sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

A revelação do homem a si mesmo e a cultura atual

Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

“Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente... Cristo, novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe sua vocação sublime” ( Gaudium et Spes , 22). Essa afirmação tem um alcance enorme no diálogo entre a comunidade cristã e a cultura contemporânea. 
A Doutrina Social da Igreja se baseia no que o magistério chama de “lei natural”, que nada mais é do que o reconhecimento da natureza humana em sua integralidade e profundidade. Por nossa natureza, existem coisas que nos fazem bem e coisas que nos fazem mal, tanto em nosso íntimo (e daí decorrem os princípios da moral privada) quanto na organização da sociedade (de onde decorrem os princípios da organização da sociedade com vistas ao bem comum). 
Assim, essas reflexões da Igreja – sejam elas sociopolíticas ou ligadas à ética privada, às relações afetivas e à sexualidade – não são confessionais, isso é, não são válidas apenas para os que compartilham a fé católica, mas para todos os seres humanos. Por exemplo, a dignidade absoluta da pessoa humana, tal como defendida pela Doutrina Social da Igreja, é um dado reconhecível por todos os seres humanos, independentemente de suas crenças religiosas, enquanto a presença misteriosa de Cristo no sacramento da Eucaristia é um dado de fé, que não é evidente para quem não é católico. 
Em questões de ordem moral ou social, a força do diálogo dos católicos com o mundo laico depende, portanto, do quanto deixamos que a revelação da natureza humana, realizada por Cristo, nos auxilie a compreender e acolher os problemas das pessoas concretas e ajudá-las a superar esses problemas. Não se trata de posições ideológicas mais ou menos certas, mas de uma inteligência iluminada pela descoberta do amor infinito de Deus por cada um de nós.
Por outro lado, também temos que reconhecer que não chegamos às posições que temos porque somos mais inteligentes ou sábios que os demais. Basta olharmos em volta, para nossos amigos e parentes, e nos perguntarmos: se não tivéssemos conhecido a Cristo, como agiríamos e nos posicionaríamos, em termos afetivos, morais, sociais e políticos? A maioria de nós, provavelmente, agiria de forma bem diferente da que age, pois seguiríamos a mentalidade dominante e os lugares comuns de nossa cultura. 
É o encontro com Cristo que nos faz diferentes, no agir e no pensar. A realidade é sempre desafiadora e incomoda, e precisamos sentir a segurança de um amor gratuito para podermos compreender, sem ideologias ou preconceitos, a nós e ao mundo. 
Por isso, no diálogo com a cultura de nosso tempo, temos que considerar que não queremos defender a “nossa posição”, mas a verdade que faz bem a todos; reconhecermos que não são nossos argumentos – por mais justos que sejam –, mas a força do amor que ajudará nossos irmãos a compreenderem essa verdade. 
Jornal "O São Paulo", edição 3183, 24 a 30 de janeiro de 2018.

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