Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo,
coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
Durante os protestos contra o aumento das tarifas de ônibus,
em 2013, um grupo de jovens de um movimento católico saiu de sua reunião e teve
que atravessar a manifestação que ocupava a Paulista. A certa altura, o grupo
entrou por uma rua lateral, percorrendo seu caminho, e notou que estava sendo
seguido por uma pequena multidão de manifestantes, que pensavam que eles eram
uma ala que fazia um caminho alternativo.
O padre que me relatou este episódio disse que naquele
momento percebeu a responsabilidade de nós cristãos num momento difícil e
conturbado como este que o Brasil atravessa.
Escândalos de corrupção, dificuldades no plano econômico que
ameaçam também o social, deputados e senadores que parecem legislar em causa
própria, crise hídrica ameaçando o abastecimento de água e energia... Um
cenário que vai se tornando cada vez mais difícil, diante do qual parece
difícil manter uma esperança razoável, levando ao ceticismo, ao conformismo ou
à raiva.
No ano em que a Igreja reflete sobre sua relação e seu
serviço à sociedade, é mais do que justo nos perguntarmos sobre nossa
responsabilidade de cristãos diante do momento atual.
Em momentos críticos, as alternativas e esperanças
verdadeiras não dependem de análises e ideologias, que podem até ser
ferramentas úteis, mas não vão além disso. A capacidade de enfrentar e superar
as dificuldades vem de acontecimentos que despertaram e despertam nossa
humanidade, que nos fazem viver a solidariedade, fazer sacrifícios, construir
na própria dificuldade.
Protestos e manifestações podem ter um grande impacto
político, mas não ajudam a construir o novo se não refletem estes
acontecimentos que despertam a humanidade e a solidariedade das pessoas. Sem
esta base de construção, as forças se perdem e se desorientam, como os manifestantes
que seguiram por uma outra rua só porque viram um grupo coeso entrar por ela.
Acontecimentos assim são cada vez mais raros numa sociedade
individualista e consumista, mas são muito frequentes na vida da comunidade
cristã – ao menos quando esta vive com sinceridade o mandamento do amor que
Cristo nos deixou e procura ser uma presença na vida da sociedade.
São acontecimentos simples e que podem parecer até banais: a
acolhida de alguém em necessidade, uma pequena obra social, um espaço de
orientação humana e/ou espiritual, amizades sinceras e desinteressadas. O
problema não é o tamanho do gesto, mas sim o quanto ele é um ponto de partida,
um critério de juízo, que permite um outro olhar sobre a realidade – um olhar
cheio de humanidade, solidariedade e desejo de construção.
Os cristãos não são nem melhores, nem mais inteligentes, do
que os outros. Pelo contrário, somos iguais a todos. O que temos é um primeiro
acontecimento, o encontro pessoal com Cristo, que tocou nosso coração e, a
qualquer momento, diante de qualquer dificuldade, pode dar uma direção e um
sentido à nossa existência, nas palavras de Bento XVI, na Deus caritas est, repetidas por Francisco em sua carta a Eugenio
Scalfari (04/09/2013).
Mas este encontro, para se manifestar em todo o seu vigor,
não pode ficar confinado a um limbo intimista. Ele tem que ser documentado em
todos estes pequenos acontecimentos por meio dos quais a comunidade cristã pode
irradiar, com humildade e sem pretensão, amor e esperança ao mundo. Daí nasce
uma inteligência da fé que pode ser uma contribuição fundamental à sociedade
brasileira atual.
Jornal “O São Paulo”, edição 3041, de 4 a 10 de março de
2015.
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