação da doutrina e
do prestígio da Igreja, a vanglória ligada à gestão de assuntos práticos, a
atração pelas dinâmicas de autoajuda e, finalmente, a realização auto
referencial” (GE, 57).
“Nisto alguns cristãos, inclusive ministros da
Igreja, gastam suas energias e seu tempo, em vez de se deixarem guiar pelo
Espírito, no caminho do amor, apaixonarem-se por comunicar a beleza e a alegria
do Evangelho e procurar os afastados, nas imensas multidões sedentas de Cristo”
(ib).
“Sem nos
darmos conta, pelo fato de pensar que tudo depende do esforço humano,
canalizado através de normas e estruturas eclesiais, complicamos o Evangelho e
nos tornamos escravos de um esquema que deixa poucas aberturas para que a graça
atue” (GE, 59).
“Que o Senhor liberte a Igreja das novas formas de
gnosticismo e pelagianismo que a complicam e a detêm no seu caminho para a
santidade!” (GE, 62).
A Exortação prossegue apontando as fontes do Espírito,
as bem-aventuranças, e em especial, a suprema regra da misericórdia (Cap. 3),
para terminar descrevendo as cinco marcas do cristão em nossos dias (Cap. 4) e
o papel soberano do discernimento na determinação de como devemos agir nas
circunstâncias concretas de nossa vida, para respondermos ao chamado à
santidade (Cap. 5).
Jornal "O São Paulo",
edição 3196, 25 de abril a 2 de maio de 2018.
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