sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Tempo favorável

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte
Klaus Brüschke é membro do Movimento dos Focolares, ex-publisher da Editora Cidade Nova e articulista da revista Cidade Nova.

O Ano do Laicato, proclamado pela CNBB, pode vir a ser para os cristãos leigos um tempo favorável nos tempos que vivemos.
Chamados a ser sal da terra e luz justamente nesse mundo mergulhado na “noite” da mudança de época, aquele da pós-modernidade, da pós-humanidade, do pós-capitalismo, do pós-cristianismo, da pós-verdade…, eles podem oferecer a concepção do ser humano como pessoa em relação – consigo mesma, com seu semelhante, com Deus, com a natureza e com as coisas -, em muito diferente do hiperindivíduo, do homo œconomicus ou do homo consumans. Podem igualmente oferecer uma concepção das relações humanas como dádiva, possibilitando a superação das relações como dominação e exclusão.
Tais concepções, enraizadas no Evangelho e desdobradas no riquíssimo patrimônio do Magistério da Igreja, requerem uma mediação, uma atualização e uma aplicação no pensamento e na prática política, econômica, social, educacional, artística, cultural, comunicacional… Enfim, nos inúmeros “areópagos modernos”, como apontam nossos Pastores no documento nº 105 sobre o laicato, de imprescindível leitura.
Essa operação não está dada de uma vez por todas. Requer, antes de tudo, mística e sabedoria, e depois, estudo, elaboração, crítica, ação. Uma das maneiras de isso ser dar é mediante o diálogo. Numa “direção” “interna” e noutra “externa” (verso e reverso de uma mesma atitude).
“Internamente”, entre os cristãos – em sua diversidade de carismas, espiritualidades, sensibilidades, linhas de pensamento - no exercício do discernimento dos “sinais dos tempos” e de como aplicar os princípios cristãos na realidade atual, caracterizada pela complexidade. Tal atitude dialógica possui um enorme potencial de testemunho daquele amor mútuo que caracteriza os discípulos de Jesus (cf. Jo 13,35) e de ser “espaço” para Deus realizar aquela unidade “a fim que o mundo creia” (cf. Jo 17,21).
“Externamente”, com a sociedade contemporânea, em sua profusão de referenciais teóricos e narrativas. Expressão da Igreja em saída, tal diálogo requer a consciência de não sermos os possuidores da verdade (pois é a Verdade que nos possui) e, assim, colocarmo-nos com os outros na descoberta dela, verdade que não é relativa, mas relacional, ou seja, compreendida na relação, inclusive com quem não partilha de nossos princípios.
O diálogo postula algumas posturas norteadas pelo amor. Antes de tudo, o reconhecimento da dignidade e do valor do outro, dando um voto de confiança em sua boa-fé, ainda que seu pensamento e suas atitudes nos deixem perplexos, com a certeza de que todos têm algo a doar, possuem, de alguma forma, “sementes do Verbo” a serem comunicadas.
Uma segunda atitude é escutar o outro sem filtros de esquemas pré-concebidos (muito menos demonizando-o a priori), buscando compreender seu ponto de vista com abertura, profundidade e sinceridade.
Uma terceira atitude é, então, apresentar a própria razão, de maneira embasada e competente, mas com humildade, como quem oferece um presente, sem querer persuadir. Trata-se do “respeitoso anúncio” (João Paulo II).
Uma quarta atitude é ter um pensamento incompleto (Francisco), que se traduz no encanto de aprender do outro e com o outro algo de novo, de se deixar surpreender com as novas verdades compreendidas.
Se a noite de nosso tempo nos faz temer e talvez nos fechar nas barricadas de nossas certezas, quem sabe a saída para o diálogo não contribua para antecipar a madrugada daquele tempo novo anunciado por Jesus…
Jornal "O São Paulo", edição 3184, 31 de janeiro a 6 de fevereiro de 2018.

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