Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
Recebo numa rede social o post com o caso (real ou fictício) da mãe que conforta outra mãe, cujo filho presidiário está sendo removido para longe por causa das lutas entre facções. No final, a mãe que consola diz à outra que entende sua dor, porque seu filho também está longe: foi assassinado pelo filho da outra.
O post conclui com uma declaração indignada sobre o reconhecimento
“excessivo” dos direitos dos criminosos. Nos comentários, aprovações e condenações
entusiásticas. Refletem a polarização que há alguns anos vem crescendo na
sociedade brasileira e no resto do mundo.
Essa polarização não nasce apenas das diferenças de opinião.
Reflete o ressentimento e a raiva das pessoas quando não veem sua dignidade e
seus esforços reconhecidos. Não só no Brasil. As visões dos eleitores de Trump sobre
a situação norte-americana e de boa parte dos europeus sobre a União Europeia têm
raízes semelhantes.
Na sociedade da informação, com o aprimoramento das
instituições, as mazelas e os limites dos políticos se tornaram muito mais
evidentes, levando ao desencanto e à indignação com seu aparente descaso pelo
bem-comum. A crise econômica penaliza os trabalhadores, ameaçando-os com o
desemprego, os cortes de salários, as falências, o comprometimento das
aposentadorias. O Estado não consegue criar (ou manter) políticas públicas de
qualidade, o caos social parece crescer, levando a insegurança ao cidadão.
O ressentimento não nasce apenas de um contexto
socioeconômico e político. A sociedade multicultural, enfatizando as diferenças
e a autonomia, avança na tolerância, mas ainda permite o ressentimento. Nas
escolas, por exemplo, o bullying continua magoando o jovem que decidiu
assumir-se homossexual, mas também afeta aquele que decidiu viver na castidade.
Sem saber como superar todas essas situações, o cidadão
comum se torna presa do ressentimento, que obscurece a razão e torna as soluções
ainda mais difíceis. Quem faz o discurso mais raivoso e ataca mais ao outro,
parece mais inteligente e corajoso, vendendo ilusões belicosas que não constroem
uma sociedade melhor. É um terreno fértil para o crescimento do autoritarismo e
para a descrença na democracia.
Os embates para saber quem está certo e quem está errado
pouco ajudam nesse momento. Precisamos do diálogo que permite entender as
razões e motivações do outro, para construirmos juntos o bem-comum. A
democracia ainda é o melhor (ou menos pior) caminho. Mas ela só amadurece no
diálogo e no encontro.
As duas mães do tal post, tinham razão em sua dor, mas
ressentimento e raiva só farão com que mais mães e mais filhos vivam essas
tragédias. Seu sofrimento não pode ser
minimizado ou menosprezado, mas são a união e o apoio mútuo que permitem a
justiça e a consolação da sua dor.
O ressentimento é mal conselheiro. Discursos não conseguem
superá-lo. Como o exemplo do Papa Francisco tem procurado mostrar, apenas o
amor e a acolhida incondicional ao outro podem, num momento tão polarizado como
esse, criar o diálogo.
Os fenômenos sociais funcionam como reações em cadeia que se
propagam e multiplicam. Um gesto de raiva gera muitos novos gestos de
ressentimento e raiva. Um gesto de amor gera muitos novos gestos de amor e
diálogo.
A comunidade cristã é o lugar onde gestos de amor podem
acontecer e se multiplicar. Para dar nossa contribuição a esse momento
histórico, temos que ter os olhos abertos para o amor recebido e nos deixar determinar
por ele e não pelo ressentimento. Pode parecer ingênuo, mas é nossa melhor
contribuição para construir a boa política.
Jornal "O São Paulo", edição 3135, 25 a 31 de janeiro
de 2017.
Compreendi o cerne da mensagem. Mas a qual público se está falando? Às pessoas presas de indignação e ressentimento, ou àquelas que poderiam dirimir seu sofrimento?
ResponderExcluirComo as pessoas podem passar da indignação à compreensão e diálogo, sem encontrar guarida para seu desamparo? Onde elas irão buscar justiça, informação, e uma comunidade de acolhida e defesa mútua?
A Igreja promove suficientemente o amparo e o esclarecimento?
Há 2000 anos a Igreja promove o amparo e o esclarecimento. 'suficientemente' é que permanece sem resposta, ao menos uma resposta cabal.
ExcluirEm minha opinião será tão mais suficiente quanto, a partir de, mas não somente, os cristãos praticarem o acolhimento de seu irmão (todos os humanos são irmãos entre si porque todos são filhos de Deus)sem reservas e na Verdade com 'V' maiúsculo.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirSigo na mesma linha de pensamento da Angelica. O igreja (e as comunidades de leigos) não deveriam ser a responsável por este amparo e esclarecimento? Será que não vivemos em"pensamentos utópicos e filosofando" demais e esquecendo dos gestos concretos? Como poderiamos contribuir concretamente para o amparo destas duas mães?
ResponderExcluirJubismar Tadeu
Primeiro passo será reconhecer a dor de cada uma.
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