Rafael Mahfoud Marcoccia é professor
do Centro Universitário FEI.
Em artigo anterior (Antropologia
positiva: berço da sociabilidade, O São Paulo, 17/01/2018) encerrei
afirmando que a subsidiariedade parte de uma antropologia positiva e permite
correções virtuosas ao liberalismo e ao estatismo. Esse princípio encontra sua formulação mais adequada na Doutrina
Social da Igreja. Sua primeira formulação data da encíclica Quadragesimo anno (QA) de Pio XI: “Assim
como é totalmente errado tirar dos indivíduos aquilo que eles podem realizar
por sua própria iniciativa e trabalho e dar à comunidade, também é uma
injustiça designar a uma associação maior e mais alta o que organizações
menores e subordinadas podem fazer”, porque “toda atividade social deve, por
sua própria natureza, fornecer ajuda aos membros do grupo social, e nunca
destruí-los e absorvê-los” (QA 79).
Desde o início, o princípio é, portanto, caracterizado pelo
apelo a uma obrigação dupla por parte do governo: a obrigação negativa de se
abster de intervir quando os indivíduos e associações menores podem executar de
forma mais adequada certa função; e a obrigação positiva de ajudar e apoiar a
livre iniciativa dos indivíduos e de realidades sociais quando necessário.
A obrigação do governo de se limitar e de ajudar implica na
afirmação decisiva de que a liberdade humana é a dimensão primária e
construtiva no contexto social e institucional. A subsidiariedade sugere que é
preciso ver, ouvir, para aumentar o valor do que originalmente existe e
desenvolver livremente, de baixo para cima, em resposta às necessidades dos
indivíduos e da coletividade.
O princípio da subsidiariedade, portanto, se baseia na
hipótese de que a pessoa, individualmente ou em associação com outras pessoas,
é potencialmente capaz de confrontar as necessidades coletivas e satisfazê-las.
Essa perspectiva não é dominada pela suspeita em relação à presumível busca do
desejo particular e individual ou às consequências (negativas) que isso talvez
tenha para o bem comum. Pelo contrário, há confiança em que a tensão
construtiva dentro da condição humana tenha um resultado positivo.
Sempre que o projeto de um sistema de bem-estar social
reconhece a busca pelo bem e a capacidade de se relacionar como constituintes
de cada indivíduo, uma função subsidiária para o Estado emerge naturalmente,
baseada no respeito pela dignidade de cada pessoa e agindo para aumentar – em
vez de restringir ou diminuir – a capacidade de autonomia do cidadão, seja
enquanto indivíduo ou em associações livres. Por essa razão, ele deve agir em
grande parte de maneira subsidiária, sempre que as iniciativas dos órgãos
sociais não responderem adequadamente às diferentes necessidades individuais.
Em casos assim, a intervenção do Estado atua como um incentivo para apoiar as
iniciativas e o trabalho de indivíduos ou de formações sociais, sem
necessariamente substituí-los.
Assim, as necessidades estruturais do ser humano – como os
desejos de bem, justiça e verdade - são o ponto de partida para uma reestruturação
da sociedade que supere tanto a suposta racionalidade do homo oeconomicus, e uma
concepção de cidadania limitada ao desfrute passivo dos direitos (e impostos)
garantidos pelo Estado-Providência.
Em suma, a subsidiariedade propõe um novo paradigma social e
um “novo governo” baseado na colaboração, na interdependência, na negociação,
na parceria e no reconhecimento da necessidade de interação entre as realidades
públicas e privadas e, em especial, com as realidades não lucrativas do terceiro
setor.
Jornal "O São Paulo",
edição 3200, 23 a 30 de maio de 2018.
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