Antônio Carlos Alves dos Santos, professor titular de
Economia da PUC-SP e conselheiro do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
Qual modelo de economia de mercado? Essa é uma questão
fundamental entre aqueles que reconhecem que há diferenças substanciais entre os
modelos de economia de mercado realmente existentes e o espantalho criado tanto
pelos que o criticam e quanto pelos que o consideram a oitava maravilha.
O modelo anglo-americano
é bem diferente daquele adotado na maioria dos países europeus, e mesmo entre esses
há diferenças importantes. Para não mencionarmos o caso sui generis que é o modelo chinês. Nos países em desenvolvimento,
poucos resistem à tentação de copiar um desses modelos, com a preferência recaindo,
no plano da retórica, ao anglo-americano, mas o capitalismo realmente existente,
não raro, é melhor descrito como uma variante do modelo social spenceriano (a
lei do mais forte).
Para quem considera o capitalismo como a fonte de todos os
males, impossível de ser reformado para adquirir uma face humana, essa
discussão é irrelevante. É uma posição, intelectualmente respeitável, mas,
também, a melhor expressão do niilismo de cátedra.
O que diferencia os diferentes modelos de economia de
mercado é sua visão sobre o papel do Estado na economia. Para alguns o Estado
deveria intervir diretamente na economia através de empresas estatais, que não
deveriam ficar limitadas apenas às empresas prestadoras de serviços de
utilidade pública. Um segundo grupo defende uma intervenção indireta do Estado
na economia por meio de um ordenamento jurídico criado para garantir (através
de regulamentações) o bom funcionamento da economia de mercado e o respeito à
pessoa humana.
Esses modelos, principalmente o segundo, estão em
conformidade os documentos sociais da Igreja. Com efeito, “a tarefa fundamental
do Estado em âmbito econômico é o de definir um quadro jurídico apto a regular
as relações econômicas” (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, CDSI 532), sendo
que “é necessário que mercado e Estado ajam de concerto um com outro e se
tornem complementares” (CDSI 533). A tensão existente entre o mercado e o
Estado, não se resolve em uma dialética na qual a síntese seria a negação de um
dos polos, mas na contribuição de ambos ao bem comum: a tensão existe, mas é benéfica
por corrigir as imperfeições do Estado e do mercado. Como fazê-lo, depende do
estudo de cada situação.
Há, ainda, um terceiro grupo, minoritário entre os
economistas, mas que apresenta um crescente sucesso entre os jovens, que
defende um modelo de economia de mercado totalmente desregulamentado. Nele o
mercado reina soberano e não apresenta nenhuma imperfeição que justificasse a
regulamentação estatal. A compatibilidade dessa visão com a Doutrina Social da
Igreja é problemática, pois pode levar a uma concepção de liberdade humana “que
a desvincula da obediência à verdade e, por conseguinte, também, ao dever de
respeitar os direitos dos outros [...] que conduz a afirmação ilimitada do
interesse próprio, sem se deixar conter por qualquer obrigação de justiça” (Centesimus Annus, 17).
A maioria da comunidade de economistas, o chamado mainstream da profissão, reconhece que a
intervenção do Estado na economia, na forma de regulamentação de alguns de seus
setores, é de fato necessária. O que se debate é quais setores deveriam ser
regulamentados, assim como qual seria o tipo e extensão dessa regulamentação.
A intervenção direta do Estado, na forma de estatização de
empresas, não é muito popular, exceto entre os economistas heterodoxos, no
Brasil conhecidos como desenvolvimentistas ou neo-desenvolvimentistas. Mas isto
é tema para outro artigo.
Jornal "O São Paulo",
edição 3193, 4 a 11 de abril de 2018.
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