“O sofrimento somente é intolerável
quando ninguém cuida”.
(Cicely Saunders)."
Ao longo da
história, o conceito da morte foi se alterando. Há séculos ela ocorria no
âmbito público, familiar e religioso e a expectativa de vida era baixa[1].
Os avanços tecnológicos e científicos tornaram a vida mais longeva, e os profissionais de saúde passaram a manipular recursos
sofisticados para evitar padecimentos. A morte, por sua vez, tornou-se
hospitalar. E não é raro senti-la como um fracasso, seja da equipe de
profissionais envolvidos, seja pela ausência de investimentos suficientes. Há
casos em que esse sentimento é exato, mas muitas vezes isso se deve à nossa
resistência em aceitar a realidade da morte. Talvez essa resistência seja
reforçada pela crença generalizada de que essa passagem é sempre acompanhada de
dores e sofrimentos insuportáveis. Entretanto, a literatura e pesquisas apontam
que o mais doloroso ao paciente é a experiência da solidão, tantas vezes
inerentes ao ambiente hospitalar de terapias intensivas.
E aí entram em jogo
os cada vez mais valorizados “cuidados paliativos”, nos quais o psicólogo
assume um relevante papel. Se nem sempre é possível curar, sempre é possível
cuidar dos pacientes em sua fase terminal.
Desde 2002 a
Organização Mundial de Saúde (OMS)[2] define
Cuidados Paliativos como uma possibilidade de cuidado integral e amplo das
diferentes dimensões humanas[3],
fornecido ao paciente e à sua família. Atuam com prevenção e alívio do
sofrimento por meios de identificação precoce, avaliação correta e tratamento
da dor e de outros problemas de
ordem física, psicossocial e espiritual. A falta de prognóstico ou de
possibilidade de cura para pacientes não inibe que estes não recebam
terapêuticas adequadas para seu bem-estar e qualidade de vida até o seu último
instante. Esse procedimento é visto como um direito do paciente/família e um
dever dos profissionais de saúde, podendo ser oferecidos desde a revelação
diagnóstica, em diferenciados públicos.
A possibilidade
dessa atuação requer um ambiente apropriado para dar suporte contínuo. E,
embora envolva poucos recursos tecnológicos, requer relativamente mais recursos
humanos, com equipes de saúde qualificadas. Essas equipes são
multiprofissionais, compostas por médico, enfermeiro, assistente social,
nutricionista, fisioterapeuta, psicólogo, terapeuta ocupacional,
conselheiro espiritual ou capelão[4].
E todos interagem entre si, valorizando-se os diversos conhecimentos e
enfoques, que se apoiam mutuamente, reconhecendo-se as competências e as
incompetências correlatas, as possibilidades e os limites da própria disciplina
e de seus agentes.
Em 2007, a OMS atribuiu ao psicólogo o trabalho de minimizar
o sofrimento em relação ao paciente, à família e à equipe de saúde, todos
considerados cuidadores. A mesma
organização entende e recomenda reafirmar a vida e considerar a morte como um
processo normal, sem apressar ou adiar a morte, oferecer alívio à dor e a
outros sintomas que causem sofrimento, integrar aspectos psicológicos e
espirituais dos cuidados aos pacientes, oferecer apoio para que se viva tão ativamente
quanto possível até a morte, oferecer apoio à família no enfrentamento da
doença e do luto. Deixando claro que os cuidados paliativos não significam
“nada mais será feito” já que sempre há uma terapêutica a ser preconizada para
um doente[5] com
ações paliativas:
Qualquer
medida terapêutica, sem intenção curativa, que visa a diminuir, em ambiente
hospitalar ou domiciliar, as repercussões negativas da doença sobre o bem-estar
do paciente. É parte integrante da prática do profissional de saúde,
independente da doença ou de seu estágio de evolução. (MACIEL, 2008, p.23)[6]
São procedimentos
que diminuem os sintomas de desconforto, capazes de evitar o sofrimento e a dor
que podem envolver essa situação até o final da vida, indispensáveis ao
paciente. É esperado que o psicólogo neste contexto tenha habilidades
relacionadas às questões do final da vida, a fim de responder aos desafios
encontrados nesse contexto laboral instável, de alto risco de mortalidade,
presença de diferentes saberes e intensas demandas familiares. Este
profissional atua com o paciente e com os cuidadores, seja a família ou a equipe de saúde, com escuta ativa; boa
comunicação; conhecimento técnico dos quadros clínicos e criatividade para
aprimorar estratégias de enfrentamentos, condizentes com essa realidade de
adaptação, de perdas e de lidar com o luto. Cabe a ele lidar com as diferenças
de crenças, valores e conhecimentos que o permeiam tanto pela família, quanto
os membros da equipe; atuando assim como ponte entre os diferentes membros
envolvidos.
Tão difícil se faz,
em tempos modernos, cuidar da sobrevivência da esperança ou lidar com a
frustração da impotência frente a morte, que passou do meio público e familiar
para o ambiente hospitalar. Diante desse quadro surge a necessidade de retomar a função do
cuidar. Em meados do século XX, volta-se a questionar o cuidar, para os
profissionais de saúde, para além do curar. É nesse contexto que a função do
psicólogo se tornou fundamental para o acolhimento, a humanização, troca de
saberes e oferecendo suporte necessário para este momento.
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