quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Dos fundamentalismos? Livrai-nos Senhor!

Léo Pessini, doutor em Teologia Moral-Bioética e pós-graduado em Clinical Pastoral Education and Bioethics, pelo St. Luke`s Medical Center, em Milwaukee, nos EUA. Atualmente exerce a função de Superior Geral dos Camilianos, em Roma.

“Fundamentalismo: desafios à Ética Teológica” foi o tema do 41º. Congresso de Teologia Moral, realizado em São Paulo, no Centro Universitário Salesiano (UNISAL)/Campus Pio XI, de 28-31 de agosto de 2017.
Nestaedição do evento, debateu-se essa instigante e preocupante questão do crescimento dos fundamentalismos em amplos setores da vida humana, desembocando em fanatismos nocivos e promotores de violência.
Fazemos a seguir alguns destaques de aspectos que nos marcaram neste evento, e que merecem nossa atenção. Começa-se a falar de “fundamentalismo” no sentido teológico entre os presbiterianos conservadores dos EUA no final do século XIX e início do século XX, voltando-se para as questões dogmáticas.  Hoje o termo fundamentalismo ganhou um significado ampliado, apontando para movimentos e /ou atitudes, na teologia e em outros campos, para além do âmbito religioso inclusive, que se agarram de uma forma irremovível a determinadas posições, como dogmas inquestionáveis. Deparamo-nos assim com fundamentalismo de cunho sócio-econômico-político e ético-moral em geral.
Segundo o biblista Yohan Konings, “o problema do fundamentalismo não é seu conservadorismo ou tradicionalismo, mas sua recusa de diálogo e interpretação”.  Fundamentalismos e fanatismos são expressões de enfermidade e patologias de pensamentos e visões humanas, que necessitam de uma urgente intervenção terapêutica em vista de saúde.  Neste cenário, necessitamos de educação terapêutica das nossas consciências. Uma consciência e convicção religiosa que saiba respeitar o sadio pluralismo religioso e laicidade secular, como espaços preciosos de diálogo na sociedade de hoje.  Trata-se de um pensamento, visão e ação “hospitaleira” que acolhe o diferente, marcada pela inclusão, compaixão e solidariedade, e não uma postura de “hostilidade” que exclui o diferente com violência (fanáticos). Em vez de ser para e pelo outro, posiciona-se contra “o outro”, que é eleito como inimigo a ser combatido.
Lembramos ainda que sempre precisamos colocar “o texto, no contexto para que depois não sirva de pretexto”.  O que se diz da ética teológica, o mesmo pode ser dito em relação a bioética. Como afirma Bruce Jennings (editor-chefe da última edição da Encyclopedia of Bioethics, 2014), “Se a bioética não for crítica, pode se tornar apologética ou ideológica”.  Sem dúvida alguma a crítica hermenêutica será sempre um remédio necessário e eficaz para garantir a lucidez e sapiência do pensamento ético teológico e bioético para combater preventivamente toda e qualquer patologia ou enfermidade do pensamento, fundamentalista que alimenta ações de fanatismo e violência.
Ao falarmos de fanatismo, de cunho religioso ou não, é bom lembrar o que diz Amós Oz, escritor israelense e ativista político, na sua obra mais recente lançada no Brasil, “Como curar um fanático”.   Sua definição é emblemática: “O fanático nunca entre em um debate. Se ele considera que algo é ruim, seu dever é liquidar imediatamente aquela abominação. Todos os tipos de fanáticos tendem a viver num mundo em preto e branco. Num faroeste simplista de mocinhos contra bandidos”.  Concluindo seu ensaio, Oz, sendo judeu, argumenta que todos os mandamentos que regem a fé e a cultura de sua gente poderiam ser resumidos numa só frase: “Não causarás a dor”.
O Papa Francisco não cessa de nos alertar criticamente a respeito da necessidade de discernimento perante as situações “cinzas” da vida, quando  os fundamentalistas somente veem “preto e branco”. Num livro de entrevistas a ser lançado na França, comenta a respeito das posições fundamentalistas dizendo “Quando encontro alguém rígido, em especial se ele é jovem, eu digo para mim mesmo, que ele está doente. Na verdade, estão procurando segurança” (Folha de S. Paulo, 01/09/2017).
Que triste doença está de ver, encarar e viver a vida somente em “preto e branco”, quando a criação divina é tão rica e linda quando a respeitamos como sendo originalmente multicolorida.

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