Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Ana Lydia Sawaya é professora da UNIFESP, fez doutorado em Nutrição na Universidade de Cambridge. Foi pesquisadora visitante do MIT e é conselheira do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
É característica de quem tem fé
lembrar-se sempre, ou ter sempre diante dos olhos, que o mundo não é um caos
abandonado ao vento dos impulsos dos homens maus, pois Deus veio nos ajudar de
forma definitiva; e o Espírito Santo age interminavelmente na história. Assim
podemos afirmar com o apóstolo Paulo “onde abundou o pecado, superabundou a
graça”. Goethe no Fausto diz que o diabo é aquele ser que quer sempre fazer o
mal, mas acaba sempre fazendo o bem.
Ninguém, que tenha o olhar um
pouco atento, pode negar que o mal tenha abundado no mundo nos últimos tempos;
mas se fixarmos ainda o olhar com atenção para escrutinar toda a realidade na
sua integralidade, descobriremos fatos surpreendentes. Um exemplo disso são os
dados sobre pobreza tornados públicos na recente Assembleia Geral das Nações
Unidas. Diz o relatório que estamos num momento histórico de inflexão, pois:
1. O
número de pessoas vivendo na pobreza extrema (US$ 1,90 por pessoa por dia) caiu
pela metade em duas décadas, e o número de crianças pequenas morrendo teve
queda semelhante – são seis milhões de vidas salvas todo ano pelas vacinas,
incentivo ao aleitamento materno, remédios para pneumonia e tratamentos contra
a diarreia! Assim argumenta que é preciso anunciar ao mundo que o processo mais
importante que aconteceu no início do século 21 foi a impressionante redução do
sofrimento humano. Em 1981, 44% da população mundial vivia na extrema pobreza
(segundo dados do Banco Mundial), e calcula-se que este número se tenha
reduzido para menos de 10% e continua em queda!
2. Ele
cita ainda outros fatos de deixar qualquer um de queixo caído de surpresa. Durante
toda a história da humanidade até a década de 1960, a maioria dos adultos era
analfabeta, sendo que atualmente 85% dos adultos presentes no mundo já foram
alfabetizados e a proporção está aumentando.
3. Além
disso, a desigualdade no mundo está em queda por causa dos ganhos conquistados
pelos pobres em países como a China e a Índia que contam com cerca de um terço
da população mundial. Por isso, a ONU tem como objetivo factível erradicar a pobreza extrema até 2030.
4. Por
fim, é necessário considerar que esta transformação da condição humana ocorreu num
período de 20 anos, ao passo que a pobreza e as péssimas condições de vida
assolaram a maior parte da humanidade por milhares de anos.
Esses são fatos que as pessoas
normais não sabem, porque ninguém ou quase os noticia. A tradição cristã nos
ensina ao contrário, educar-se a olhar sempre para o fator positivo da
realidade, para os dentes brancos da carniça de um cão morto como dizia um livro
apócrifo, para não cair na armadilha de sermos instintivamente arrastados pelo mal
com a ilusão de que estamos abandonados.
Não se trata absolutamente de uma
visão otimista da realidade, mas de uma observação atenta e realista, que não
pode deixar de constatar desde tempos imemoriais quando os homens começaram a
filosofar que a maioria dos seres humanos age sobre a terra em busca do bem da
beleza e da verdade, e com a ajuda de Deus, sempre encontrarão caminhos para alcançar
essas realidades. E que o mal existe, mas não é o fator predominante. Enquanto
há guerras, terrorismo, assassinatos, corrupção sistêmica, há também milhões de
pessoas trabalhando e atuando para diminuir a pobreza no mundo que estão sendo bem-sucedidas!
Jornal "O São Paulo", edição 3130, 30 de novembro
a 7 de dezembro de 2016.
Postei um comentário à época da matéria, nada registrado. Enviarei de novo.
ResponderExcluir07-12-16 Fiquei feliz ao ler a matéria, mas durou pouco em comparação com outras pesquisas. O Relatório 2016 da ONG britânica OXFAM o CEPAL e até mesmo o Credit Suisse, mostram que a pobreza e a concentração atingiram patamares como nunca antes. No Brasil a Pastoral da Criança (CNBB) afirma que, em 2016, 20 milhões de pessoas vivem em situação de extrema pobreza, 7 milhões passam fome e, por ano, 6 MIL CRIANÇAS MORREM DE FOME e falta de assistência. A redução da pobreza brasileira esteve ligada às políticas sociais dos governos do PT, mas depois do GOLPE e da reimplantação da política para ricos e endinheirados a situação tende a regredir, como já acontece. Por isso a felicidade gerada pela notícia dura pouco. E na linha de denuncia do Papa Francisco a miséria e a fome são frutos do pecado da exploração de nações ricas sobre nações pobres, o capitalismo e o neoliberalismo não contemplam a todos, está na essência, os incluídos tem uma vida muito boa e várias opções para abrandar sua consciência e esconder ou desviar da massa excluída. É preciso manter a fé que alimenta o trabalho e a luta por um mundo melhor, a paz só é possível com justiça. Manter a esperança, mas nunca perder de vista a realidade. Esta não me permite inferir que a pobreza e a fome recuaram, não quando, só no Brasil, 6 mil crianças morrem de fome todo ano e 7 milhões passam fome. É muita gente!
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