Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Ana Lydia Sawaya é professora da UNIFESP, fez doutorado em Nutrição na Universidade de Cambridge. Foi pesquisadora visitante do MIT e é conselheira do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
Será que ao abrir a tampa de uma garrafa de refrigerante
seremos realmente felizes? A ciência vem mostrando o contrário. Refrigerantes e
comidas ricas em açúcar, sal e gorduras geram vício alimentar, estão na base do
aumento da obesidade, e de muitos problemas de saúde como o diabetes e as
doenças cardiovasculares.
“Amo muito tudo isso”, “com sabor de quero mais”,
“exageradamente gostoso”, “um sabor inesquecível”: as indústrias de alimentos e
bebidas têm explorado cada vez mais a associação entre prazer e felicidade,
pois descobriram que esses processos associativos aumentam muito suas venda:
Mas prazer e felicidade não são sinônimos. Os antigos gregos
diferenciaram bem essas duas experiências mostrando que podem até ser
antagônicas. Usaram a palavra “eudaimonia” para descrever a experiência de
felicidade (ter um espírito bom) e a palavra “hedonia” para descrever o
sentimento de prazer. Diziam que pouco prazer traz infelicidade, mas muito
prazer traz infelicidade também e que a felicidade esta no meio termo e na
capacidade de autodomínio. Nem muito, nem pouco.
Para eles, a raiz da felicidade está em saber decidir, ter
liberdade para decidir pelo bem. E a felicidade é proporcional ao ser livre das
coisas materiais. Assim, o apego excessivo ou incontrolado a algo gera
infelicidade. Um monge do deserto chamado Evágrio Pôntico dizia: “Seja o
porteiro do seu coração e não deixe entrar nenhum pensamento sem interroga-lo.
Interrogue cada pensamento individualmente e diga-lhe: você é um dos nossos ou
um dos nossos adversários? Se for da casa, vai enchê-lo de paz. Mas se for do
inimigo, vai perturbá-lo pela raiva ou provoca-lo pela cobiça”.
A ciência está cada vez mais de acordo com esses antigos sábios,
pois estudos científicos têm mostrado que quando uma criança toma refrigerante
seu cérebro memoriza o sabor, o aroma, o barulho de abrir a garrafa, as
bolhinhas que faz e, para o resto da vida, desejará este prazer e o terá guardado
em sua memória. E quando tiver oportunidade, tomará de forma excessiva essa
bebida. Algo parecido com o vício do cigarro ou da cocaína. Todas as bebidas
adocicadas e industrializadas tem esse efeito.
Se a mãe toma refrigerante frequentemente ou todos os dias
durante a gravidez, o cérebro da criança terá uma atenção saliente e uma busca frequente por esta bebida após o
nascimento. Isto acontece porque alimentos ricos em açúcar, gordura e sal
geram, mais do que outros, emoções positivas que aumentam a motivação para
obtê-los, tão logo são lembrados ou estão disponíveis ao alcance da mão. Ingeri-los
é recompensador. Por quê?
Sal, açúcar e gordura eram
muito difíceis de serem obtidos na natureza. O sal era considerado ouro
na antiguidade; e a gordura vinha da caça e exigia grande esforço para ser
obtida. Por isso nosso cérebro procura preferencialmente estes ingredientes e
os prefere em relação a outros.
A mentalidade hedonista proporcionou à indústria a motivação
necessária para oferecer produtos baratos, à disposição de todos e a qualquer
hora do dia. Essa situação gerou o descontrole e muitos problemas de saúde.
A solução? É o equilíbrio e cozinhar o máximo possível
alimentos in natura. Voltar a comer
só nas horas certas. Sentar à mesa com a família num ambiente calmo e tranquilo.
Cuidar das conversas e falar do que é positivo. Deixar os problemas para outro
momento e não ver televisão enquanto come.
Jornal “O São Paulo”, edição 3033, de 7 a 13 de janeiro de 2015.
Gostei do artigo por discutir um tema de saúde pública que atinge a todos nós, indistintamente de classe ou região do país. Não concordo, contudo, com o olhar "neurocentrista" que afirma uma correlação absoluta e unilateral entre sistema nervoso (cérebro) e nossas ações. Será que somos tão dependentes e determinados por um único órgão em toda nossa complexa estrutura corporal?
ResponderExcluirabs,
Ana Lydia, achei o texto delicioso e pertinente. Interessante a citação do monge Evagrio e as referencias de marketing. Muito bom.
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