Ilustração: Sergio Ricciuto Conte |
coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
No encontro com os bispos durante
a JMJ, na catedral de Cracóvia, em 27 de junho, Papa Francisco fez um duro
pronunciamento contra a ideologia de gênero: “Hoje às crianças – às crianças! –
na escola, ensina-se isto: o sexo, cada um pode escolhê-lo [...] Isto é
terrível”.
Sempre que o Papa faz uma
declaração desse tipo, num discurso ou num documento, de forma mais contundente
ou mais contida, vemos um monte de artigos dizendo “estão vendo, ele condena a
ideologia de gênero” e outro monte dizendo coisas como “não é bem assim” ou “o
Papa não entendeu bem a questão”. Se a declaração fosse no sentido da acolhida
aos homossexuais, também frequente nas palavras do Papa, veríamos uma coisa
semelhante, só que com posições invertidas. Com isso, o leitor desavisado tem a
impressão de que o Papa não tem ideias muito claras ou que joga para os dois
lados.
Na verdade, a posição de
Francisco é bastante clara. O seu método, contudo, é estranho à nossa lógica –
e por isso nos atrapalhamos. Contrapomos noções ideológicas a outras que
consideramos verdadeiras, confiando que nossos argumentos mostrarão a falsidade
ideológica dos que pensam diferente. No fundo, são ideias contrapostas a
ideias. Umas estão mais perto da verdade que outras, mas permanecem como ideias
em confronto. Já para Francisco, as ideologias não são vencidas por ideias, mas
por fatos. No caso, pelo fato da acolhida.
Vejamos uma situação concreta,
infelizmente cada vez mais comum em nossas escolas. O adolescente está confuso,
acredita ter uma inclinação que lhe parece homoafetiva. Torna-se cada vez mais
arredio e depressivo. Começa a sofrer bullying
dos colegas e junta-se cada vez mais a outros outsiders como ele. Os pais desesperados (pois são daqueles que
ainda se preocupam com os filhos) vão procurar ajuda.
O orientador da escola está numa
situação difícil: mesmo que conhecesse todos os aspectos do problema pessoal
daquele adolescente, não poderia dar uma resposta que resolvesse imediatamente
a situação. Explicações teóricas, mesmo que corretas, por si só não mudam
comportamentos. As causas do problema e suas consequências podem ser muitas. Uma
indicação errada pode piorar as coisas. São vários aspectos a serem
considerados: a felicidade e o futuro do jovem, todo o seu contexto familiar, as
relações que se criaram no ambiente escolar, as ideologias vinculadas.
É bem verdade que o cristianismo
tem uma resposta certeira para o problema: a castidade. Só que ela é muito mais
que abstinência sexual. A castidade é viver toda a sua afetividade e
sexualidade como dons recebidos, que não nos pertencem ainda que nos encham de
alegria. A abstinência é uma decisão, mas a castidade é um caminho. Não serve
como resposta pronta e esquemática.
O passo que a realidade pede ao
orientador de nosso exemplo é o da acolhida, incondicional e amorosa, ao jovem,
a sua família, a seus amigos outsiders
e mesmo aos colegas que praticaram bullying.
A experiência de ser amado é o grande fator libertador, capaz de ajudar cada um
a encontrar o caminho justo, a recomeçar quando tropeçar, não se deixar dominar
pela ideologia.
Ter as ideias no lugar certo é
fundamental para que a força da acolhida não se perca na conivência, para ir
encontrando o melhor caminho, um passo depois do outro. Mas a realidade da
acolhida tem que ter precedência sobre as ideias, para que a própria verdade
não se torne mais uma ideologia – ainda que com sinal contrário à da ideologia
de gênero.
Esse é o método que Francisco
procura nos mostrar. Um método onde a misericórdia ilumina a realidade e
submete as ideias – e não o contrário.
Jornal "O São Paulo", edição 3116, 24 a 30 de
agosto de 2016.
Excelente texto. Claro, direto ao ponto, esclarecedor, acolhedor e firme. Equilibrado e harmônico como a vida, arrisco a dizer, como o bom Deus. Republiquei.
ResponderExcluirGostei muito do artigo. Seria muito bom e útil se você pudesse aprofundar esse tema sem restrição de espaço e com seus diversos aspectos. Com esperança, Cecília
ResponderExcluirAcolher e esclarecer são inseparáveis. Jesus acolheu os pecadores mas não deixou de dizer que eles estavam doentes e precisavam de medico.
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